terça-feira, 29 de novembro de 2022

Resenha — Crônica de uma morte anunciada

GARCÍA MARQUEZ, Gabriel. Crônica de uma morte anunciada. Rio de Janeiro: Record, 2006.


"Mataram Santiago Nasar!" (p. 105)
Juro que não é spoiler, está na contracapa do livro. Este não é um livro policial, não tem mistério nenhuma aqui. Santiago Nasar realmente morreu e nada é segredo. Todos sabem quando foi, como foi, por que foi, e até mesmo quem matou. Realmente não tem segredo. E é justamente por isso que esse livro não deveria ser tão bom. Mas é.

Não faz o menor sentido. O livro é uma grande fofoca. Nós temos um narrador que nos informa do fato e vai aos poucos destrinchando os detalhes. Detalhes estes que ele consegue ao conversar com as várias pessoas que estavam na pequena cidade no dia em que aconteceu. É tudo um super "casos de família", em que não há de fato nenhuma grande novidade, mas, ainda assim, ficamos vidrados na leitura, curiosos para qualquer sórdido detalhe que possa surgir.

A estrutura do livro é circular. A narrativa toda é de alguém nos contando o que aconteceu naquele dia repetidas vezes, só que de pontos de vista diferentes. É isso. Simples, simples, simples. E ao mesmo tempo impressionante. 

E não é só a estrutura que assuta. É o conteúdo. O livro é repleto do que há de mais humano, no pior sentido da palavra. No comportamento das pessoas (desde o que morreu, até as autoridades locais), no modo de pensar daquela sociedade, no encadeamento dos fatos que revelam pelos quais o autor consegue revelar os diferentes personagens.

É brilhante. É absurdamente brilhante.
Mas não deveria ser. Não faz o menor sentido. Não se engane achando que a estrutura circular do livro priva o leitor de pequenas reviravoltas e até mesmo um clímax no final. Nossa... e que final! 

Essa resenha já vai acabar por aqui, porque eu ainda não consegui digerir como uma história tão simples conseguiu ser contada tão bem. Gabriel García Marquez, eu definitivamente preciso te conhecer melhor.

terça-feira, 22 de novembro de 2022

Resenha — O capote e O retrato

GOGOL, Nicolai Vassiliévitch. O capote e O retrato. Porto Alegre: L&PM, 2022.


Não tem jeito, eu gosto de pocket books. É legal demais ter um livrinho que cabe na palma da mão, que dá pra levar com facilidade pros lugares. É simplesmente gostoso de ler e, pelo visto, a L&PM é a melhor nisso, muito embora eu tenha visto alguns problemas grosseiros nessa edição como textos com travessões e aspas ao mesmo tempo, além de erro na digitação de "Petersburgo". Embora, por outro lado, penso que o tradutor fez excelentes escolhas (como a palavra "esculhambação").

Neste livro encontramos duas histórias de Gogol. Quando vi o nome do autor eu sabia que precisava comprar (vide a resenha de Almas Mortas). E aqui encontrei dois contos do autor: "O capote" e "O retrato". No final do livro tem uma cronologia da vida do autor que preenche quase umas vinte páginas. Sinceramente achei desnecessário e a impressão que me passou é que colocaram ali só pro livro não ficar muito fino, uma vez que se trata de dois contos. Mas vamos a eles.

Em "O capote", temos a história de um medíocre funcionário público russo que precisa trocar seu capote (casaco) por um novo. Satisfeito com sua vida de mesmice, a troca do casaco traz algumas reviravoltas no seu cotidiano — não necessariamente para melhor. Nele é possível encontrar novamente o estilo irônico e mordaz de Gógol que tanto me conquistou em "Almas Mortas". Deste conto trago esta citação, que descreve bem a miséria humana presente nele:
Então, minha boa senhora, não perca seu tempo inultimente. Vá imediatamente comprar um caixão de pinho, pois um de carvalho seria demasiado caro para ele. (p. 42)
Já "O retrato", por outro lado, me pareceu um conto mais "europeu", se é que isso faz sentido. Talvez o que eu queira dizer é que enquanto o primeiro está mais próximo da Rússia realista, ou seja, aquela Rússia de Dostoievski, este segundo está mais próximo de uma Rússia romantista, quiçá como algo que se encontra em Turguêniev (fiz uma resenha de uma obra dele, chamada "Pais e filhos") ou em vários dos autores franceses e ingleses que marcam o romantismo europeu. Este trecho talvez deixe mais claro o que quero dizer:
O erro está na falta de luz. A mais maravilhosa paisagem parece também incompleta quando o sol deixa de iluminá-la. (p. 65)
Neste conto nos deparamos com a história de um quadro "amaldiçoado" (se é que podemos classificar assim) e um pintor que o encontra. Na primeira parte do conto temos a história em si e na segunda parte um pequeno histórico de como o quadro surgiu. Este é um daqueles casos emblemáticos em que fica difícil descrever certinho o que é um "conto", uma vez que esse aqui, além de ter várias páginas, ainda tem uma divisão interna bem marcante.

Bom, no fim do dia, o que importa é que o livro é muito bom de ler. Creio que essa diferença nas características dos contos mostrou bem a versatilidade de Gogol, uma vez que ambos são bem interessantes e um não ofusca o outro (pelo menos não achei). Este com certeza é mais um daqueles livrinhos pra se ter na estante e revisitar no futuro.