terça-feira, 24 de setembro de 2019

Resenha - Ben-Hur

WALLACE, Carol. Ben-Hur: a tale of Christ. Carol Stream: Tyndale House Publishers, 2016.


Gente, não tenho ideia de como começar essa resenha. Como falar desta obra-prima? Sério? O que eu tenho pra falar sobre um livro que me fez soluçar aos prantos? Ah, quem dera eu estivesse exagerando. Quem dera eu fosse dado a sentimentalismos baratos. Não é nada disso. O livro é muito, muito bom. Não é à toa que ele é um clássico desde 1880, né?

Este talvez seja um bom gancho para começar. Muitos talvez tenham visto o filme Ben-Hur e outros já tenham ouvido falar (eu, admito, nem sabia do que se tratava antes de ler o livro), mas talvez poucos saibam que este livro foi escrito, na verdade, por Lew Wallace (o tataravô de Carol Wallace) nos anos 1880! E, desde então, não saiu da boca do povo, tendo sido adaptado primeiro para o teatro e depois para as telonas do cinema.

Wallace, um herói da Guerra da Secessão nos EUA, certa vez viajava de trem quando um agnóstico famoso o abordou e questionou: você acredita mesmo em Deus? Você realmente acha que Jesus era um ser divino? Como pode um homem estudado achar que ele ressuscitou dos mortos? E todas estas perguntas derrubaram Wallace. Porque ele acreditava: mas não sabia o porquê.

Depois disto, Wallace resolveu estudar mais sobre a divindade de Cristo e, neste estudo, surgiu a ideia de fazer um livro sobre um personagem NÃO-BÍBLICO (sim, senhoras e senhores! Eu jamais reivindiquei pioneirismo neste tema), cujas aventuras estão de certa forma ligadas ao ministério de Jesus. A princípio o livro não fez tanto sucesso, mas bastou pouco tempo e já era recomendado por pastores e lido por congregações inteiras.

Lew Wallace escreveu este livro em outra época. Por isso Carol Wallace precisou reescrevê-lo e adaptar para nossa leitura contemporânea, de modo a traduzir ao leitor atual a mesma essência que tornou a história de Judah Ben-Hur tão popular há mais de 125 anos! O livro ainda tem um pouco do infodumping que era comum na época, mas isto é facilmente eclipsado pelo enredo em si, que é muito, mas muito eletrizante!

A história de Ben-Hur, portanto, começa com uma injustiça. Este é o grande motor da história. Ninguém gosta de injustiça e o leitor anseia pelo momento que isto será corrigido. Os ocasos fantásticos pelos quais o herói passa em momento nenhum parecem forçados ou inverossímeis. Há uma ou outra passagem de tempo que eu achei abrupta demais, porém se encaixa perfeitamente com a história. O encadeamento dos fatos e cenas é fantástico. Não tem um momento que você não queira saber o que virá a seguir.

Eu achei muito legal que o par romântico pelo qual eu torcia deu certo (sim, cheguei nesse nível!), achei muito interessante como Wallace também buscou preservar Jesus como personagem, não dando-lhe falas e tratando com muita sabedoria atitudes do Mestre. Todas as falas dos próprios discípulos também são tiradas diretamente do texto bíblico. Esta foi uma sacada muito importante para a aceitação da história por tanto tempo.

O lance é: não tem como não se emocionar. Ah... lembrar das cenas do jovem carpinteiro em Nazaré... do velho sonhador Baltazar, guiado por uma estrela... do Rei que viria e a ideia louca do xeique e Simonides de dar-lhe um exército... das artimanhas de Messala e sua comparsa (coisa que a gente só descobre perto do fim do livro!)... o contexto muito bem escrito da dominação romana sobre a Judeia... mas não tem nenhuma, nenhuma destas tramas que se compare à da irmã e da mãe de Ben Hur.

[Neste ponto, estive quase a ponto de revelar o que acontece com elas, mas decidi por não fazer. Entendam isso como um encorajamento para ler o livro. Se vocês soubessem como eu estou com lágrimas nos olhos neste exato momento só de lembrar, vocês entenderiam. Só dou um pequeno spoiler: tem um final feliz].

Cada parte do livro é emocionante. Desde o começo ao fim, o ritmo do livro é muito bem trabalhado e a jornada do herói usada de modo impecável. Este é um livro que mostra que às vezes não precisa reinventar a roda, basta usar as ferramentas que já temos para criar algo com profundidade, riqueza e densidade. Que livro fantástico.

Mais do que recomendo. Leiam Ben-Hur!

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Resenha - Prêmio SESC/RR de Literatura (2010)

SESC/RR. Prêmio SESC/RR de literatura 2010: poesia e conto. Boa Vista: Forbrás, 2010.


Gostaria de iniciar reivindicando para mim o pioneirismo na resenha deste livro. Até onde tenho notícia (e pela googlada que dei), fui o único a comentar este livro na forma que proponho. Resenha inédita, portanto. Não obstante, tenho algumas coisas a comentar sobre a edição antes de passar para os textos que compõem o livro.

Este livro foi um presente dado pelo escritor roraimense Edgar Borges (autor do Crônicas da Fronteira, Coletivo Caimbé, e o Cultura de Roraima & afins), que, não por acaso, foi um dos premiados nesta edição do concurso literário do SESC/RR. O livro é subdivido de acordo com as categorias dos premiados: Conto livre (autor roraimense); Poesia livre; Conto livre (outros estados) e poesia livre (ensino médio e ensino fundamental). Falarei de todas estas partes adiante.

A começar pela capa, gostei dessa abordagem contemporânea e quase linguística à afirmação do artista: o que falamos, torna-se parte da nossa própria realidade. Por sinal, nesta imagem, há duas pequenas iniciais que me remeteram a um artista local. Dito e feito. Quando vi a ficha editorial do livro, ora se não era o Renato Costa.

Aliás, essa página é deveras inspiradora. Estamos falando de um livro produzido 100% em Roraima. Desde a equipe que fez a seleção dos contos até a impressão dele. Começando de cima pra baixo, conforme a imagem, é com saudade que muita gente lembra do finado Airton Dias, que sempre foi um incentivador da arte roraimense por meio do SESC/RR. No mestrado, analisei esta instituição e é inegável que boa parte da produção artística roraimense foi, por muitos anos carregada pelo SESC. Teve uma época que as pessoas achavam que ali era a Secretaria de Cultura de Roraima. 

Muitos dos nomes listados não me são conhecidos. Até porque, gente, 2010 foi há 9 anos atrás, né? Mas achei bem legal ver o nome do prof. Roberto Mibielli dentre os jurados e saber que a impressão foi feita na própria Forbrás. Agora, uma coisa me deixou em dúvida. Vendo a ficha catalográfica, me pergunto porque um livro contendo algumas preciosidades como as que mencionarei não gerou um ISBN. Penso que não seria um investimento alto e deixaria registrado algo tão único. 

Agora, passando ao texto propriamente dito, na primeira categoria (conto livre de autor roraimense), vejo claramente porque eu não gosto de antologias de concursos literários. Sendo frio: muito joio e pouco trigo. Eu mesmo já queimei textos que eu julguei excelentes em antologias que o primeiro lugar foi tão mal escrito que eu tenho até vergonha de divulgar minha participação.

No caso dessa primeira categoria, o único que se salva é o texto do Edgar Borges, porque está bem escrito e sucinto (talvez sucinto até demais). Porém os outros... o primeiro e o terceiro lugar contêm erros de português (que agora não sei se foram os autores mesmos ou quem digitou) e um enredo mal desenvolvido. De todos, acho que o terceiro era o que tinha mais potencial, porém não soube escrever bem a ideia. 

Então passamos para a poesia livre. Poxa, Edgar, sei que você ficou em primeiro nessa categoria; mas, pra mim, quem brilhou ali foi o Aldair Ribeiro dos Santos com "Solidor". Rapaz, tive que ler mais de uma vez esse poema para saborear cada pequeno aspecto dele. Aldair também é um escritor roraimense não ao acaso, que já fez contribuições até para a revista Ultimato (a que eu mais gosto é essa aqui).

Agora na categoria conto de outros estados. Aff. Por favor. Como aquele conto chegou em primeiro lugar eu não tenho a menor ideia. A premissa é boa. Mas mal escrito. Começou bem, mas do meio pro fim perdeu o pique e desandou. O terceiro lugar, pareceu mais um lirismo em prosa do que um conto propriamente dito. Mas... aquele segundo conto... "A flauta" de André Telucazu Kondo. Rapaz... não é à toa que o cara chegou a ser finalista do Jabuti, né? E, que irônico, não ficou em primeiro lugar neste concurso.

Acho que a única categoria com a qual eu concordei com o primeiro lugar foi Poesia ensino fundamental. As do Ensino Médio, desculpa, foram muito lugares-comuns. "Estrelas de Papel", de Odara Rufino ganhou de lavada. Muito bem escrita e... poética! E também acho que a poesia de Elizângela Souza fechou o livro com chave de ouro. Pra alguém tão jovem... uma bela construção.


Ler antologias e até mesmo revistas literárias é um exercício de paciência. Primeiro você precisa ter alguma munição e bagagem para não achar que tudo que reluz é ouro. Não é só por que um texto ficou em primeiro lugar que ele realmente seja o melhor dentre os que estão ali. E não vá pra extremos: não é tudo que presta, mas também não é tudo que não presta. 

Obrigado pelo presente, Edgar. Pela oportunidade de conhecer um pouco mais da nossa literatura roraimense e encontrar algumas pérolas neste mar de tantos escritos. Pra quem acha que Roraima não tem nada no mundo da arte, está aí uma prova do contrário. E não é qualquer coisa não, viu? Arte de qualidade também se faz aqui no extremo norte do Brasil.

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Resenha - The Great Gatsby

FITZGERALD, F. Scott. The Great Gatsby. New York: Charles Scribner's Sons, 1953 (?).


Primeira coisa, é que não tem nem perigo desse livro ser de 1953. Está conservado e novo demais, mesmo pra um livro que talvez nunca tenha sido lido. Fui procurar pra ver se descobria de onde vem essa edição fantasma. Porque no livro mesmo só existem duas indicações: que os direitos autorais foram comprados pela Charles Scribner's Sons em 1925 e que esses direitos foram renovados em 1953. É o que temos.

Procurei muito, mas muito mesmo, na internet e eis o que consegui: primeiro, esta edição é uma "book club edition", ou uma "edição do clube do livro". Isso significa que foi uma impressão feita especificamente para alguma espécie de assinatura de livros (não sei estimar com que frequência as pessoas ganhavam os livros). Logo, esta edição não tem valor colecional quase nenhum, sendo a impressão mais barata que poderia haver. Além disso, "The Great Gatsby" não foi o único livro a compor essa book club edition. Na verdade, outros três títulos de Fitzgerald foram incluídos nela.

Pelo meu olhar bibliófilo amador, estimo que essa edição deva ser da década de 1980; mas encontrei um vendedor online que acha que pode datar do final dos 1960s ou 1970s. Vamos pela média e dizer que então esta edição é dos 1970s. Essa busca pelas edições corretas só relembra uma coisa: The Great Gatsby é um clássico da literatura norte-americana. 


Eu imagino que este livro deve trazer uma série de lugares-comuns aos americanos, o que o torna muito familiar e atrativo. Mas talvez só a eles. O começo é bem chatinho e me lembra um bocado The Judgment of Paris (fiz a resenha desse aí também). Aliás, é bem chato. E as semelhanças com o livro de Gore Vidal se perpetuam na leitura (com a exceção da escrita não ser tão cativante quanto a de Vidal).

Só começamos a ter mais intimidade com Gatsby la pela página 63 (e o livro tem 159, ou seja, depois de ler praticamente 40% do texto). E, durante a história, é interessante como o personagem se transforma de uma figura enigmática, quase paternal, para uma figura cada vez mais infantil, especialmente no campo amoroso. Aliás, pra ser bem honesto, vai ficando cada vez mais desprezível conforme nos aproximamos do fim da história.

Parece-me haver um pseudo glamour embrionado no imaginário americano que torna atrativo todo tipo de história em que há um desinteressado e descompromissado approach da vida. Festas caras? É, acho que eu vou pra lá. Carros caros em acidentes? Que coisa não. Te encontrar tal hora pra voar no seu aeroplano? Por que não? Isso sem falar dessas conversas da "high society". Argh!, quanta pompa pra não dizer nada. Experiências vazias e perdas de tempo.

Há no livro um problema constante: o narrador sem sal. Tudo bem que o livro é sobre Gatsby, mas esse narrador passivo dá agonia. Houve vários momentos que o autor suprimiu diálogos que poderiam muito bem contribuir pra trazer mais densidade ao narrador. Aí ficamos com um narrador que assiste a tudo, sem dar grandes opiniões, sem participar direito dos eventos. Um manézão que vai na onda de todos e, na hora que deveria fazer algo de verdade, só fica parado.

Lendo assim pode parecer que eu sou um viciado em ação, que não gosto de livros mais tranquilos. Porém isto não pode prosperar. Meu autor favorito, Érico Veríssimo, não é um autor de cenas de ação, nada disso. O que eu quero é uma história que carregue a gente pra frente, que não nos deixe imergido num eterno marasmo permeado por alguma curiosidade pelo que vem adiante. Quero livros que engajem. Quero livros em que eu possa me relacionar com os personagens; gente e experiência que, no fundo, reflitam a mim mesmo e me façam crescer.

Teve um trecho aleatório que eu gostei bastante. Não sei dizer se tem algo a ver diretamente com a história, mas é uma descrição muito bem feita. Sabe quando a gente quer falar alguma coisa que está na ponta da língua mas não consegue e esquece? Olha só como Fitzgerald escreveu isso:
"For a moment a phrase tried to take shape in my mouth and my lips parted like a dumb man’s, as though there was more struggling upon them than a wisp of startled air. But they made no sound, and what I had almost remembered was uncommunicable forever.” (p.100)
E falando de frases e da própria história, é apenas no último 1/4 do livro que a gente realmente se vê imerso na história. O livro tem apenas 9 capítulos, abrangendo uma história curta, até mesmo simples. É justamente nesta reta final que vemos frases muito bem escritas, como:
"Let us learn to show our friendship for a man when he is alive and not after he is dead, [...]" (p. 151)
Nossa e que final marcante. Finalmente. Penso que, no fim das contas, é este final que realmente ajuda a carregar a fama do livro. É muito bem escrito, muito envolvente. Quisera eu que todo o livro fosse assim. Mas estes é um daqueles livros que a gente não se arrepende de ler até o fim. Aliás, já pensou se eu tivesse desistido no começo, por que não havia gostado? Que grande erro teria sido.

No fim, a gente tem uma sensação parecida com a do narrador, Nick Carraway. Ficamos numa nostalgia e ao mesmo tempo familiaridade com tudo o que aconteceu. Só nos resta dizer, como ele:
"Good-by," I called. "I enjoyed breakfast, Gatsby." (p. 136)