quinta-feira, 12 de maio de 2022

Resenha – Eldorado de Brisa

PIMENTEL, Aldenor. Eldorado de Brisa. Barueri: Novo Século, 2021.


Resenhar quem a gente conhece é uma bosta. A gente nunca fica confortável o suficiente, com medo de criar um climão. Por isso estou aproveitando este surto de coragem pra falar sobre esta obra. E digo logo que este livro é um reflexo de si: começa nos enchendo os olhos, dando gosto pelo que vem pela frente; mas vai perdendo seu brilho devagar, até que no final nos contentamos com o que temos.

Devo começar dizendo que este livro me apaixonou no começo. E não sem motivo, porque, do meu ponto de vista, é a primeira ficção regionalista de verdade que vejo. Uma ficção que retrata de verdade Roraima, que usa o que é próprio daqui pra contar histórias de gente como a gente daqui: gente simples, num estado em que as perspectivas são poucas. 

A história é sobre uma moça que mora na periferia de Boa Vista, é uma quenga e coloca o dinheiro acima de todas as coisas, até o dia em que parte pra uma jornada pra tentar encontrar seu "Eldorado". Seguindo a clássica jornada do herói: ela se arrebenta, volta, e descobre que podia ser feliz com o que já tinha. 

Quando li a sinopse do livro me deu pena porque me pareceu que os fatos não aconteceriam em Roraima ou se aconteceriam seriam por um breve tempo, antes dela partir na sua viagem para o Eldorado. Mas, para a minha alegria, acho que metade do livro se desenvolve numa Boa Vista dos anos 1980 (?), explorando bem a cidade e suas contradições.

Infelizmente, porém, esse fascínio foi diminuindo à medida em que a história saía de Roraima e perdia suas nuances mais bem trabalhadas, dando lugar a um simplismo que me deu pena, porque claramente o autor sabe o que está fazendo. A impressão é que, conforme foi se aproximando do fim, foi cansando. Ou ainda, que escreveu muita coisa, mandaram cortar, e o que sobrou ficou picotado demais. Vou explicar.
Saciada a fome, a jovem caminhou até o ônibus que a levaria à jornada para lhe saciar os bolsos. (p. 56)
Enquanto no capítulo dois o autor dá um show em apresentar a personagem, nos fazendo entendê-la, nos relacionar com ela e, por que não, torcer a favor dela, no capítulo quatro já encontro indícios do algo que seria ainda mais pungente no decorrer do livro: acontecem fatos muito marcantes e me dá pena que o autor tenha sido tão breve em passar por eles, como se fossem só notas a constar numa sequência de episódios. A narrativa ficou corrida e mal deu pra criar o clima tenso que seria já naturalmente carregado pelo desenrolar dos fatos.

Em vez de construir as cenas, pra fazer a gente sentir o medo da personagem, a dúvida, o tédio, etc., o livro acaba apenas nos informando desses estados. Em mais de um momento eu gostaria de ter conhecido a sequência de pensamentos e ações que levaram alguns personagens a agir do jeito que eles agiram, porque do jeito que foi posto, não convence.

Há uma pressa constante em informar, em garantir os beats, que não deixa a gente aproveitar direito todo o potencial que essa história tem! O encontro tão aguardado do livro, por exemplo, foi uma pressa danada, aconteceu em poucos parágrafos, sem mostrar o impacto interior que ele poderia ter sobre as personagens. Um momento que era pra ser quase o clímax do livro, mas que ficou muito corrido.

Daquele ponto em diante, na verdade, tudo ficou exageradamente corrido. Literalmente, em uma página acontece o seguinte: parágrafo 1: revelações chocantes; parágrafo 2: assalto; parágrafo 3: já acabou o assalto e já está acontecendo outra coisa. Oi?!

No começo da viagem de Brisa a gente podia ver a "ladeira abaixo" chegando. Há vários momentos em que os comportamentos dos personagens soam forçados, seja porque não condizem com o que foi posto sobre eles até então, seja porque não se construiu o caminho que levou os personagens a fazer ou agir de determinado modo. 

Por exemplo, aquele discurso ambientalista de Brisa me deu engulhos. Não pelo conteúdo, mas pela total falta de sincronia com a personagem, que em momento algum deu a entender que sequer interessava-se por qualquer assunto daquele. O discurso em nada serviu pra personagem, foi apenas uma desculpa pra inserir ali uma fala típica do imaginário popular roraimense.

Logo  no começo do livro já se percebe algumas forçadas, mas a gente deixa passar. Por exemplo, me pareceu pouco condizente uma personagem que almeja o status e dinheiro mais que tudo ganhar um salário e dar tudo pra mãe. Na verdade o comportamento egoísta dela faria o contrário.

E já que estamos falando de Brisa e seu comportamento, que pecado foi aquela mudança instantânea de personalidade!! De repente era uma egoísta que só se preocupava com si e com o dinheiro, e PAM!, agora ela amava o irmão que nunca conheceu (???). Em questão de poucos parágrafos virou uma altruísta. Gente!

Por mais que transformações aconteçam realmente de modo quase instantâneo em alguns casos... isso não vem do nada! A gente precisa entender porque e como a psique do personagem transita até chegar naquele ponto. Mas outra coisa ainda deve ser considerada: você não se livra de um traço de personalidade instantaneamente! Por mais que se faça um esforço e se reconheça aquele traço ruim, marcas ainda ficam, a transição acontece devagar.

Como falei no começo: o livro é um retrato de si, a gente vai perdendo a esperança conforma avança. Os capítulos da viagem de retorno, por exemplo, são episódicos e quase infantis. Não só pelos acontecimentos mas também pelo jeito de falar e comportamento dos personagens. 

Por fim, em mais de um momento achei as notas de rodapé desnecessárias. Érico Veríssimo também escrevia ficção regionalista, não tinha pena de usar maneirismos ou expressões regionais e não me recordo de em qualquer momento ter usado notas de rodapé pra explicar.
"O veículo passou em uma poça e espirrou lama na jovem. Em vez de esbravejar, Brisa sorriu. Sem dúvida, estava em casa." (p. 114)
Em suma, o livro não é ruim. Teve bastante coisa que me incomodou, deveras, mas ainda vale a pena ler porque, como falei, é a melhor ficção regionalista de Roraima que vi até agora! Aqueles primeiros capítulos valem a pena, dão gosto. O livro me fisgou ali. Talvez não tenha continuado como eu esperava, talvez as promessas que o autor fizera com seu estilo no começo tivessem sido apenas falsas esperanças. Talvez eu estivesse à procura do pote de ouro no fim do arco-íris. Mas só tinha Roraima.

sábado, 7 de maio de 2022

Resenha – O restaurante do fim do universo

ADAMS, Douglas. O restaurante no fim do universo. São Paulo: Arqueiro, 2010. (O mochileiro das galáxias, v.2)


Este é o segundo volume da série "O Guia do Mochileiro das Galáxias" (primeiro volume resenhado aqui). Na época que li a série inteira pela primeira vez (creio que foi na minha adolescência, anos 2000) cometi um erro que, hoje, percebo que quase cometo outra vez: ler os livros um em seguida do outro.

Não funciona assim. Cada livro é muito denso, muito cheio de acontecimentos e significados. Seguir em frente sem absorver ou pelo menos digerir um pouco o que o outro livro passou é a receita para ficar cansado e não aproveitar bem a leitura. É preciso dar tempo, descansar.
"Existe uma teoria que diz que, se um dia alguém descobrir exatamente para que serve o Universo e por que ele está aqui, ele desaparecerá instantaneamente e será substituído por algo ainda mais estranho e inexplicável.
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Existe uma segunda teoria que diz que isso já aconteceu." (p. 5)
Como dá pra ver, o livro já começa com dois pé no peito. Não vou falar muito aqui da trama, uma vez que daria muito spoiler. Basta dizer que continuamos acompanhando a turma: Arthur, Ford, Zaphod, Trillian e Marvin. Dessa vez eles vão para no Restaurante no Fim do Universo e, no meio do caminho, tentar encontrar o homem que controla todo o universo (além de se perder no caminho e no tempo-espaço).

Este livro, pra mim, sofre com o que já acontecia um pouco no final do primeiro: o excesso. Embora, pra ser honesto, isto seja muito difícil de caracterizar, uma vez que é parte da própria forma de pensar e escrever de Douglas Adams – e o que o torna tão imortal e fantástico. Mas, pra mim, esse segundo volume do Guia é um bom exemplo de como criatividade demais pode ser complicado. Cada capítulo é tão intenso e recheado que, apesar de ele ter poucas páginas, não dá pra digerir direito.

Alguns podem argumentar que, portanto, esse não seria um livro pra ler rápido, mas sim um daqueles casos em que se deve degustar devagar (Charles Dickens, lembrei de você). Esse argumento até faz sentido, mas ele perde razão se considerarmos a proposta do próprio livro: ser rápido, despojado e irônico. Não dá pra cumprir isso com o tanto de informações que recebemos de uma vez só.
"— Olha, acabei de me materializar do meio do nada em um café — disse —, como resultado de uma discussão com um espectro do meu bisavô." (p. 32)
Mas vale dizer que não é sempre assim. No meio do livro, perto do Fim do Universo, o autor parece encontrar um meio termo adequado entre as maluquices e uma boa narrativa. Pelo que pude notar, isso foi possível por meio de frases curtas e bastante diálogo, conduzindo as cenas pra frente com agilidade (o que, em boa parte, é a proposta do livro sendo bem cumprida).

Quanto à narrativa, por um bom tempo, o protagonista se torna o Zaphod Beeblebrox, o que achei bem legal. Truby, em seu livro "A anatomia da história", ensina que o protagonista não é aquele que você escolheu, mas aquele personagem que tem a história mais interessante para ser contada. Muito natural e bem trabalhada essa mudança de foco para outro personagem. Tanto que de modo bem natural, perto do final, nos vemos fixos nas aventuras de Arthur e Ford, já até esquecendo um pouco de Zaphod.

É inegável a capacidade do autor de fazer a coisa ir pra frente quando não está tão imerso no seu absurdo de criatividade e maluquices. Ora, mas é isso que faz dele quem ele é, não? Bom, só sei que, talvez, o grande segredo seja não ler todos os livros em sequência. Dê tempo para sua mente tentar (tentar!) compreender tudo que leu.

Digo isso porque, eu mesmo, tenho certeza que ainda não consegui absorver tudo. Aliás, se você leu a última resenha, sabe que fiz até uma tese de doutorado sobre isso, tendo enfiado ela goela abaixo da banca. Porém devo dizer que, infelizmente, não fui aprovado. Mesmo depois de eu ter colocado sal na tese e feito eles comerem tudo, a banca cagou um argumento melhor.

quinta-feira, 5 de maio de 2022

Bilingual poems #1

Morning walks
When I soak in
The beauty
of Creation

Morning walks
When I enjoy
the stillness of time
in the music of silence

Morning walks
When each step
takes me further
than I could have imagined

Morning walks
When the sun is waking up
A bit embarrassed
I caught him before his coffee

Morning walks
When the loom of clouds
Make me wonder
about the hope-fear of rain

Morning walks
When the birds dance
And the leaves
Cry the joy of the night

Oh, morning walks
Oxalá more people knew
The sublime simplicity
Of morning walks


Publicado no Facebook em 05/05/2022