terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Personagens não bíblicos e suas histórias: uma saga

ALENCAR, Gabriel. Personagens não bíblicos e suas histórias. São Paulo: Cultor de Livros, 2019. 


Relaxem, pessoal. Não vou resenhar meu próprio livro kkkk. Não sou tão maluco assim. Este post especialíssimo, o último de 2019, vem para contar e deixar registrada a história de como esta belezura aí em cima surgiu. Vamos percorrer quase toda a história dele, desde a primeira ideia, até a publicação, o lançamento e os próximos caminhos. Já vou avisando: é um texto grande, porque ele visa mais o registro da coisa em si.

Este livro veio pra me salvar. Depois de tantas decepções com a Música, Deus me abriu o caminho da Literatura para que as frustrações não me vencessem. No fundo, eu não sinto grande orgulho ou mesmo grande satisfação com tudo que tem acontecido com este livro, porque eu nunca tive tanta certeza de que algo não vem de mim. Não tem porque eu ficar orgulhoso, toda a glória pertence ao Senhor, que me deu muito mais do que eu precisava. Mas já começo a divagar, vamos ao que interessa.


1. Da origem

Uma das premissas deste livro é: quais são as histórias das pessoas que estão nos bastidores dos grandes acontecimentos bíblicos? Quem são eles? O que fazem? Como vivem? Mas a questão é: de onde tirei essa ideia?

Faz um bom tempo (coloque uns anos aí, antes de eu até pensar em escrever sério), um amigo certa vez comentou comigo que ele sempre teve essa curiosidade, de questionar como seriam essas histórias dos bastidores. E isto ficou guardado em algum canto escondido da minha mente, até o dia que Deus resolveu acordar a ideia de novo.

Mas já me adiantei, porque temos que voltar a 2016. Desde que ganhei aquele concurso do Aldenor Pimentel (você pode ler mais sobre isso nesta crônica estranha), algo acordou em mim; mas não era nada sério. Nos anos que se seguiram, eu continuei participando e ganhando alguns concursos literários. Isto se tornou tão frequente que, no final de 2018, eu pensei: "Tá, acho que tá na hora de fazer algo sério com isso que Deus me deu."

Então surgiu: mas o que fazer? O que será que eu consigo escrever? A resposta foi óbvia, quando nos últimos anos tudo que eu sabia fazer era produzir contos. Então foi decidido. Sabe aquelas promessas de fim de ano? Pois é: "Em 2019 vou escrever um livro". E tudo se desenhou de maneira clara: vou escrever uma antologia com 20 contos (pensei ser um número razoável). Pensei até em cronograma: vou escrever no começo do ano, no meio do ano enviar para editoras e, quem sabe, no fim do ano ter o livro aceito. E assim eu fiz.

Não tem segredo em escrever, é só se planejar. Planejei em escrever "x" contos por dia, pelo período de tantos dias e voilà!, saiu o livro. Não posso deixar de registrar a ajuda do grupo de WhatsApp chamado "Perspectivas literárias", onde meus amigos George e Bruno foram dois catalisadores do meu processo criativo em diversos momentos.


2. Da escrita

Por incrível que possa parecer, escrever o livro foi a parte mais fácil de todo o processo. Mas antes, Stephen King diz que a pesquisa é parte essencial de todo bom escritor. Como é que você vai escrever sobre algo que não sabe? O livro perde consistência. Por isso, aqui preciso registrar a ajuda do meu amigo Guilherme Cordeiro, da Igreja Presbiteriana do Sudoeste, em Brasília, que me sugeriu a bibliografia que compôs toda a base da verossimilhança do livro. 

Portanto, antes de escrever o livro, gastei um bom tempo me debruçando sobre literatura que explicava como era a vida cotidiana no período do Novo Testamento. A bibliografia consultada foi a que segue:
ALDRETE, Gregory S. Daily life in the Roman city: Rome, Pompeii, and Ostia. Westport: Greenwood Press, 2004.
BAILEY, Kenneth E. Jesus pela ótica do Oriente Médio: estudos culturais sobre os evangelhos. São Paulo: Vida Nova, 2016.
DANIEL-ROPS, Henri. A vida diária nos tempos de Jesus. São Paulo: Vida Nova, 1983.
HORSLEY, Richard; HANSON, John. Bandidos, Profetas e Messias: movimentos populares no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1995.
PACKER, J. I; TENNEY, Merril C.; WHITE JR., William. O mundo do Novo Testamento. São Paulo: Vida, 2006.
__________. Vida cotidiana nos Templos Bíblicos. São Paulo: Vida Nova, 1982.
SAULNIER, Christiane. A Palestina no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1983.
SCARRE, Chris. The Penguin Historical Atlas of Ancient Rome. London: Penguin Books, 1995.
STRANGE, John. Herod and Jerusalem: the helenization of an oriental city. IN: THOMPSON, Thomas L (org.). Jerusalem in ancient history and tradition. London: T&T Clark International, 2003.
Toda esta fase de escrever o livro, incluindo a pesquisa, ocorreu em 3 meses. Não tem mágica, não tem segredo, é só se planejar. Cumpri minhas metas para escrever tantos contos em tanto tempo e deu certo. Aliás, um leitor atencioso, verá que eu me planejei para escrever 20 contos, mas no livro há 22. Isto será comentado mais à frente.


3. Das revisões alfa e beta

Revisão "alfa" é quando o projeto é revisto por alguém que foi participante dele; no caso, eu mesmo. Enquanto de Janeiro a Março eu estive debruçado sobre o processo de escrita, Abril todinho foi eu relendo o bendito texto e buscando erros, reorganizando a ordem de contos, acrescentando ou tirando partes deles e por aí vai. 

Final de abril eu enviei para os leitores beta (aqueles que não fizeram parte do projeto original) e pedi para que eles me devolvessem a opinião deles dentro de 30 dias. Bom, meus betas foram categorizados e escolhidos de maneira consciente. Todos fizeram o serviço voluntário, pelo bem à minha pessoa. Eles foram organizados da seguinte forma:
  • 2 leitores especializados: um escritor roraimense premiado, com alto conhecimento técnico e um editor da plataforma de livros online
  • 2 leitores com conhecimento especializado teológico e doutrinário
  • 4 leitores comuns: um não cristão e 3 cristãos, leitores variando entre bom e pouco conhecimento teológico/doutrinário; nesta categoria havia 2 mulheres e 2 homens.
É preciso deixar registrado que, destes 8 leitores betas, apenas um leu absolutamente todo o texto por completo, embora a maioria tenha dado algum retorno. Como não paguei pelo serviço, também não tinha como exigir retorno no prazo. De qualquer forma, tendo respondido ou não, no começo de Maio eu iniciei a segunda revisão (baseada nos comentários). Era preciso seguir em frente, por conta da próxima etapa.


4. Dos envios a editoras

Tendo terminado já esse horror de revisões, eu tinha em mãos a primeira "boneca" do livro. O próximo passo era enviar isso para editoras e ver se alguma delas toparia publicar meu livro. A princípio, eu não estava enganando a mim mesmo. Eu sinceramente pensava que talvez este livro (justamente por ser o primeiro e eu um autor desconhecido) seria por via de autopublicação.

Neste caminho, o autor na verdade paga uma prestadora de serviços (que muita gente chama por aí de "editora") que faz todo o serviço editorial, ou seja, diagramação, registro de ISBN, impressão e até distribuição em alguns casos. O que eu (e todo autor) queria seria na verdade uma publicação tradicional, em que a editora paga o autor pelos direitos autorais do livro e ela mesma faz todo o processo. 

Aqui começou outra pesquisa: eu precisava saber para onde estava enviando este material para o qual já tinha me empenhado tanto. Não dava pra simplesmente enviar a torto e à direita. Por isso, eu criei uma super tabela no Excel, onde listei todas as editoras que consegui achar. Depois, fui ver o catálogo de cada uma delas, até pra ver se elas topariam publicar um livro de ficção cristã.

Olha, essa parte deu muito, muito trabalho mesmo. Em alguns casos eu tive até que ligar para editoras só pra saber se elas estava aceitando originais. Algumas pediam um projeto do livro, em vez do arquivo todo; outras tinham formulários próprios; e algumas não estavam recebendo. Enviei para um total de 46 editoras.

Mas até mesmo este envio não foi de qualquer jeito. Eu preparei um "sales pitch", uma espécie de propaganda-sinopse que apresentava não apenas o livro, mas também o processo de leitura beta pelo qual ele já havia passado, as revisões e até mesmo quais seriam os meus planos caso a editora topasse publicar. 

O que eu queria mostrar para a editora era: se vocês toparem, não estarão lidando com um escritor idealista ou à toa; mas com alguém que estará empenhado em trabalhar em todas as etapas do processo, que, aliás, não para com a publicação do livro em si.

Não sei o que foi que eu fiz, mas deu certo. No começo de Maio eu disparei um monte de e-mails para diferentes editoras, apresentando meu trabalho. O mês não tinha nem terminado quando a editora Cultor de Livros entrou em contato, falando que tinha gostado do material. Eu lembro que quando li o e-mail mal pude acreditar. Tanto foi que eu respondi perguntando se era publicação tradicional ou autopublicação e eles disseram que era a primeira opção.

Gente, novamente o agir de Deus se fazendo tão evidente! Eu, um autor desconhecido, no meu primeiro livro, já sendo publicado por uma editora que, diga-se de passagem, não é uma editora qualquer! Juro pra vocês que, nas semanas que se seguiram, eu tinha certeza que a qualquer momento eu receberia um e-mail da editora dizendo: "Caro Sr. Gabriel, queira perdoar o equívoco. Favor desconsiderar o e-mail anterior".

Para minha grande surpresa, isso não aconteceu. Assinamos o contrato e eu mesmo tive que pedir pra editora pra não publicarmos tão rápido! Ela já queria lançar, mas eu sabia que antes eu precisava divulgar, criar uma base de leitores, fazer muita coisa! Tipo, eu precisava ainda acordar e saber que eu teria um livro publicado. 

Ah, mas toda essa trabalheira até agora não foi nada se comparado com o que viria a seguir. Meu Deus, jamais imaginei que seria tão cansativo. Foi como disse: escrever foi, de longe, a parte mais fácil de toda esta saga. Sigamos em frente.


5.1 Da produção do livro: ilustração e revisão

Esta fase compreende os meses de Junho até Outubro. Como podem ver, foi a etapa mais longa de todo o processo. A primeira coisa que precisa ficar clara aqui é que, apesar dos meus problemas com autoconfiança e autoestima, a editora realmente acreditou em Personagens não bíblicos e suas histórias desde o começo.

Eu já devia ter apresentado a vocês a Vanessa Pozzoli. Ela, para todos os efeitos, é a minha editora. Todo o contato que eu tive com o Cultor foi por meio dela e ela que esteve intermediando e me auxiliando em todo o processo, desde a recepção do original até há alguns dias atrás quando eu mandei um whats com dúvidas.

Foi pouco depois de já ter aceitado o original, que a Vanessa me perguntou: "Gabriel, você pensou em colocar ilustrações no livro?". E eu disse: "Olha, a princípio não havia pensado. Mas também não vejo problema". E aí já temos mais uma mostra do valor que a editora deu ao livro. O próprio Cultor de Livros disse: "Então nós vamos pagar e colocar ilustrações também".

Ainda pasmo com tudo o que acontecia, tanto eu como a editora trabalhávamos na produção do livro. Neste ponto, dois processos aconteceram em paralelo. Eu trabalhei diretamente com a Elisa Storrari, que foi a ilustradora do livro, e nós fomos fazendo uma a uma de todas as ilustrações. Eu dava uma ideia do que queria, ela fazia um esboço, eu aprovava (ou não) e ela fazia o traço final. 

Esta questão da ilustração foi muito trabalhosa também, porque eu não entendo nada disso! Então eu ainda tinha que imaginar o que se encaixaria melhor. Tá certo que várias vezes a própria Elisa sugeriu e foram sugestões perfeitas! Mas teve uma ou outra que teve mais bate-e-volta do que eu gostaria até chegarmos no denominador comum.

Quer ver mais uma coisa que ninguém nem imagina? Eu tive que ajudar a escolher a fonte que seria usada tanto no texto quanto na capa do livro! Quer dizer, eu não era obrigado a isso. Se eu quisesse, poderia largar tudo na mão da editora. Mas eu tinha plena consciência de que um bom profissional não faria as coisas assim, era preciso estar engajado e envolvido em tudo.

Paralelo a isso, a editora havia enviado o original para revisão. Depois que a revisora fez suas considerações, era minha vez de re-re-reavaliar o texto, agora considerando todos os apontamentos que a revisora profissional fez. Gente, só um detalhe: ela sugeriu mais de 2000 correções no meu texto! E olha que ele já havia sido revisado várias vezes. É, meu povo, pense num negócio sem fim.

Então lá fui eu também reler tudo de novo e revisar, ver o que concordava ou não. Até devolver finalmente para a Vanessa. Neste ponto, o texto já estava pronto para ser diagramado, tendo praticamente também todas as ilustrações pelo menos já pré-encaixadas. Porém, neste ponto, uma outra coisa surgiu.

A revisora, ao ver a estrutura orgânica do livro, destacou que havia um gap, um buraco na linha do tempo dos acontecimentos do Novo Testamento. Enquanto eu havia escrito histórias para os principais fatos, eu simplesmente tinha deixado de fora a morte e a ressurreição de Jesus! Quando vi isso eu falei para mim: "Meu Deus! Eu deixei de fora justamente os principais acontecimentos!"

Tendo visto isso, resolvi. Falei pra Vanessa: vou escrever mais dois contos, um para cada acontecimento. O problema: o pessoal já queria mandar pra impressão. Pra não atrasar, eu teria que escrever os dois contos em uma semana. E adivinha só? Eu me planejei, fiz um brainstorm relâmpago com o George e o Bruno e, uma semana depois, lá estavam os dois contos.


5.2 Da produção do livro: capa e detalhes

Pra ser bem sincero, esta etapa aqui não foi tão trabalhosa assim. É só que, depois da luta que foram as ilustrações e a revisão, nossa, imaginar que ainda teria mais coisas depois pra ver foi de matar. Aqui o problema da capa se tornou algo do qual não poderíamos mais escapar. A verdade é que ninguém sabia direito o que colocar nela.

A Elisa sugeriu uma capa e eu concordei, mais por cansaço. Porém quando vi o resultado final, não dava. Eu tinha que pensar em outra coisa. Foi quando parei pra pensar e novamente a ajuda do Guilherme Cordeiro foi essencial. Num pequeno brainstorm com ele, poucas mensagens no Whats, puff, nasceu a ideia da capa do livro. E como ficou perfeita!

Os outros detalhes incluíam: lombada do livro, texto da contracapa, texto das orelhas, foto para orelhas, QR para Instagram no final, pensar em cores para o livro, e por aí vai. Avaliem, meus amigos, que depois de escrever, revisar, pensar, criar e tudo mais, ainda tive que escrever outros textos para outras partes do livro. Coisa que jamais imaginei! Aliás, tudo isso ocorria paralelo a algumas coisas da seção anterior também.

Ah, e a foto? Imaginem só que o livro estava praticamente pronto pra ser enviado para impressão e eu não tinha a foto da orelha de trás! Meu Deus, ainda tinha isso pra ver. Lá fui eu ligar pra meio mundo de fotógrafos que eu conhecia, porque precisava tirar a foto e enviar em praticamente dois dias. Foi uma correria só, mas Deus providenciou tudo (tal como fez em todas as etapas do livro) e por milagre até que a foto saiu boa!

Quanto aos detalhes, eu tive que encarar a bronca e escrever tudo, não tinha pra onde fugir. Eu cheguei até a escrever um texto que seria para "Agradecimentos", mas depois o Cultor achou que não precisava e só a minha "Nota do autor" já seria o suficiente para funcionar à guisa de introdução. 

Ah, meus amigos mas graças a Deus, enfim, chegou o fim da produção. Um dia recebo um whats da Vanessa me informando que os livros foram para a gráfica e teríamos que aguardar algumas semanas até que eles ficassem prontos. Meus amigos, que saga não é mesmo? Quisera eu dizer que ela acaba por aqui. Mas ainda tem muita coisa pela frente.


6. Divulgação

Eu coloquei isto em um tópico separado, mas só para fins didáticos porque, na verdade, a divulgação começou no momento que a Cultor de Livros resolveu aceitar meu livro. Foi em Maio que eu iniciei o Instagram literário "Escritor ao Acaso", postando microcontos de ficção cristã (na maioria), poemas e vídeo-resenhas de segunda a sexta com quase nenhuma falha.

Eu entendi que, se eu quisesse ter alguma chance de levar meu livro pra frente, eu precisaria ter uma comunidade de leitores que tivesse algum vislumbre do meu trabalho e estivesse disposta a me ajudar a carregar o projeto adiante, seja porque são meus amigos próximos, sejam porque realmente gostaram do conteúdo e querem fazê-lo voar.

A divulgação ocorreu em paralelo com o Facebook também, onde utilizei minha página pessoal pra dobrar o que era postado no Insta. Mas, conforme o lançamento do livro foi se aproximando, comecei a investir em divulgação offline também. Daí surgiram meus cartões de visita, cartazes e panfletos para o lançamento e até mesmo alguns marca-páginas que acompanharam o livro nas vendas.

Não consigo destacar tanto como o engajamento do autor é absolutamente essencial pra que tudo isso dê certo. Na etapa de divulgação offline, pré-lançamento do livro, eu fiz questão de passar em todas as igrejas presbiterianas de Boa Vista, dei meus pulos pra estar em eventos onde sabia que haveria público-alvo, marquei horário com pastores e outras pessoas só pra divulgar o livro. E por aí vai.

Na reta final, já próximo do lançamento do livro, fui também na mídia local. Catei todo tipo de divulgação que eu consegui. Dei entrevista na rádio, procurei jornalistas pra colocar matérias em jornais, até entrevista na TV eu dei. Onde eu podia, lá estava eu tentando falar de "Personagens não bíblicos e suas histórias". 

Aqui talvez você se pergunte: por quê? Por que se desgastar tanto pro lançamento do livro? E eu preciso deixar bem claro aqui. Porque era meu dever. Entendam: este livro nunca foi meu. Vocês finalmente estão entendendo o porquê. Do começo ao fim, o agir de Deus é tão evidente que eu não tenho outra escolha senão me entregar de corpo e alma para cumprir o propósito que Ele tão claramente colocou na minha vida. 

Me empenhar ao máximo em todas as etapas para que tudo funcione não é um peso, não é uma obrigação, é um privilégio. Poucas vezes na minha vida a vontade de Deus foi tão clara. Realizar todo este esforço é, na verdade, um grande alívio para mim. Um alívio saber que estou fazendo a coisa certa.


7. Da noite de autógrafos

Neste ponto nós praticamente já não estamos mais falando do livro. A Noite de Autógrafos foi um evento em si. Teve eu lá assinando, teve música ao vivo com o trio Tulip, com a Sociedade Roraimense do Choro, teve exposição de desenhos de Noemi Lima e Lindcy Gomes, teve Vereador que compareceu, professor da UFRR, representante de Deputado Estadual, teve comida, teve família, teve amigos, teve gente que eu nem conhecia. Teve de tudo um pouco.

Quero destacar que nunca mais eu faço evento que dependa de patrocínio. Ou é do bolso, ou é com financiamento externo, ou não faz. Muita humilhação a troco de nada (pelo menos aqui em Roraima, digo). Mas que fique registrado que eu corri atrás. Fiz ofício, bati de porta em porta, pedi mesmo, coloquei a logo de quem ajudou no banner, fiz tudo que era preciso. Mas eu escrevo aqui sobre isso, não por conta do evento em si; mas pelo que aconteceu na semana do evento. Eis a história.

Que a distância entre São Paulo (de onde vieram os livros) e Roraima é grande, não deveria ser surpresa pra ninguém. O que aconteceu foi o seguinte: o frete atrasou. Os livros não chegariam em tempo para o lançamento dos livros. Não bastasse isso, teve protesto na BR e os garimpeiros fecharam a passagem. Tudo indicava que não haveria livros para o lançamento dos livros.

Ah, este foi um momento para provar a fé deste pecador. Uma noite mal dormida. E pela manhã uma nova decisão: "O Senhor que abriu as portas até aqui. Se, neste momento, Ele resolver fechá-las, então é porque isto era o melhor pra mim. Que eu encare as consequências deste infortúnio, mas encaro de cabeça erguida. A fé não é a certeza de que tudo vai dar certo; mas a certeza de que, mesmo que tudo dê errado, Deus ainda está no comando e, se é Ele quem comanda, não há nada que seja possivelmente melhor que a Sua vontade."

Amados, eu continuei planejando e divulgando o evento como se nada estivesse dando errado. Na certeza de que, se chegasse o dia 09/11/2019 e eu não tivesse livros, não haveria evento e eu sairia por Boa Vista inteira pedindo desculpas. E não se enganem, naquela semana eu ligava praticamente todo dia pra transportadora, falava com conhecidos, ligava pra sede da transportadora em Manaus, tentei ir pessoalmente lá pegar, não fiquei parado esperando a coisa acontecer não.

Na véspera, meus queridos, na véspera. A transportadora me ligou dizendo que eu poderia ir lá retirar as caixas. Eu chorei; mas, ah, que alívio! Foi a Priscila Lira que foi lá comigo receber a encomenda. Estava tudo certo, podíamos ir em frente. Ainda nesta vez o Senhor abriu as portas e permitiu que tudo desse certo. Louvado seja o nome do Senhor!


8. Novamente o resumo da ópera

O ano de 2019 termina cheio de grandes histórias. O resumo da ópera? Simples: 350 livros vendidos em menos de dois meses. Eu teria história pra contar de como vendi 73 livros em seis dias em Brasília, mas isso fica pra outra ocasião. Um amigo escritor dos EUA perguntou quantos destes 350  livros eram virtuais. "Ué, nenhum", respondi. Sua réplica foi: "Esta é uma quantidade absurda de livros físicos!"

O que posso dizer? Apenas ser grato por Deus ter usado um pecador como eu para engrandecer o Seu nome através deste humilde livro. E agora? Quais os caminhos pela frente? Ah, quem sabe um livro de microcontos, quem sabe um segundo volume de Personagens não bíblicos e suas histórias (já pensou?), quem sabe um livro de fantasia, quem sabe outra coisa diferente.

Uma coisa é certa: não há mais dúvidas. Não sou mais um Escritor ao Acaso. Sabe de uma coisa? Acho que nunca fui.
"Portanto, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor o vosso trabalho não é vão." (I Co. 15:58)

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

2019: o resumo da ópera

Bom, começo a criar um padrão, o qual desejo perpetuar e tornar um marco deste blog. Todo fim de ano, esta retrospectiva me é útil para ver o que diabos eu fiz no ano inteiro e também para apontar que melhores caminhos seguir no próximo. Vou seguir a mesminha estrutura do ano anterior. Vamo lá.    


1. Livros resenhados
    Graças a Deus consegui reaproveitar a tabela do ano passado, porque ô troço difícil de fazer se você não entende nada de programação. Este ano foi assim: 2019, 37 livros lidos. Pra ser bem honesto não fiquei muito satisfeito não. Ano passado foram 27 livros. Poxa, só 10 a mais? Vou olhar por outro lado e me contentar em ter conseguido uma média de mais de 3 livros por mês. É o que temos.

    Jan 1) Dois irmãos; 2) Hamlet
    Fev 3) Frankenstein; 4) O vermelho e o negro
    Mar 5) Jogador nº 1; 6) Everworld; 7) Noite na taverna
    Abr 8) Gato preto em campo de neve; 9) Ed Mort e outras histórias 10) O grande abismo; 11) Cartas do inferno
    Mai 12) Os irmãos Karamazovi; 13) O trílio dourado
    Jun 14) Brave new world
    Jul 15) Blade runner; 16) 2011: A space odissey;
    17) Steampunk: extraordinary tales; 18) How to write a sentence; 19) Writing fiction
    Ago 20) Livrinho da silva; 21) Cain; 22) O racionalista romântico;
    Set 23) The great Gatsby; 24) Prêmio SESC/RR de literatura 2010; 25) Ben-Hur
    Out 26) Um lugar ao sol
    Nov/Dez 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33) As crônicas de Nárnia; 34) Illidan; 35) A história de L; 36) Adam; 37) Oceanïc

    Um gráfico disso (esse eu sei fazer no pacote office -- mas também só sei porque é só clicar umas duas vezes), ficaria assim:


    Novamente, destes 37 livros, apenas 9 foram de autores nacionais. Diria que melhorou, se considerarmos que ano passado só li 7; mas, por outro lado, se vermos a proporção, fiquei bem abaixo do ano anterior. Não me esquivo dos autores nacionais, apenas não rolou química por enquanto (refiro-me, claro, aos contemporâneos, porque dos clássicos sou fã).

    Enquanto ano passado não havia lido nenhum de comédia, neste ano tivemos pelo menos Ed Mort; e ainda ficamos sem nenhum de amor. Mas permanecemos com uns bons de ficção científica, fantasia, um suspense de leve com Frankenstein, e outros diversos. Novamente estão inclusos aí aqueles que amei e também os que odiei, que sequer farão mais parte da minha estante.


    2. Concursos literários e produções

    Referente a concursos literários, 2019 não foi um ano bom para o Escritor ao Acaso. Primeiro que eu não fiz o devido controle de todos os concursos para os quais submeti texto, o que, novamente, resultou numa tabela meio capenga, coisa que veio da minha cabeça. Na tabela abaixo enumero os concursos em que fui aprovado (Sim), os que não fui (Não) e os que ainda estou aguardando resultado (Talvez).

    Sim 13ª edição da Revista Literalivre; Menção Honrosa no VI Concurso Literário Icoense (CLIC);  Newsletter "Faísca", S01E25, Revista Mafagafo;  2ª ed. Revista Literomancia
    Não XVII “Prêmio Jorge Andrade”, Academia Barretense de Cultura;  Antologia Delírios II (editora Converge); Novos Talentos FURB; Abrace um Autor; Concurso Literário Beleza e Simplicidade; Concurso Microcontos de Humor de Piracicaba; IX Concurso Internacional de Contos Vicente Cardoso; 2ª ed. Covil da Discórdia; 10º Prêmio Escriba de Contos; Concurso Cidade do Penedo de Poesia e Conto; Antologia Terror na Amazônia, ed. E-parágrafo.
    Talvez 32º Concurso Nacional de Contos Cidade de Araçatuba 2019;  Concurso de relato breve, CEBUSAL

    Foram ao todo enviados 17 contos para diferentes concursos. Como vocês podem ver a quantidade de "nãos" foi bem maior que ano passado. Claro que concursos literários são subjetivos, mas isto não significa que a gente não deva continuar tentando. Todos os "sims" que recebi considero que foram fruto de bom trabalho. Só o "sim" da Mafagafo já valeu ouro pra mim. Olha aí o resumo da tabela.


    Enquanto a categoria de concursos literários não teve lá essa repercussão, por outro lado, ainda falando de produções literárias, neste ano tivemos o precioso PERSONAGENS NÃO BÍBLICOS E SUAS HISTÓRIAS, meu primeiro livrinho que, em menos de dois meses, vendeu 350 exemplares. Quero ainda fazer um post específico apenas sobre o processo de escrita, revisão, envio e produção do livro propriamente dito.

    #O resumo da ópera
    • Livros lidos: 37
    • Textos escritos: sei lá, esqueci de fazer esse índice de novo; mas escrevi um livro!
    • Textos enviados pra concursos literários: 17
    • Textos aprovados: 4
    Interessante. Neste ano, participei de menos concursos literários que ano passado (em 2018, foram 18), mas meu índice de textos aprovados permaneceu o mesmo. No fim das contas, o segredo é seguir em frente. Personagens não bíblicos e suas histórias foi, de longe, o grande marco de 2019. Quem sabe o que futuro terá pela frente para este Escritor ao Acaso?

    sábado, 28 de dezembro de 2019

    Resenha - Oceanïc

    SOUZA, Waldson. Oceanïc. Blumenau: Dame Blanche, 2019.


    Senhoras e senhores, sejam bem-vindos à última resenha de 2019. Hoje nós vamos conhecer o primeiro livro do escritor brasiliense Waldson Souza, um cara que eu tive o privilégio de conhecer graças ao Esdras, um amigo em comum (ainda que nunca tenhamos nos encontrado pessoalmente!). Falo privilégio porque acho que os novos escritores brasileiros precisam estar juntos e sempre apoiando um ao outro. Waldson também foi um dos selecionados para as edições Faísca da Mafagafo.

    Ah, só uma explicação: as citações que vocês estão vendo aqui estão destacando a "posição" em vez da "página". Isto acontece porque o livro foi lido em formato e-book (provavelmente e-pub) dentro do próprio aplicativo da Amazon. Estivesse em pdf talvez conseguisse apontar algo diferente, mas é o que temos e serve ao mesmo propósito.

    Bom, tendo dito isto, é importante lembrar que não sou Mestre em Literatura, coisa que o Waldson é. Também convém ressaltar que mal tenho experiência como escritor. O que quero dizer é: isto aqui é só uma opinião de alguém que nem é lá tão qualificado assim. Mas chega de lenga-lenga. 

    Ok, fui fisgado no prólogo! Pessoas que vivem nas costas (e dentro!) de animais marinhos gigantes (que são chamadas de "tartarugas" para fins de representação). Só por esta premissa já fiquei cativado. A metrópole Oceanïc é apenas uma de várias cidades em cima destes animais. Waldson já tinha citado essa premissa pra mim antes e ela é realmente muito boa. 

    Falando diretamente de personagens, fiquei contente em reconhecer a Paula do conto que li, o qual, imagino eu, foi quem deu origem a tudo isso. Achei todos eles muito bem construídos, embora, lá na primeira parte, não sei até que ponto acho verossímil a reação de Rafael em se fingir de durão pra não parecer doente.

    Digo isso porque tanto Rafael quanto Félix são betas, sempre tem outro personagem dominante na cena, o alfa (Jonas e Laura). Os principais narram tudo em primeira pessoa, mas eles nunca são o personagem que leva a narrativa pra frente. Além disso, parece haver uma carência nestes personagens, que não podem subsistir em si mesmos, dependentes de outros.

    Alguns diálogos (mas só alguns) não me soam verossímeis. Não pelo conteúdo, mas pela forma. Acho difícil um "caminhoneiro" (porque é praticamente isso que é o personagem "Ramos") dizer algo do tipo "vou levá-lo." (posição 1046). E no caso da história da menina e o bilhete também. Qual foi a motivação? Que tipo de pessoa com seu emprego estável arriscaria tudo só por curiosidade? Achei pouco verossímil, não me convenceu.

    Sobre questões de estilo e grafia, tem um modelo de frase que eu gosto bastante, já vi em outros autores, mas nunca lembro de usar. Uma maneira bem elegante de montar uma cena. É este aqui:
    "Café. Leite. Pão de forma. Ovo. Sorriso. Laranja. Mãos. Iogurte. Olhos." (posição 323)
    Por outro lado "Travessia do Limiar" (pensando nos moldes da "Jornada do Herói") achei meio clichê, especialmente a cena da sala com luz branca e talz. Tem alguns momentos de mais show e menos tell. Por exemplo, na seguinte descrição:
    "Laura às vezes falava de um jeito meio egoísta, como se a felicidade dela fosse mais importante que os sentimentos da própria mãe." (posição 709)
    Ah, e tudo bem que o passado de "remoer" é "remoo"; mas que é uma palavra bem feia isso é, kkkkk. Desculpa, tenho frescura com algumas palavras. Vivo refraseando contos por conta disso. Mas, de maneira geral, foram poucas as coisas que vi neste quesito. Um ou outro erro de grafia, mas coisa pequena, daquelas que sempre passam mesmo.

    O livro me trouxe algumas reflexões bem interessantes. E acho que isto é o mais importante a se falar sobre tudo que li. A primeira está na seguinte citação:
    "Se distanciar da realidade, mesmo que por alguns momentos, às vezes, é a única forma de continuar sobrevivendo." (posição 120)
    Tenho um conflito interno quanto a esta premissa porque boa parte de mim concorda com ela e a outra parte teme o quanto eu posso me entregar a isso. Pra falar a verdade, de maneira geral, esta é minha abordagem sobre a arte. O que eu mais gosto em livros, jogos, músicas, etc, é a capacidade de me fazer imergir. Por exemplo, não quero jogar no PC pra ter mais problemas, quero relaxar. Acho que o grande segredo da questão é saber se distanciar o suficiente para não cair no absenteísmo.

    E isto puxa uma segundo ponto. Sobre a fuga de Pölen, tem algo que até hoje me incomoda bastante: até que ponto a estabilidade com o que é simples pode ser ruim? Existe algo inato em querer crescer, melhorar, mudar... mas até que ponto realmente são necessárias mudanças? Na fuga de Felix, esta cena me trouxe essa reflexão à tona:
    "Meu irmão mais novo foi o primeiro que me abraçou, ele era o que mais me entendia. Em seguida vieram meus pais e ficamos ali os quatro, mas não por muito tempo, eu poderia acabar desistindo se continuasse sentindo aquele abraço." (posição 916)
    Estreitamente ligado a isto, é interessante notar que em todo o livro, o "trabalho" é visto pelos personagens como algo ruim, uma rotina, algo do qual eles querem se livrar, uma espécie de escravidão. E também é uma constante que os personagens querem "ir para algum lugar". Há um descontentamento com o presente, um eterno desejo de fuga, um escapismo.

    E neste ponto, filosoficamente, não posso discordar mais. O trabalho é um elemento essencial do ser humano, ele não é necessariamente algo ruim. Pelo contrário, é algo bom e necessário. E veja que esta questão do trabalho, no livro, está fortemente ligada à "fuga". Mas fugir pra onde? Ou melhor, fugir do quê? Do trabalho? Mas isto todos os personagens encontraram, seja lá pra onde fossem.

    Esse determinismo está presente de maneira indireta em algumas partes do livro. Veja bem, na citação abaixo, não sei até que ponto isto foi fala do autor ou do personagem, mas está aí uma grande verdade sobre Deus e Seu eterno decreto: 
    "Foi por acaso. Mas qual é a diferença entre destino e acaso? Tudo está fora do nosso controle. Sempre estamos sujeitos a forças desconhecidas e maiores que nós." (posição 1016)
    Estes diversos simbolismos que o livro traz são um forte indicador da sua densidade e qualidade. De modo geral, a estrutura é excelente, muito bem construída mesmo.  romance é bem delineado. A gente não fica confuso com a narrativa e o autor soube carregar o texto pra frente. A alternância das partes com os personagens também é bem construída. Consegue fazer a narrativa caminhar, mas de outro ponto de vista. 

    Aliás, utilizar a exata mesma cena no final, mas do ponto de vista da outra pessoa, achei uma sacada fantástica. Ah, e o grande encontro dos personagens tecidos em diferentes momentos da trama é muito bem construído e ocorre de maneira natural. Excelente uso do enredo.

    Acho que a única coisa que me incomodou mesmo, e é algo que perpassa toda a estrutura é que um livro tem uma premissa tão boa, mas é permeado de romances (sejam eles LGBT ou héteros) que, em vários momentos, achei desnecessários. Se eu quisesse ler livro de amor teria comprado um desse. Eu queria ficção científica. 

    Tudo bem que as coisas se misturam, mas achei meio forçado, especialmente porque temos mais relatos sobre questões amorosas do que necessariamente ficção científica. Aliás, a ficção científica vem com força vem com força mesmo só na Parte IV. Aquele melodrama quando Jonas encontra Rafael no final me soou exagerado e pouco verossímil. No fundo, talvez tenha sido mais uma questão de gosto e expectativa da minha parte.

    O meu veredito é: o livro TEM QUE TER CONTINUAÇÃO! O final ficou muito bom e deixou aquele gostinho de quero mais (o que King e Cassill chamam de "ressonância" do texto). A premissa é muito boa pra ficar só em um livro. 

    Por fim, se eu comparar com "Oceanïc" com "Personagens não bíblicos e suas histórias", vejo como estou a anos-luz de distância de algo com essa qualidade. Não sei se consigo escrever um romance com essa coesão. Meu caminho ainda é estudar, pra, quem sabe, conseguir alcançar o patamar de Waldson Souza, um nome que duvido que será breve na literatura nacional.

    sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

    Resenha - Ilusões perdidas

    BALZAC, Honoré de. Ilusões perdidas. São Paulo: Abril, 2010. (Clássicos Abril Coleções).


    Vou começar confessando o meu pecado. Não li o livro até o fim. Não dei conta, tenho mais o que fazer. Não vou nem contar ele pra lista de livros lidos neste ano (embora tenha gastado um tempo razoável nessa joça). Bom, mas vamos tentar fazer uma análise por alto mesmo assim. 

    A primeira coisa que salta aos olhos são os parágrafos muito extensos. Naturalmente estamos falando aqui de marcas de uma época. Sem o auxílio audiovisual, os leitores precisavam (e até gostavam) destas descrições longas que ajudavam a imergir no contexto. Aliás, não posso negar que, apesar de extensos, os parágrafos são bem concatenados.  
    "A avareza começa onde cessa a pobreza." (p. 15)
    Há algumas frases no livro que são interessantes de registrar. E vi algo interessante. Stephen King falou que pessoas gostam de ler histórias sobre trabalho. Ninguém sabe por quê, elas apenas gostam. E vejam o caso deste livro: fala da prensa francesa do século XIX. E o pior: é super interessante!

    Agora passando para o cerne da questão, tenho várias coisas a comentar. Antes, porém, me pergunto se o livro tem o linguajar culto mesmo ou foram as escolhas da tradução que dificultaram. Tem várias palavras ali que são desnecessárias, visto que há outras que transparecem melhor o significado. Não me entendam mal, não defendo um "empobrecimento" da língua (se é que isso é possível!), mas uma aproximação com o leitor. Ojeriza-me a erudição em excesso. (viu?)

    Não há divisão em capítulos, apenas "partes" (que totalizam as 800 e tantas páginas do livro). Isso me fez falta, tornou a leitura menos fluida. Some-se a isso os parágrafos gigantescos. Pff. Você tem que ser um nobre francês do século XIX pra ter tempo e ficar lendo sem fazer mais nada.

    Volto novamente a falar das descrições longas. Ainda que típicas da época, são extremamente maçantes e não levam a narrativa pra frente. Aliás, não só descrições, mas divagações sobre fatos e personagens que não influenciam em nada na história estão presentes em vários momentos.

    Fico cada vez mais convencido do que falou o professor brasileiro Charles Kiefer por ocasião do seu livro "Para ser escritor": 1) naquela época, um livro bom era necessariamente um livro grande; 2) para que o livro valesse a pena ser impresso, ele tinha que ter muitas páginas. Pra garantir isso, os escritores enchiam as páginas com mil e uma descrições, para aumentar o total no final. O famoso "encher linguiça".
    "Os costumes da região haviam levantado barreiras morais tão difíceis de transpor quanto as ladeiras pelas quais descia Lucien." (p. 44)
    Tentando voltar novamente ao enredo do livro, as barreiras desta citação acima estarão presentes nos amores proibidos e conflituosos de Lucien pelo livro. O grande tema, na verdade, é o contraste entre a vida provinciana (Angoulême) e a metropolitana (Paris); e as ilusões perdidas são a decadência do jovem Lucien pelo livro. 

    Dividido em três partes, o livro é muito chato. E olha que eu gosto de clássicos, e olha que eu gosto de cotidiano. Existem algumas frases bonitas, algumas filosofias embutidas, e um bocado de revelações sobre a sociedade francesa da belle époque -- que, diga-se de passagem, não é nada que você já não tenha visto em filmes ou outros livros.

    Olha, que o livro é bem denso, cheio de muitos temas e personagens até complexos, eu não nego. Eu compreendo que o livro é uma obra-prima da literatura, uma vez que inaugura um novo tipo de romance e até o consolida. Que há méritos, eu não desprezo e tampouco minimizo.

    Mas, no fim do dia, eu não sou professor da área e, pra ser bem sincero, não creio que um dia serei um grande mestre desta arte. Será que é tão errado assim só querer fazer uma leitura despreocupada? Já passei do tempo em que lia coisas só pra ter o "status" de dizer: "Eu li Balzac". Por isso, talvez esta seja uma leitura para um dia em que eu tiver bem mais maturidade, tempo e paciência (e talvez falta do que fazer). 

    quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

    Resenha - Adam

    McPHERSON, Brennan. Adam: The Mirror of the Almighty. Sparta (?): Self-published, 2016.


    Bom, não é a primeira vez que falo desse autor. Brennan McPherson é um autor norte-americano que tem literalmente a minha idade e já está lá pelo seu quinto ou sexto livro lançado. Até agora, ainda não teve alguma coisa que eu tenha lido dele que eu não tenha achado fantástico. O jeito como ele mistura fantasia e a criatividade dele para a ficção cristã é um verdadeiro dom.

    Quando falei de Cain (na resenha que está no link aí em cima), comentei que McPherson estava escrevendo uma série chamada "A queda do homem" e que Cain era o livro 1. Bom, ele resolveu fazer uma prequel utilizando a história do primeiro homem pra criar um pano de fundo e fechar o ciclo.

    Adam, como projeto literário, é um livro autopublicado e que pode ser obtido de graça no site do autor. Foi assim que este arquivo *.pdf com apenas 18 páginas veio parar nas minhas mãos. Poderia se dizer até que é conto elaborado. Mas agora vamos ao conteúdo do livro em si.

    O tom "bíblico" da obra é bem construído, há algo de solene e magnífico no ato da criação do homem. Não consigo evitar o pensamento que houve uma forte influência de Lewis aí nesta parte, especialmente de falar da Voz de Deus no ato da criação como música também. Sobre isso, há uma citação linda: 
    "We are the product of his imagination, brought into being by his very Words.
    Sound. That is what we are.
    " (p. 5)
    Novamente o autor faz algo que eu não gosto: ele coloca Deus na história e dá falas a Ele. Enquanto entendendo que não daria pra fazer uma boa história da Criação sem o Personagem principal, todavia me pego questionando como pode qualquer ser humano imperfeito dar falas a um Ser perfeito. Talvez seja apenas preciosismo da minha parte, mas é algo que incomoda meu coração.

    Houve algo que me chamou a atenção. Quando lemos Gênesis, temos a impressão que tudo foi quase instantâneo. Mas McPherson teve a sacada de espaçar os acontecimentos. O que quero destacar é: ninguém se afasta de Deus de uma hora pra outra. Da mesma forma, o autor mostra Adão e Eva se preocupando com outras coisas e, pouco a pouco, deixando de lado a presença do Altíssimo.

    Outra sacada de gênio: no momento da queda, pensamos que Eva estava lá, foi enganada pela serpente e só depois Adão é enganado também. McPherson monta a cena de maneira fantástica: a mulher estava lá sendo enganada, mas Adão estava próximo. Viu tudo acontecer e não fez nada. Por isso foi enganado junto. Perfeito! Não fere o texto bíblico e ainda mostra de maneira perfeita a corresponsabilidade do homem no momento da Queda! Vejam só:
    "The woman looks at me as if for answers, but I only shake my head. The Serpent’s words carry a heavy undertow, and I feel swept under." (p. 11)
    É de cortar o coração o momento da Queda. Em ver homem e mulher, cheios da Luz, de repente tomados pelo vazio das Trevas. Em vê-los alterados para sempre, manchados pelo pecado que agora arde e queima dentro dos seus corações. Um fogo que agora arde e queima para a Morte.

    Aliás, depois da Queda, Deus expulsa os dois do Éden, para que eles não comam do fruto da Árvore da Vida. Deus tinha "medo", "receio" que eles comessem dela? De modo nenhum, foi um ato de amor. McPherson aborda isso da seguinte forma:
    "[...], you must not be allowed to reach out your hand and take also from the tree of life and eat, and live forever. For to live forever in death is an Abomination. I will not curse you to such a fate." (p. 16)
    Achei muito bom ver nos personagens os traços da Depravação Total, mostrando realmente um homem caído que, por sua própria vontade ou capacidade, jamais pode se achegar a Deus, a não ser que antes Ele venha a nós.

    Eu particularmente não tenho dúvidas que McPherson vai entrar de vez pra minha estante e, tampouco, que ainda ouviremos falar mais dele no futuro. Meu sincero desejo é que mais jovens abracem esta arte e produzam livros de boa qualidade, que glorifiquem o nome do Senhor.

    quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

    Adeus, Marte.


    Tudo aconteceu muito rápido. Eu estava saindo do apartamento quando senti algo estranho, sei lá, uma sensação ruim. Desci, caminhei pela Via Martiana em direção ao Espaço-Porto. Naquela época eu trabalhava como estivador.
    Quando já estava perto da entrada do Espaço-Porto, passei a ter certeza de que algo estava errado. Eu e todas as outras pessoas. O gerador gravitacional começou a dar problema. De repente, ficamos mais leves — foi uma sensação engraçada. Todos na rua se olharam confusos, algumas crianças pularam alto, sorrindo.
    Durou só uns cinco segundos. Então, a gravidade voltou de uma só vez. Sentimos nosso peso sendo puxado para baixo. Ninguém entendeu nada. Nesse momento, alguém apontou para o céu, a voz denotando preocupação:
    — O que é aquilo?
    Grandes nuvens escuras se formavam no céu límpido de Marte. Pequenos objetos disformes e escuros rompiam a atmosfera e impactavam o chão no horizonte. Sentíamos tudo tremer. Foi quando vimos o pior que tudo ficou claro: uma grande nave, acho que era um cruzador intergaláctico de carga — alguma coisa estava errada com ele —devia ter o tamanho de uma estação espacial, e o pior: estava em queda livre em direção à Marte.
    O desespero bateu em todos. Pessoas gritaram, umas correram e outras simplesmente ficaram paradas, estupefatas. Todo mundo entendeu que, quando aquilo atingisse o solo, haveria uma grande onda de choque e nós provavelmente morreríamos no impacto.
    — Não fique aí, parado! — Zedequias passou gritando, segurou meu braço e deu um puxão. — Vem, rápido!
    Acordei do meu transe e percebi a besteira que era ficar parado ali. Zedequias correu na direção do Espaço-Porto, e eu atrás dele. A multidão se dividia entre os que queriam entrar no Porto e os que queriam sair; alguns eram pisoteados, crianças choravam aos berros em meio à confusão.
    — Zedequias, para onde a gente está indo? — Perguntei, em desespero.
    — Cala a boca e me segue, rápido!
    Nadamos no mar de gente e alcançamos as docas. Naquele momento, entendi. Zedequias nunca fora flor que se cheirasse, — Meu Deus, ele ia roubar uma nave. Quando o vi correndo em direção a uma dessas lanchas de passeio, hesitei ante o que estava para fazer. Senti de novo o gerador gravitacional dar problema. Olhei na direção do cruzador intergaláctico quando ele rompeu o limite da troposfera. No meu instinto, segui Zedequias.
    Ele nocauteou um borgon que estava dentro da nave e o jogou no cais. Fingi que nem vi e entrei na nave.
    — Liga o propulsor de estibordo que eu vou para bombordo! Rápido, vai! A gente deve ter só alguns segundos!
    Eu corri para o lado direito do barco, ativei o desengate da nave e liguei os propulsores. Zedequias estava no outro lado preparando os motores de curva, e eu desativei as travas de âncora na cabine de comando. Enquanto ele terminava de atarraxar os zenilóguios, eu ligava os motores.
    — Zedequias, ela já está aquecida! Só me diz quando! — Gritei para ele, que, de repente, apareceu na cabine:
    — Vai, vai, vai!
    Manobrei a nave e decolamos.
    — Assim não, Barajós! Sai daí, tu é lerdo demais!
    Ele me empurrou e tomou o manípulo de controle, descendo-o de uma só vez. Zarpamos numa arrancada em diagonal tão rápido que eu caí. Zedequias gritava para a nave:
    — Vai, vai, vai! Força, danada!
    Enfim, a nave estabilizou. Reuni forças e alcancei a poltrona mais próxima, colocando o cinto de segurança.
    Pelos painéis, pude ver a hora que o cruzador caiu. As favelas de Orenan foram as primeiras a serem atingidas, na periferia da cidade. Vi a hora que a onda de choque alcançou o prédio onde eu morava, fazendo ele desabar. Vi as bases do Espaço-Porto sendo destruídas e a Ala Oeste desmoronando. Fogo se espalhava por diversos lugares de Verílion, a capital de Marte.
    Zedequias caiu de joelhos. Com as mãos no rosto, ele soluçava. Naquele momento, entendeu que tinha perdido a esposa e as duas filhas.
     [...]
    Para ler o conto na íntegra, acesse a 2ª edição da Revista Literomancia, disponível aqui.

    terça-feira, 24 de dezembro de 2019

    Recados

    13 de agosto de 1845. Boa Vista, futura Roraima, Brasil. Terra #3.

    Minha Querida,

    Hoje finalmente consegui o que faltava para completarmos a Passagem. Como vão as coisas por aí? Não vejo a hora de te abraçar. Ontem de manhã, o governo local finalmente deu sinais de que vai se movimentar pra fazer alguma coisa. Aliás, eu tinha que ser enviado pra esse fim de mundo mesmo? Odeio esse lugar. Ah, não vejo a hora de te encontrar.

    Do seu,

    Querido.

    ____________________

    67 de Nefertiti, ano 186 do Quarto Império, antiga Cairo, Egito. Terra #24.

    Meu Querido,

    Sua carta chegou bem a tempo. Também estamos prestes a abrir a Passagem pelo nosso lado. Não se esqueça de me procurar no Carvalho do Meio. Não tenho muito tempo para escrever, só posso torcer para que esta carta o alcance antes de eu partir. Nessa semana devem chegar os últimos Viajantes pra nos auxiliar. Estamos correndo sério risco de nos envolver na guerra local se não sairmos daqui logo, os bioscanners deles são bem eficientes... Ah, você reclama do seu “fim de mundo”? Hunf, nem queira saber do meu. Mas eu divago, desculpe, só quero te encontrar logo também.

    Da sua,

    Querida.

    ____________________

    08 de setembro de 1845. Boa Vista, futura Roraima, Brasil. Terra #3.

    Minha Querida,

    Nossos cálculos deram errado. Pensávamos que os locais nos considerariam deuses, que nos adorariam e que teríamos a cooperação deles. Ledo engano. Eles nos chamam de demônios e têm invocado seres multidimensionais contra nós. Jamais imaginei que essa tecnologia fosse acessível a eles, talvez nem entendam o que fazem. O problema é que há seres poderosos por aqui, estas florestas não são muito seguras. Precisamos agir rápido. Sua carta chegou a tempo, mas temo que eu não vá encontrar com você no Carvalho do Meio, por favor me informe outro ponto de referência. Posso apenas torcer para que esta carta chegue antes de você partir. Por favor, me espere, eu chegarei para ficar junto a ti.

    ____________________

    39 de janeiro (ano?), Planície das Nuvens, espaço aéreo sobre a antiga São Paulo, antigo Brasil. Terra #16.

    Meu Querido,

    Acabei de sair da Passagem, fiz questão de ser a última a transitar, aguardando sua carta. Ainda bem que o fiz. Nós transitamos bem a tempo. O Sendeiro Brilhante adentrava nosso esconderijo no exato momento em que a Passagem fechou. Infelizmente, tivemos que deixar boa parte dos suprimentos para trás, e no lugar onde estamos não vai ser fácil conseguir novos: ainda há muita radiação aqui. A boa notícia é que estamos mais perto. Como acabei de chegar, não sei o ano, mas os sensores indicam que o espaço-tempo entre nós encurtou, e nossa comunicação deve melhorar. Sinto muito por saber que enfrenta dificuldades com os nativos, mas aguente firme, em breve nos encontraremos. Vamos tentar nos encontrar no Carvalho do Meio de novo, acho que dá tempo. Te aguardo, pra sempre.

    Da sua,

    Querida.

    ____________________

    27 de setembro de 1845. Boa Vista, futura Roraima, Brasil. Terra #2.

    Minha Querida,

    Transitei. Consegui. Os seres multidimensionais que te falei? Era pior do que eu imaginava. Nossos sensores captaram uma dobra até a sexta dimensão, estávamos desesperados. Tivemos que fazer todo o possível para abrir a Passagem e fugir o quanto antes. Por favor não nos julgue, às vezes sacrifícios têm de ser feitos para o bem do progresso. Nossa transição foi incompleta, porém: conseguimos dobrar apenas o tempo, continuamos no mesmo lugar. E isso não é bom. No momento, estamos escondidos dos locais, porque tememos que eles invoquem os seres de novo. Por favor venha logo. 

    Do seu,

    Querido.

    ____________________

    09 de outubro de 1836, Rio de Janeiro, Brasil. Terra #5.

    Meu Querido,

    Amor da minha vida, estamos mais perto do que nunca. Conseguimos transitar graças aos reforços dos Viajantes, que também precisaram abrir uma dobra. Mas estou preocupada. De que seres multidimensionais falas? Não há muitos destes por aí, e você é o que melhor os conhece! O que pode haver de tão terrível para te assustar? Hoje recebi alguns relatos sobre seres dimensionais que habitam as florestas, mas não me pareceu nada demais, pergunto-me até se não são apenas os mitos e fábulas dos povos incultos. Ontem um Viajante me disse que não devo desprezar conhecimentos que não posso compreender. Argh, odeio esses tolos. Por favor, venha logo.

    Da sua,

    Querida.

    ____________________

    16 de dezembro de 2019. Boa Vista, Roraima, Brasil. Terra #1.

    Minha Querida,

    Não deu certo. Esta é a última correspondência que você receberá de mim. Por favor não venha e nem me procure nunca mais. Os seres multidimensionais protegem segredos escondidos que ninguém, nem mesmo você, teria capacidade para compreender. Os povos que habitam aqui, longe de serem incultos ou atrasados, em muito superam o respeito e o entendimento que nós ainda sonhamos ter. Não venha. Os espíritos me alertaram de que este é um espaço sagrado. Eles me contactaram diretamente, por piedade, para nos poupar, porque, em breve, os próprios locais se refugiarão e desaparecerão para sempre. A Terra ficará entregue aos homens que, insaciáveis, terminarão de destruir aquilo de que precisam. Somos tolos, minha querida. Tolos. Quando esta Terra desaparecer, então não haverá mais nada para buscar, e dobra nenhuma vai mudar esse fato. É tudo uma questão de tempo. Ah, e falando em tempo, perdoe-me, mas vou lançar nossa correspondência no espaço-tempo, torcendo para que alguém a encontre. Não me julgue, por favor, eu sei que vou expor você e todo o nosso trabalho. Talvez nem acreditem em nós; acharão, no mínimo, um conto diferente. Mas eu sinceramente espero que nos levem a sério. A hora de mudar o curso é hoje, não amanhã. Mude seu curso e altere a história. Serei seu pra sempre. Te amo.

    Do seu,

    Querido.


    Conto publicado originalmente na newsletter "Faísca", Temporada 1 — Episódio 25, da Revista Mafagafo.

    Resenha - A história de L

    CARVALHO, Nelson. A história de L. Brasília: Edição do autor, 2015.


    Bom, vamos lá. Pra começo de conversa, o livro já inicia com uns 30 agradecimentos e dedicatórias. Achei demais. É livro ou TCC? Olhando pra trás, este deveria ter sido minha primeira indicação da qualidade literária do livro.

    A capa é bem trabalhada, me chamou a atenção. Embora seja uma autopublicação, a gente vê que o trabalho teve qualidade. Está bem diagramado, o papel é de boa qualidade, em suma, tem bom acabamento.

    O primeiro parágrafo do livro já me deixou com um pé atrás -- e, novamente, já deveria ter sido um indício claro do que viria pela frente. O que acontece é que, via de regra, quando estou lendo ficção, não gosto de ver isso misturado com poesia. E logo o primeiro parágrafo já foi um puro lirismo em prosa (o que está ligado com a formação de poeta do autor).

    O livro tem o grave defeito do "muito show e pouco tell", e o pior é que isso não acontece de vez em quando. É durante todo o livro! Aliás, quer uma definição bem precisa do que é esse livro? É muito simples: Livro de tiozão. 

    Não sabe contar história. Quer dizer, pelo contrário, parece que tá contando história num bar e não realmente escrevendo uma ficção. Não coloco em cheque as credenciais de poeta, mas o uso de onomatopeias daquelas bem cafonas e o excesso de advérbios de modo me fazem questionar a bagagem do autor como escritor. Tem algumas descrições do cotidiano que quase valem a pena aproximar da poesia, mas não demais. Gostei de algumas que foram comedidas.

    Bom, de maneira geral, o livro conta a história da menina "L" e suas aventuras em São Paulo, logo após a mudança da família. Seu pai é porteiro num prédio e ela acompanha a mãe em diversas andanças. No prédio, há alguns personagens memoráveis, mas a sequência narrativa faz a gente se perder entre eles e, o pior, perde o timing da história. Mais tarde, ela também vai contar suas andanças por Brasília.

    O livro parece um relato de viagem, de reminiscências e memórias que só trazem nostalgia na cabeça do próprio autor, que tenta socar no leitor (com vários adjetivos, por sinal) uma impressão qualitativa forçada. Trata-se, na verdade, da somatória de narrativas razoavelmente interessantes, na vã esperança de que o conjunto delas produza um todo coerente. Se calculasse as probabilidades, teria valido mais a pena jogar na loteria.

    Os diálogos são ridículos, mal construídos e exageradamente infantis (mesmo que a personagem principal não seja adulta, basta ler Nárnia pra saber como um bom escritor faz). Novamente destaco o uso de onomatopeias de péssimo gosto, que em nada contribuem para a narrativa. E falando em construção de narrativas, meu Deus, quem faz uma página inteira só com um parágrafo?

    Acho que o autor tentou fazer uma espécie de flashback, alternando entre as histórias em Brasília e São Paulo; mas, na verdade, só findou deixando tudo mais confuso. Diante desse pandemônio literário (porque em determinado momento, achei que o livro era de poesia, e não ficção), a tentativa de quebrar a quarta parede no final se tornou risível.

    Em resumo, o livro é péssimo. Sigam o conselho de Stephen King e pelo amor de Deus não percam o tempo de vocês lendo essa porcaria. Aliás, se alguém quiser ler é só me falar. Estou doando o meu exemplar.

    segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

    Resenha - As crônicas de Nárnia (parte III)

    LEWIS, C. S. The Silver Chair. The Chronicles of Narnia. New York: Harper Collins, 2002.
    __________. The Last Battle. The Chronicles of Narnia. New York: Harper Collins, 2002.


    Eis que chegamos ao final das Crônicas de Nárnia. Segue então a resenha dos pontos principais destes últimos dois livros da série. Olha, só vou adiantar uma coisa: a leitura da "cadeira de prata" foi tensão. Não por causa do conteúdo, mas porque o livro está com a brochura solta! Ai, foi uma agonia só. E pensar que comprei toda a coleção nos EUA.

    Ah! Isso talvez valha a pena registrar. Li as Crônicas todas em inglês, em edição fiel ao original, com as maravilhosas ilustrações de Pauline Bayes. Mas demorou 10 anos para completar essa coleção. Quando morei nos EUA, sempre que ia a sebos eu catava alguns destes livros. Voltei para o Brasil faltando dois da coleção. Pois agora em 2019, tendo ido novamente aos EUA, completei-a.

    Chega de anedotas históricas, vamos à resenha mesmo.

    A cadeira de prata


    Olha, esse eu já vou começar falando que é sem sombra de dúvidas o livro mais fraco de toda a série. Veja bem, a gente só vai descobrir o que é a tal Cadeira de Prata lá no último 1/4 do livro (o que até me fez questionar se este título seria o mais adequado). Diante disso, a primeira parte soa quase como um desperdício. Além disso, os personagens não são tão envolventes. Enredo totalmente previsível. Sem plot twist. 

    Claro que isso não significa que o livro não tenha momentos bons. No primeiro encontro com Aslan, por exemplo, vemos incríveis alegorias para verdades teológicas maravilhosas, por exemplo: "You would not have called to me unless I had been calling to you", said the Lion. (p. 23). Isso sem contar a tônica no livro de seguir a Palavra dele, não importa as circunstâncias.

    Apenas uma nota sobre a própria escrita em si e não o conteúdo. Vi algo que já tinha percebido em outro livro (que nem era de Lewis) me pergunto se estilístico: vários parágrafos de descrições longas e uma única fala de personagem no meio, geralmente algo bem simples "você ainda não viu nada" ou "quer leite para seu chá?". 

    Talvez seja algo que eu ainda precise aprender a dominar, tipo uma quebra em descrições, pra não ficar tão cansativo. Mas eu particularmente não sei se isso colabora tanto, fica muito solto e parece mais encher espaço do que levar a história pra frente. Não sei, coisas a se considerar para o futuro.

    E, claro, apesar de totalmente previsível, o final é lindo. Lindo de fazer chorar, porque nos lembra que nossa pátria não está nessa Terra e que podemos ter uma esperança que vai além dela. Ah, aliás, enfim um Narniano pode ter um vislumbre da Terra! Que coisa, não?


    A última batalha


    Primeira coisa que quero destacar é que personagens são bem escritos não apenas quando nos identificamos com eles, mas quando os odiamos com profundo ódio. Odeio aquele maldito Macaco e o próprio Gato. A capacidade do autor em transmitir isso ao leitor foi deveras eficiente.

    Este livro é cheio de reviravoltas e aventuras. Aliás, deve ser o mais recheado de ação. Nossa, e é cada plot twist que te deixa de olhos arregalados. Muitas surpresas acontecendo em poucas linhas. Aliás, percebi que Lewis não tem pena de escrever ações de grande importância com poucas palavras de maneira muito, muito direta.

    Agora, passando para o conteúdo em si, quem não sente um arrepio quando lê a parte em que o Rei Tirian é jogado no estábulo? Quem de nós não esperou todos os sete livros por este momento? Aliás... quem não espera ainda por todas as coisas que estarão por vir?

    É preciso deixar claro que o teor escatológico era evidente desde o começo, mas no fim, ficou bem explícito. Estou me segurando ao máximo pra não dar spoiler. Mas confesso que é muito, muito tentador. O final é absolutamente arrebatador, tem um pouco de bittersweet mas é, não obstante, magnífico. Teria muitas frases aqui pra citar, mas, pelo bem da resenha non-spoiler, vou trazer apenas uma:
    "The term is over: the holidays have begun. The dream is ended: this is the morning." (p. 228)
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    Não acredito que terminei de ler. Estou naquele sentimento de profunda alegria misturado com a saudade de ter deixado pra trás uma experiência inacreditável. Durante a leitura destes últimos dois, eu fiquei me questionando: porque Lewis acabou com uma série tão legal? Mas agora, depois de ler o último livro, meu Deus... nunca vi um final tão perfeito pra uma saga.

    Ainda estou trêmulo em pensar em tudo que li. Que sonho foi acompanhar e viver cada uma dessas aventuras; que sonho foi sentir a emoção de encontrar aqueles personagens, meus amigos, no fim; que sonho foi pensar que um ser humano tivesse tamanha criatividade e capacidade pra criar essas histórias fantásticas.  

    Mas o que eu aguardo mesmo, assim como o fim de Nárnia, é pelo dia que o sonho acaba. E eu enfim estarei acordado.