quinta-feira, 30 de março de 2023

Resenha — Praticamente inofensiva

DOUGLAS, Adams. Praticamente inofensiva. São Paulo: Arqueiro, 2010.


Alguns livros às vezes é bom esquecer mesmo. Estou aqui abatido para escrever essa resenha. Comecei a leitura tão animado e me deparei com aquele final que... ai, gente... eu não concordo, eu não quero. Não. Não faz sentido esse final ser assim. É evidente que não vou dar spoiler, mas... poxa...
Praticamente tudo na vida era, em menor ou maior escala, estranho. O problema é que aquilo era estranho de uma maneira um pouquinho diferente daquele estava acostumado, o que era no mínimo esquisito. (p. 38)
Depois de ler e resenhar todos os outros livros da "Trilogia de Cinco", (quais sejam: O Guia do Mochileiro das GaláxiasO restaurante no fim do universo; A vida, o universo e tudo Mais; Até mais e obrigado pelos peixes!) finalmente chegamos no último da série. Nada aqui é tão distinto dos livros anteriores. Ainda é a criatividade monstra de Douglas Adams, ainda é sua sagacidade misturada com ironias, ainda é seu humor. 

Em Praticamente Inofensiva voltamos a acompanhar, pela última vez, o trio original: Arthur Dent, Ford Prefect e Tricia McMillan. Dessa vez em aventuras regadas a muita viagem no tempo-espaço e até um pouquinho de relacionamentos como temática. 

Depois de ler descobri que este livro na verdade foi escrito TREZE anos depois do quarto. Ou seja, houve um senhor hiato nesse meio tempo. O problema desses intervalos grandes é que o autor muda. Sejamos honestos, todo mundo muda. Treze anos é tempo demais pra não sermos uma metamorfose ambulante. Mesmo que queiramos, não tem como. Ninguém resiste ao tempo.

Há quem argumente que, por causa desse hiato, Praticamente Inofensiva não seria de fato parte da série do Guia, mas uma espécie de história independente, já que muitos personagens dos outros livros nem são citados aqui. Do meu ponto de vista, porém, esse argumento não se sustenta. É inegável que a história que se passa aqui é dando continuidade ao que veio antes (especialmente com a referência a "Stavromula Beta", que é um acontecimento do terceiro livro da série).

No fim das contas não tenho mais nada a acrescentar se não que fiquei bem desapontado com o fim que o autor deu pra essa série. Parece-me que há um sexto livro mas que sequer foi escrito por Douglas Adams, tendo sido comissionado depois que o autor morreu em 2001. Por isso, não vou atrás dele. Infelizmente pra mim O guia do mochileiro das galáxias acabou aqui, desse jeito triste e fatal. 

Ainda é uma série que vale a pena ser relida. Só preciso de tempo pra esquecer de novo e a tristeza passar.

terça-feira, 21 de março de 2023

Resenha — Peter Pan

BARRIE, J. M. Peter Pan. London: Penguin Popular Classics, 1995.


Novamente dos livros que li há muito tempo e resolvi pegar de novo. Dessa vez um clássico que não é clássico à toa, embora, devo confessar, acho que ele me fascinou mais na primeira leitura do que nessa. E, convenhamos o final é bem inspirador... mas eu me adianto.

Como sempre falo da edição que é um paperback clássico. Aqueles livrinhos com um peso leve que dá pra levar pra qualquer canto e ler sem se preocupar. As folhas amareladas da Penguin Classics são realmente muito boas e agradáveis aos olhos. Sem comentários sobre a tradução dessa vez porque foi em inglês mesmo — o que me surpreendeu, porque encontrei algumas palavras que achei difíceis para crianças (mas estamos falando de crianças de 1911, então vai saber né).

A história em si não tem segredo. É o Peter Pan que todo mundo conhece indo chamar a Wendy e seus irmãos para aventuras na Terra do Nunca. Lá eles têm várias aventuras e lutam contra o terrível Capitão Gancho e seu bando de piratas. 

Em mais de um momento fiquei sinceramente me perguntando se esse livro é para crianças mesmo. O começo me pareceu bem alegórico e até abstrato demais pra uma criança conseguir entender tudo. Falar da Terra do Nunca (Neverland) é falar da mente de uma criança, é uma multitude de possibilidades e ideias, é uma mistura tão bem feita de realidade e fantasia que em vários momentos é bem difícil discernir o que é o quê. E em certo momento, o autor fala diretamente conosco, adultos, ao dizer:
We too have been there; we can still hear the sound of the surf, though we shall land no more. (p. 7)
Ainda nesse tema, uma coisa que sempre me chama a atenção quando leio essa história é como a Tinker Bell é malvada. Além disso, ela nem aparece tanto na história. Ela é bem ativa no começo e depois nem se fala mais nela. Confesso que quando ela voltou perto do fim eu nem lembrava mais que ela existia direito.

Aliás, fadas de modo geral (assim como sereias) não são apresentadas no livro como seres próprios para o convívio com crianças. Em determinado momento uma sereia espera a Wendy desmaiar para então puxar ela para o fundo do lago e afogá-la. Além disso, saca só essa citação aqui sobre as atividades das fadas (escrita em um livro infantil):
After a time he fell asleep, and some unsteady fairies had to climb over him on their way home from an orgy. (p. 75)
A verdade é que o próprio Peter Pan também não é flor que se cheire nem pode servir de modelo algum, nem para adultos nem para crianças. Ele se acha bastante e, honestamente, é o tipo de criança que deve ser insurpotável ter por perto. Ele não liga pra ninguém mais além dele mesmo. Nos poucos momentos que vemos ele se importar com outros, percebe-se que estes momentos são de fato as exceções. 

Há quem argumente que ele não é mau, é que ele só não tem noção das coisas. Mas eu sinto muito, lendo o livro fica bem claro que embora seja possível se divertir com ele em vários momentos, fica evidente que há maldade nele sim.
"Pan, who and what are thou?"
"I'm youth, I'm joy [...]" (p. 158)
Sobre a narrativa em si, achei que o livro ora pendeu pra um marasmo, ora foi bem enérgico. O começo é um pouco lento e mesmo na Terra do Nunca há momentos que a leitura é meio paradona demais. 

Por outro lado, isso contrasta com aqueles momentos em que o livro não nos deixa com muito tempo pra respirar. A ação é muito bem concatenada. Entre as partes lentas, nos animamos com a visita de Peter, uma aventura no meio do livro que serve como um bom filler, e um fim é vertiginoso. No fim das contas uma leitura bem divertida deveras.

E, claro, é inegável que o livro termina com uma nostalgia super envolvente, que faz a gente ter saudade de algo que nunca experimentou — ou, quem sabe, já experimentou sim: a magia infinita de ser criança.

Por fim, é certo que este livro não vai sair da minha estante. Talvez daqui há uns anos eu faça que nem o Peter fez e visite a Wendy de novo. Embora, é claro, ele nem vá se lembrar que eu existo mais. 

sexta-feira, 10 de março de 2023

Resenha — A máquina de xadrez

LÖHR, Robert. A máquina de xadrez. Rio de Janeiro: BestBolso, 2012


Estamos de volta com livros da categoria "li-há-muito-tempo-e-embora-eu-lembre-um-pouco-da-história-não-lembro-o-suficiente-pra-me-fazer-querer-ler-de-novo" (nome da categoria ainda pode mudar). A máquina de xadrez conta uma versão ficcionada de uma história real: no século XVIII um cidadão chamado Wolgang Von Kempelen construiu um autômato que, segundo ele, podia fazer o que nenhum outro autômato da sua época era capaz: ele podia pensar. 

O livro é realmente fascinante. Como sempre, cito a edição muito bem trabalhada da BestBolso, que embora não seja pocket book (10x15) traz a agradável sensação de um livro compacto e bem recheado com seus 12x18cm. Confesso que fiquei até com vontade de, quem sabe, talvez, publicar meu primeiro romance neste formato. Parece interessante.

Do meu ponto de vista os tradutores fizeram um excelente trabalho. Honestamente eu nem percebi que era uma tradução, de tão bem feito que ficou — por outro lado, o livro original é em alemão e eu não entendo nadinha da estrutura deste idioma. Por isso, minha opinião aqui não é lá muito bem fundamentada.

A história em si é um blockbuster clássico. O autor fez o dever de casa e produziu uma história bem trabalhada, sem muitas arestas e só umas poucas forçadas de roteiro pra coisa dar certo. O começo, por exemplo, é fascinante. O autor vai direto ao ponto, sem muitas cenas ou diálogos, se vale da narração pra rapidamente situar o leitor e fisgar sua atenção. As cenas são bem redondas, trabalhadas. É fácil notar quando a cena realmente tem um fim natural.

O livro é bem leso em alguns momentos e de repente fica super eletrizante. Toda a construção e encadeamento dos capítulos fazem valer a pena chegar até o final e desfrutar da história. Aliás, depois que termina dá até um pouco de pena, porque deixa o gosto de "quero mais".

Penso que o livro erra em poucos pontos: 1) a história tem uns lampejos de flashback que às vezes me confudem; 2) a leitura não é necessariamente leve, por causa do excesso de descrições às vezes o ritmo é cansativo, muitas vezes precisei parar no meio do capítulo pra continuar depois.

Mas até isso é relativo, sabe? Porque até mesmo os flashbacks que o autor usa, ele o faz de modo a dar pequenos spoilers pro leitor e fazer a gente ficar com a pulga atrás da orelha e se perguntando: "Como diabos a história vai chegar nesse ponto?"

O livro não é cheio de grandes citações, tampouco a história tem grandes significados. Enquanto não chega a ser uma leiturinha barata feito A garota do lago também não é nenhum Dostoiévski. Mas isso não significa que não tenha umas tiradas legais, como essa:
As pessoas deste mundo já falam mais do que necessário, por que deveriam as máquinas aprender a falar também? Máquinas de calar, isto é o que eu desejo às vezes. (p. 77)
Por fim, confesso que logo que comecei a ler o livro bateu um desânimo, porque eu lembrava de boa parte da história. Mas agora, depois de terminada a leitura, tenho certeza de que este é um livro que vai ficar na minha estante, porque certamente ele vale a pena ser lido no futuro. Fica a recomendação.