quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

2020: o resumo da ópera

Gente, daria pra escrever muito, mas muito mesmo sobre esse ano que passou, mas acho que esse não é o lugar pra isso. Aqui eu faço uma perspectiva literária do que fiz durante o ano, um padrão que iniciei em 2018 e vou tentar manter. Vai ter a mesma estrutura dos outros, vou focar nisso e vam'simbora.
  

1. Livros resenhados
    Bom, vemos aqui uma ligeira crescente (mas bem ligeira mesmo). Estamos assim:
    2018: 27 livros
    2019: 37 livros
    2020: 40 livros

    Embora eu esteja muito contente de ter alcançado a marca dos 40 livros, acho que alcancei o meu máximo possível, em comparação com o ano anterior. E, olhando para 2020 mesmo, apesar da pandemia e o isolamento, eu não vejo como eu poderia ter lido mais e ainda ter conseguido um bom aproveitamento.

    Pra ser honesto, eu sei que um bom escritor não pode ler da mesma forma que um leitor, ele precisa ter um olhar mais treinado, etc, e eu até tenho em alguns momentos. Mas, e fica aqui o registro, a leitura ainda é um dos poucos prazeres dos quais eu posso desfrutar sem me preocupar com as coisas. Por favor não tirem isso de mim.

    Jan1) A sombra do pai; 2) Classic tales of horror
    Fev3) Príncipe dos drogados; 4) O peregrino 5) Saga
    Mar6) The shining; 7) To kill a mockinbird; 8) Barrabás; 9) Guerra dos mundos
    Abr10) O fantasma da ópera; 11) Eden; 12) Viagem à aurora do mundo
    Mai13) Sarah; 14) Vivendo um chamado; 15) Antes do Éden
    Jun16) Of mice and men; 17) As aventuras de Tibicuera; 18) Os espiões
    Jul19) Gente e bichos; 20) A volta do gato preto; 21) O conto da aia; 22) A revolução dos bichos
    Ago23) Fora de horas; 24) Farehnheit 451; 25) Solo de Clarineta: memórias I; 26) Breve história da literatura brasileira; 27) Se um viajante numa noite de inverno
    Set28) Contos de amor, de loucura e de morte; 29) Good omens; 30) Pandemias; 
    Out31) Guerra fria (conto); 32) Solo de clarineta: memórias II; 32) Vinte mil léguas submarinas; 34) Além do planeta silencioso
    Nov35) Morro dos ventos uivantes; 36) Perelandra; 37) Uma criatura dócil
    Dez38) Lord of the flies; 39) Aquela fortaleza medonha 40) Os três mosqueteiros (adaptação)

    Dessa vez vou inovar e tentar criar um novo costume para essas retrospectivas: a melhor e a pior leitura do ano. Neste caso, posso começar pela última sem medo: Se um viajante numa noite de inverno, foi, tranquilo, a pior leitura que fiz em 2020 (sinto muito, Bianca rsrsrs). Por outro lado, a primeira parte das memórias de Érico Veríssimo, Solo de clarineta: memórias I, me abalou de um jeito que eu sei que não vou conseguir ler isso de novo sem chorar. Foi minha melhor leitura em 2020.

    E eis aqui um gráfico. Não sei o que me deu em Agosto que foi esse tanto, mas a média é de três livros por mês mesmo (o que já é um bocado até).


    Destes 40 livros, 11 foram de autores nacionais. Eu diria que foi uma média muito boa, considerando que nos anos passados foram 9 e 7. Mas este ano teve um diferencial: Érico Veríssimo e sua obra completa na minha estante. Não posso dizer ainda que sou super fã da literatura brasileira.

    Quanto aos gêneros, aí tem de tudo um pouco. Novamente ficaram de fora os livros românticos (que realmente não são a minha praia), mas ainda estão fantasia, ficção científica, drama e terror. Estes gêneros aí com certeza são aqueles dos quais não abro mão.


    2. Concursos literários e produções

    Ai, gente. E nós que com a pandemia achávamos que, estando em casa, íamos render horrores? Quem não se enganou dizendo: "Vou fazer um curso", "Vou aproveitar pra ler mais" ou "Vou escrever mais"? Como somos iludidos. 

    SimConcurso de relato breve (CEBUSAL, Espanha); Revista Lira (1ª e 2ª edições); Antologia “Relatório de Criaturas Extraordinárias” (Mafagafo); Antologia Acid+Neon 2.0 (Coverge)
    NãoPrêmio Castro Alves de Literatura; III Concurso Literário Foed Castro Chamma; Revista Subtextos; 32ª Semana de Letras da UNESP; 32º Concurso Nacional de Contos Cidade de Araçatuba 2019; Jornal Relevo (2x); Revista Tricerata; 
    TalvezRevista "A Taverna"; Prêmio Jorge de Andrade 2020; Outros Brasis da Ficção Científica (Ed. Caligo); Revista Literomancia; Contos Sombrios (Ed. Duende Amarelo)

    Devo confessar a minha surpresa em perceber que neste ano consegui produzir na mesma média dos anos passados. Considerando tudo que aconteceu, não sei de onde tirei cabeça pra escrever. Por outro lado, eu não estou contando aqui nenhum conto do Instagram, onde devo ter mais de 400 textos publicados (entre microcontos, poesias e crônicas). 

    Foram ao todo enviados 18 contos para diferentes concursos. Se vocês olharem a tabela, verão que tem 19, mas estou contando que um já estavam na categoria "talvez" do ano passado. Por outro lado, este ano foi uma surpresa. Pela primeira vez superei a marca de 4 aceites num ano! Sim, neste ano tive um aumento de 25% e fui para 5! Gente, eu estou realmente surpreso.

    Isso só mostra o que eu sempre falo: a gente tem que tentar, tem que enviar os textos. Ah! Neste ano eu ainda tive mais uma honra. Gerei um "filho literário", neto do Aldenor Pimentel. Desculpa, Lucas, sei que o mérito é seu, mas vou citar você nas minhas realizações de 2020, rsrsrs. Lucas S. S. do Nascimento, um roraimense de 18 anos que mal começou e já publicou dois contos nesse ano! Olha lá o blog dele: Contos do Tio Corino


    Gente, é impressionante como esses momentos de retrospectiva fazem a gente reconsiderar as coisas. Eu comecei a escrever isso aqui achando que o ano teria sido um fiasco. Mas não só eu publiquei mais do que nos outros, como também escrevi OUTRO LIVRO. Pois é, ele não foi publicado ainda, mas vem aí Outros personagens não bíblicos e suas histórias!!

    Poxa, esse ano tinha tudo para o primeiro livro, "Personagens não bíblicos e suas histórias", ter bombado. Certeza que eu tinha alcançado, fácil, a marca de 1000 livros vendidos. Ah, mas é a vida. Deus está no comando da situação e os Seus planos são os melhores.

    Sei que 2020 não foi um ano fácil para muitas pessoas, talvez eu só não tenha sido muito atingido. Mas a verdade é que, mesmo nas tragédias, nosso Deus está no comando. Não há plano que você possa fazer, não há ideia que você possa ter na sua cabeça que seja melhor do que o que Ele já planejou. É por isso, meus caros, que eu vivo sem medo. Se Deus é por mim, o que eu tenho a temer?

    #O resumo da ópera
    • Livros lidos: 40
    • Textos escritos: quem sabe algum ano eu mantenha esse controle; mas escrevi outro livro!
    • Textos enviados pra concursos literários: 18
    • Textos aprovados: 6
    Eita, que ano. Mas eu tenho certeza que 2021 será bom, pelo menos no começo. Sabe por quê? Eu vou lançar um terceiro livro! Ele já está prontinho, deve sair em Fevereiro ou Março!! Por essa nem o futuro esperava. E vamo que vamo, meu povo!



    segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

    Resenha – Os três mosqueteiros

    DUMAS, Alexandre. Os três mosqueteiros (adaptação). Cotia: Pé da Letra, 2020.


    Ai, gente. Eu sou muito burro. Estou com um ódio ferrenho de mim mesmo agora. Porque eu tive que mudar completamente tudo que escrevi. O que vocês lerão aqui é o que sobrou da rapa. Eu não li "Os três mosqueteiros"! Eu li uma adaptação da obra! Afff. Nossa que ódio. Culpa minha na hora de comprar. 

    O grande problema de ler uma adaptação é que todos os meus comentários aqui têm que terminar com um: "mas será que no original é assim?". Existem algumas questões de estilo que acho que dá pra falar com firmeza, mas o resto... putz... vão desculpando aí, mas é o que temos. Vamos ver o que sai.

    Já que estou de mau humor, vamos começar dizendo que a revisão foi mal feita, tem vários lugares com erros de digitação e ausência de sinais. A tradução tem uns momentos de gafe, do meu ponto de vista. Mantém um contínuo no trejeito de falar dos personagens mas de vez em quando solta umas expressões que parecem não fazer parte daquele mundo (que nem quando a gente assiste um filme e ouve alguém falar, do nada, "macacos me mordam!").

    Esta adaptação é uma mistureba de aventuras. Sinceramente, essa abordagem episódica até não seria tão ruim se houvesse pelo menos uma trama mínima que ligasse todas elas. Não há um ticking clock ou um objetivo claro desde o começo que impulsione a história para frente.  

    As aventuras até funcionam de forma isolada; mas quando elas terminam, a gente fica com a sensação de que o livro deveria ter acabado também. Mas não. Ele se prolonga, se prolonga, e perto do fim a gente só quer que acabe logo. Há um encadeamento quase frio de fatos que desenvolvem os personagens muito devagar.

    Aliás, que personagens? Somos apresentados às figuras de modo bem descritivo logo no começo e eles ficam nessa superficialidade. Por exemplo, os arroubos românticos de D'Artagnan não contribuem, apenas o tornam mais simplório em vez de desenvolvê-lo. Mas... será que o original é assim?

    Bom, pelo menos do estilo eu acho que dá pra falar com alguma segurança, uma vez que tenho algum conhecimento sobre o Romantismo. E ficam claras na obra as questões de honra muito pungentes, de tal forma que sentimos no coração. Tá loco é bonito demais. Coisa que impressiona mesmo. Tem uma tendência ao exagero, mas é bonito.

    Agora é interessante notar que ao falar desse Romantismo e das novelas quixotescas que tanto repercutiram na época, falamos também da honra. Mas, enquanto a honra é muito bem trabalhada e (por falta de palavra melhor) honrada, o mesmo já não se pode dizer da moral. Eita, que aí vira o samba do crioulo doido. É a rainha que tem um caso com um duque, é um mosqueteiro que se apaixona pela esposa do cara, é a mulher casada que dá mole pro outro. Vish. Um balaio de gato só.

    Por outro lado, não dá pra negar que a narrativa tem seus momentos eletrizantes, dignos das aventuras dos mosqueteiros. É ação e intrigas que vocês querem? Pois tome. Com direito a fuga, lutas, donzelas em perigo e tudo que reza a cartilha romântica. Isso sem falar do gosto pela guerra e a batalha honrada. É bem interessante de se ver. No trecho abaixo, imagine os personagens sorrindo jovialmente enquanto falam:
    – Agora está em suas mãos, jovem; talvez nos encontremos no campo de batalha; mas, enquanto isso, seremos bons amigos, assim espero.
    – Sim, milorde, mas com a esperança de nos convertemos em inimigos.
    – Fique tranquilo, eu prometo. (p. 159)
    Olhando com olhos de hoje, porém, me surgem algumas questões pessoais. Vejo, por exemplo, que são histórias onde se mata e morre por muito pouco. Além disso, os cavalheiros tratam como iguais apenas outros cavalheiros, os servos são tratados como pessoas de segunda mão, apesar de todo o esforço que fazem. Se fossem apenas desvalorizados, até dava pra entender (não aceitar, entender). O problema é que eles são até usados e descartados como meras ferramentas para concluir aventuras específicas.

    E aqui eu fico com uma dupla questão: 1) será que no original é assim (tudo me leva a crer que sim, porque é coisa da época); 2) será que eu posso olhar com olhos de hoje sem cometer um anacronismo? Eu acho que não dá. Por isso, por mais que essas questões me incomodem, estamos falando de uma Europa ainda na transição para o Iluminismo, então é evidente que muitas estruturas sociais levariam anos para serem modificadas.

    No fim da história, apesar das minhas frustrações, eu consigo reconhecer que a obra é boa. Eu não sei, como tenho me desculpado até então, se o original é bom ou não. Posso dizer que a adaptação é mais ou menos. Mas, vejam bem, se eu aqui recomendo a leitura até mesmo dessa adaptação como forma de passar o tempo, avalie o original. Vamos correr atrás... e ler!

    segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

    Resenha – Aquela fortaleza medonha

    LEWIS, C. S. Aquela fortaleza medonha: um conto de fadas moderno para adultos. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2019.


    É, meu povo. Eis aí o último livro da Trilogia Cósmica, obra de ficção científica cristã (você leu certo), escrita pelo grande C. S. Lewis. Esse é um dos casos de trilogias que eu só li porque vi um monte de gente comentando e resolvi arriscar. Poxa, ainda bem que arrisquei. Aliás, os dois primeiros livros da série são Além do planeta silencioso (resenha aqui) e Perelandra (resenha aqui).

    Falando da estrutura de Aquela fortaleza medonha, pra começar, algumas pessoas comentaram que o começo do livro era chato e cansativo, até o próprio autor pediu desculpas por isso no prólogo, mas eu não achei nadinha chato. Pelo contrário, o desenrolar tranquilo de tramas paralelas cheias de dramas internos e pessoais é o tipo de coisa que eu gosto de ler.

    Por outro lado, embora não tenha achado o começo lento, o último 1/4 do livro se provou ser um pouco arrastado. O autor trouxe algumas questões que não foram bem desenvolvidas durante a trama e de repente aparecem já amadurecidas no final. 

    Além disso, há uma série de acontecimentos muito eletrizantes seguidas por capítulos morosos. Não é que não pudesse ter algo assim, mas a coisa tinha que ser construída com um pouco mais de suavidade, porque o leitor sente o baque.

    E já que mencionamos a trama, essa história – ao contrário dos outros dois livros da série – não se passa em outro planeta, mas na nossa Terra velha de guerra mesmo. E, também diferente dos outros dois, não tem Ransom como protagonista a princípio, mas o casal Mark e Jane. 

    O primeiro, professor universitário que se muda com a esposa para Bracton, onde ganhou uma bolsa de pesquisa. Lá ele se envolve com um grupo intelectual com tendências distópicas de limpeza da humanidade e se envereda por um caminho que (como vemos no final) não dá muito certo. 

    Do outro lado, Jane fica muito tempo sozinha enquanto Mark viaja nas muitas tentativas de se tornar parte do círculo maior do grupo de pesquisa. Nestes tempos sozinha, descobre que ela tem uma função muito maior do que imaginava para os acontecimentos que viriam a acontecer. E, num paralelo, acaba aderindo a uma organização cujo objetivo é exatamente oposto à organização de Mark. É isso.

    Em todos os outros livros eu reclamei da descrição prolixa do autor. Mas esse aqui, de longe, é onde ele mais usa a descrição com potencialidade. Excelentes imersões, transmissão perfeita de estado de espírito, além das escapadas para o lirismo em prosa que funcionam muito bem. 

    Eu achei que ao falar de uma distopia não caberia esse tipo de abordagem, uma vez que eu estava acostumado com a frieza distópica de Orwell, por exemplo. Mas Lewis tem uma sacada genial ao inserir na distopia não apenas o caráter objetivo da humanidade, mas também o subjetivo (ou, pra ser mais exato, o espiritual).

    E, neste tópico, mais uma vez a intersecção entre fantasia e ficção científica é bri-lhante. A explicação dos "macróbios" foi uma sacada de gênio, que serviu com perfeição não só pra estabelecer verossimilhança, como até para a densidade da trama.

    Nas outras resenhas eu sempre tive algo a comentar sobre a tradução e nem sempre era algo bom. Mas, este livro aqui deu um show. Não sei se o tradutor estava mais inspirado ou se o texto era mais tranquilo que os outros. Mas o que eu tiro o chapéu foi a capacidade de adaptar significados e o uso de expressões como "pra boi dormir" e "churumela". Além disso, achei sensacional a redação de diálogos verossímeis com uso de "tá", por exemplo.

    Agora, meus amigos, nem tudo na vida são flores. Sim, eis a terrível verdade da vida. Este livro não está livre dos seus problemas e, infelizmente, o fato de eles terem se concentrado no final do livro abalou um bocado a experiência pra mim. Veja bem o parágrafo abaixo, que eu redigi logo após ler um trecho no último 1/4 do livro:
    Como assim manoooooo??? Justamente numa das partes mais esperadas do livro, o autor resume a ação toda em uma linha??? Naaaaoo! Ele descreve a chegada de Vitrilbia, Perelandra, Lurga, Malancandra e Glund-Oyarsa, mas não descreve a ação deles??? Ah manoooo! (vejam que eu já estava desvairado)
    No final vários personagens sofrem uns surtos de mudança de personalidade que deixam claro que o autor estava com pressa de terminar a história. Um Mark que foi a vida inteira medroso, do nada se torna firme e decidido; um Ambrosius que era quase prepotente e incapaz de se relacionar com os da era atual, de repente consegue se disfarçar e ir pro olho do furacão! Ah, cara...

    Além disso, as últimas páginas forçam uma temática que não foi bem trabalhada no decorrer do livro – embora tenha sido citada. Sinceramente, por mais que Jane e Mark fossem os protagonistas desde o começo, já nos últimos 2/3 do livro, ouso dizer, ficaram bem esquecidos e apagados. Por isso, no final nós queríamos ter ouvido falar de outro personagem, um que, pelo menos pra mim, era bem mais significante.

    O que eu imaginei que seria o confronto final, a grande batalha aguardada desde que ficou claro o conflito, provou, na verdade, ser uma vitória sem luta, bem anticlimático. Ah, e foi impressão minha ou houve algo de patriótico? Ele tenta se desvencilhar disso, mas a história é muito vinculada ao folclore histórico britânico.

    Tá certo que talvez isso tenha sido uma questão de expectativa. Mas expectativa que o próprio autor criou! Eu não conhecia aspectos da obra fora dela, então todas as minhas experiências foram pautadas pelas propostas que o autor inseriu no texto. A culpa no final, não é só minha.

    Apesar de tudo isso, e voltando àquelas últimas páginas do livro, eu sei que há certa sabedoria do autor neste sentido. As escolhas dele dão ar de completude à saga sem dizer tudo certinho. Ou seja, aumenta o que Stephen King chama de "reverberação" do texto. O que aconteceu com o diretor? Como foi a experiência? Admito que isso é salutar na literatura – embora no momento esteja com ódio de Lewis por ter silenciado isso (risos).

    Preciso admitir, à guisa de conclusão, que o livro me emocionou no final. O que acontece é que depois de acompanhar toda essa saga, ninguém quer se despedir. A gente não só se acostuma com a presença dos personagens como até quer desenvolver essa relação. Mas como podemos nos relacionar se nos afastamos deles? Ah, aí a tristeza invade o coração. 

    Sinceramente não fossem esses defeitos no final (são defeitos sim, vai), este teria sido fácil fácil o meu livro favorito da trilogia. Ainda não estou bem certo que não é. Perelandra também teve seus deslizes e não consigo avaliar com clareza qual dos dois é melhor (embora penda bastante para o segundo).

    A simples verdade é que Lewis foi um grande mestre da literatura. Não creio que já tenha lido algo que se compare. É um nível de ficção cristã que – tenho certeza – todo escritor cristão desejaria alcançar na sua geração. Sim, eu incluso. Alguns autores nos marcam. Ah, como eu gostaria de ter a habilidade que Lewis tem com as palavras. 

    Senhor, me capacita, para que eu possa te servir com a plenitude das minhas forças. Para que como teu servo Lewis, as palavras deste escritor ao acaso possam ser úteis. Não preciso de amplitude, preciso da graça que o Senhor derramou, na certeza de que o caminho que o Senhor escolher será o melhor. Só não permita, meu Deus, que isto seja para mim; mas para Ti somente. A Ti toda a glória para sempre e sempre. 

    Urendi Maleldil!

    quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

    Resenha - Lord of the Flies

    GOLDING, William. Lord of the Flies. New York: Penguin Books, 1988.


    Comprado por humildes três dólares, eu me vi novamente diante desse livro. Li-o a primeira vez lá pelos idos de 2008-2009 e, por algum motivo, minha mente havia apagado uma boa dose da história. Eita, que, conform eu reli o livro, descobri o motivo. Arre de livro doloroso.
    "They were black and iridescente green and without number; and in front of Simon, the Lord of the Flies hung on his stick and grinned." (p. 128)
    Lembrando que essa é a história de um grupo de garotos britânicos (tendo por destaque Ralph, Jack, Piggy e Simon) que, após um acidente de avião, no período da II Guerra Mundial, cai numa ilha deserta. Lá eles precisam achar um jeito de se organizarem para sobreviver à ilha. O que eles descobrem, porém, é que o pior não são as intempéries ou quaisquer perigos que a ilha possa oferecer. O maior problema é quem chegou na ilha: eles mesmos.

    Essa não vai ser uma resenha longa, até porque já tem muita coisa escrita sobre esse livro (e muito melhor do que eu tenha a dizer, com certeza). Então vou me limitar a uns dois ou três comentários, mergulhar no que considero ser o âmago do livro, e concluir. 

    Pra começar, às vezes eu acho que é melhor o silêncio do que falar besteira. Sei que é muita audácia falar isso de um Nobel de literatura. Mas essa descrição aqui poderia ter sido omitida sem prejuízo nenhum do texto: "Somehow, they moved up." (p. 23). Ah, mano. Assim até eu.

    O autor tem a capacidade incrível de nos fazer mergulhar na história. A gente sente a tensão no ar, cada pequeno acontecimento ou fala contribuir pra construção do clima e as reviravoltas (que pareceriam bestas se vistas isoladamente) são o cimento que une tudo de maneira fantástica. 
    "In his other life Maurice had received chastisement for filling a younger eye with sand. Now, though there was no parent to let fall a baby hand, Maurice still felt the unease of wrongdoing." (p. 55)
    Sobre tantos assuntos que podem ser discutidos, a essência do livro está aqui. E a essência do livro se chama pecado. Aliás, o próprio autor chamou esse livro de um "estudo sobre o pecado". Há uma forte carga de conteúdo teológico aqui e isso é inegável (a começar pelo título).

    Longe da autoridade, os meninos podiam dar vazão à maldade dentro deles, vivendo num estado de natureza anárquico que logo se degenerou para a lei do mais forte (nosso velho e conhecido estado de natureza hobbesiano – e já que estamos nesse tópico, o autor ataca sem medo o estado de natureza rousseauniano)

    Neste trecho específico, vemos os últimos momentos antes do começo da queda. Os meninos, deixados à sua própria natureza, mergulham cada vez mais no que há de mais inerente ao ser humano: o mal. E quando vemos isso, há um paralelo magnífico para fazer com a própria Escritura Sagrada:
    "Quando, pois, os gentios, que não têm a lei, fazem, por natureza, o que a lei ordena, eles se tornam lei para si mesmos, embora não tenham a lei. Estes mostram a obra da lei gravada no seu coração, o que é confirmado pela consciência deles e pelos seus pensamentos conflitantes, que às vezes os acusam e às vezes os defendem," (Rm. 2:14-15)
    A verdade, meu povo, é que há leis gravadas na própria essência do ser humano. Em qual sociedade é preciso ensinar a criança a fazer o que é errado? E quando ela erra, é preciso ensinar-lhe a mentir para encobrir o erro? Se não há verdades e leis que são naturais a todas as sociedades, em qual delas o ato de matar por matar é visto como aceitável? Qual delas subsiste na sua essência sem noções de justiça, família, direito, e tantas outras coisas que a mente limitada do homem ocidental insiste etnocentricamente em defender como criações suas?

    É por isso, minha gente, que o texto bíblico é tão enfático em dizer que as pessoas são indesculpáveis . Conquanto a consciência humana e a natureza não revelem as verdades específicas sobre Deus, elas inequivocamente apontam para Ele. A partir daí, basta a pessoa buscar alguém que possa explicar ou falar das verdades especificas. E uma coisa digo ainda: quem quer que esteja lendo este texto não poderá dizer que faltou oportunidade.
    "Porque os atributos invisíveis de Deus, isto é, o seu eterno poder e a sua divindade, claramente se reconhecem, desde a criação do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que Deus fez. Por isso, os seres humanos são indesculpáveis." (Rm. 1:20)
    O livro é muito intenso. Não foi à toa que minha memória bloqueou boa parte das sensações que o livro evoca. A constante e crescente decaída rumo à selvageria é assustadora... porque ela é verossímil. Mesmo agora eu percebo que minha mente se nega a lembrar de muitos detalhes. E isso porque eu acabei de terminar. 

    Gente, não é à toa que um livro ganha Nobel de Literatura. Essa obra é incrível do começo ao fim. Veja quanta coisa tem pra dizer – e isso porque eu abordei só um detalhe. Essa é uma leitura que todo mundo deveria fazer em algum momento da vida. Por minha conta, pode ler o Senhor das moscas.