quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Resenha – Pais e filhos

TURGUÊNIEV, Ivan. Pais e filhos. São Paulo: Abril Cultural, 1971.


Todo livro depois de Great Expectations ia necessariamente sofrer comparações. Se por um lado é inegável a fluidez da narrativa de Turguêniev, por outro já acho que às vezes ele é direto demais, falando em vez de mostrar. Mas vamos com calma.

Falando da edição, nossa, como é bom não precisar ler naquelas letrinhas miúdas. Este livro é parte de uma coletânea da Abril Cultural e fiquei bem contente em ver que ele é da primeira edição, de 1971 (faz alguma diferença? Não faz, mas eu acho legal). A capa dura, o contraste do vermelho com o dourado, as margens agradáveis. Tudo que um livro precisa pra ser chamado de boa edição.

Uma salva de palmas para o tradutor. Que os autores possam citar trechos em outros idiomas nos seus textos é elementar, agora me faz muito bem saber que o tradutor se importa com seus leitores de outra época, inserindo uma nota de rodapé quando há uma citação em francês ou alemão, por exemplo. A literatura tem que ser assim, tem que estar próxima das pessoas. É por isso que nunca gostei da erudição exagerada de Machado de Assis nas suas obras. Mas isso é outro papo, prossigamos. 

Definitivamente o grande tema do livro está no conflito de gerações. Novas ideias versus antigos costumes. Há uma verdadeira guerra e eu estou em dúvida sobre quem deveria vencer. Bem curioso assistir à argumentação niilista dos jovens. Assumidamente niilista. Um grande privilégio ler algo que mostra como essa corrente filosófica veio e afetou toda a Rússia daquela época.

Na verdade, segundo me ensinou a Wikipédia, foi esta obra de Turguêniev que popularizou o uso do termo "niilismo" por toda a Europa. Esta obra na verdade foi citada por vários outros grandes autores da época e foi uma referência, sendo um dos primeiros romances russos da nova geração. 

Claro que se estamos falando de romancistas russos, Dostoiévski tem que aparecer. Na verdade, pra mim, Turguêniev acabou ofuscado por Dostoiévski, que também usou o niilismo em todas as suas obras (ainda que não de modo direto, como o fez o primeiro). Enquanto Turguêniev usa o niilismo como marca de um futuro decadente, Dostoiévski o usa como ferramenta pra mostrar a decadência da sociedade presente.

Mas, voltando ao conteúdo, se o tema é o conflito de gerações, o grande cerne deste conflito está mesmo no niilismo. Esta filosofia cujo propósito é a destruição pela destruição vem com força na figura do jovem Bazárov, que contrasta com quase todos os outros personagens. 

Interessante notar a contradição presente neste, o maior niilista, que condena a autoridade mas ainda exerce autoridade para com os que considera "inferiores" (e vemos em determinado momento do livros que os "inferiores" na verdade é que o consideravam um mero falastrão); e mais, não somente exerce autoridade como é rude e cruel desnecessariamente.

O seu orgulho é tamanho que a cena do encontro de Bazárov com os pais é terrível. Voltado para si e vivendo para si (um bom niilista), ele demonstra extrema ingratidão para com os pais. Este, para mim, foi o momento mais triste do livro: em que ele expressa com todas as letras seu desprezo e indiferença por aqueles que só queriam o seu bem. 

No que concerne ao estilo e narrativa, não dá pra negar que o livro é bem fluido e até bem humorado. Não deixa de ser interessante notar as semelhanças entre russos e brasileiros em tantos momentos (já destaquei isso mais de uma vez em resenhas de Dostoiévski — como é que pode, é afinal, sermos tão parecidos?)
"A cidade que foram visitar os nossos niilistas era administrada por um governador môço, progressista e déspota, como acontece quase sempre na Rússia." (p. 74)
Não só trechos como esse nos revelam um pouco da sociedade, como é interessante e até engraçado ver como as percepções mudam com o tempo. Em determinado momento do livro somos apresentados à Senhora Odintsova (de nome Ana Serguêievna) e o autor nos conta que ela casou com um homem mais velho, só pra depois dar o golpe do baú. Atenção, o "homem velho" tinha 46 anos. E morreu com 52.

O livro fala do niilismo, mas tem seu romantismo. Não mais aquele ultra que tanto dominou o século XIX, mas diria quase um romantismo equilibrado — se bem que tem o trágico da morte, a felicidade do que é comum e bom, ora... será que é romântico mesmo no fim? Talvez, mas com certeza inaugura uma fase de narrativas mais sóbrias.
"Assim se expressava Ana Serguêievna e assim falava Bazárov. Ambos pensavam que diziam a verdade. Havia realmente verdade nas suas palavras? Nem êles mesmos o sabiam." (p. 207)
No fim das contas, não é um grande espetáculo da literatura, mas é uma obra boa de se ler. Talvez a obra até seja um grande espetáculo mesmo e sofra apenas pela comparação (como me desculpei no começo). De qualquer forma, uma leitura com certeza boa e, quem sabe, útil para um leitor intermediário que queira conhecer um pouco mais da literatura russa.

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