segunda-feira, 27 de junho de 2022

Resenha – The Old Man and the Sea

HEMINGWAY, Ernest. The Old Man and the Sea. New York: Scribner, 2003.


Esse eu li quando estava nos Estados Unidos, foi leitura da matéria de "Literatura Americana". Parando pra pensar agora foi uma das melhores matérias que tive lá. Não só porque a professora era boa, mas também porque a matéria era literalmente ler e conversar sobre a leitura. Quer coisa melhor? 

Eu já sabia que o que eu leria era bom, mesmo que eu não lembrasse de detalhes da história. Aqui acompanhamos um breve relato da vida de Santiago, um velho pescador cubano, que sai um dia em busca de um grande peixe, depois de várias semanas sem conseguir pescar nada. Aqui acompanhamos sua pobreza, sua sina, mas, principalmente, sua coragem.

Neste livro aprendi que tudo que aprendi pode ser desconsiderado se for bem feito. Pra dar dois exemplos, o primeiro é que às vezes na hora de escrever ficamos cheios de dedos pra fazer transições de cenas que sejam bem construídas e esquecemos que o mais importante, todas as vezes, é a história em si e não a cena. Digo isso porque olha o que Hemingway faz aqui de maneira sensacional:
This will kill him, the old man thought. He can't do this forever. But four hours later the fish was still swimming steadily out to sea, towing the skiff, and the old man was still braced solidly with the line across his back. (p. 45)
Pam. Simples assim. Quatro horas se passaram. E a gente sente de uma vez só o peso delas caindo nas nossas costas, tal como a linha de pesca que o Velho segurava com persistência por todo esse tempo. Não tem por que enrolar, basta contar bem feito. 

O outro é que aprendemos como devemos tecer uma boa rede de personagens, como eles devem dialogar entre si de modo a construir uma boa tônica pra história, etc. Bom, Hemingway adota UM personagem. Claro, além do Velho aparece o menino, que é bem relevante. Mas os personagens secundários, quase todos, são os animais: o pássaro, os peixes pequenos, o peixe grande, etc. Não há diálogo, só monólogo do velho conversando sozinho ou com os animais que nunca respondem.

Merece destaque a verossimilhança de tudo. Stephen King bem disse que a gente gosta, por algum motivo misterioso, de ler sobre o trabalho. E é fascinante ver como se dá o trabalho do pescador, como ele lida com as intempéries, e como anos de experiência o preparam para as mais diversas situações. Deixo ainda o registro deste trecho:
He sailed lightly now and he has no thoughts nor any feelings of any kind. (p. 119)
Parece besteira, mas é impressionante quantos autores ignoram que esta sim é a verdadeira emoção pós-batalha! Há pouco ou quase nenhum espaço para romantizar momentos como esse. O torpor do choque é o que realmente nos preenche diante do inesperado e do absurdo.

A condução do livro é magistral. Não há capítulos. Ou pelo menos não divisão de capítulos. É tudo contado de uma vez só, embora a história aconteça ao longo de uns três dias. A habilidade do escritor em transitar entre as diversas formas é de uma sagacidade sem comparação. Como pode o autor em apenas três páginas nos apresentar um velho e um menino e não somente informar, mas nos convencer que eles se amam como avô e neto e nos fazer sentir o carinho que há entre eles?

Além disso, temos condução de longas cenas só com diálogo e seu contraponto: páginas e páginas apenas com narração e um pouco de descrição, pinceladas com uma única linha de diálogo aqui e ali. Também é bonito de ver como o autor, mesmo tendo tão poucos personagens, ainda é capaz de fazer inversões. Neste caso, cito a inversão da caça e do caçador:
You are killing me, fish, the old man thought. But you have a right to. Never have I seen a greater, or more beautiful, or a calmer or more noble thing than you, brother. Come on and kill me. I do not care who kills who. (p. 92)
É impressionante como um livro tão pequeno (meras 127 páginas na edição que tenho) pode ser tão denso e tão cheio de significados. A persistência do herói bem como seu quase-otimismo são louváveis e fazem dele um herói na sua essência. Além disso, interessante notar como nossas expectativas vão caindo quanto mais a gente se aproxima das agruras de Santiago. No começo esperávamos por uma grande vitória, no final torcemos para que não haja uma derrota total.

E aí a grande sacada: o herói volta pra casa derrotado, mas ainda assim é considerado vitorioso pelos seus. É que eles entendem a tragédia e veem nele um pouco do que poderia ter acontecido com eles. É a tal empatia. Oloco, que sacada. 

Já li outros livros de Hemingway e não curti, fiquei sem entender o que tanta gente vê nele. Mas não dá pra negar a genialidade do cara. Esse é um autor obrigatório feito Dostoiévski. O cara é realmente muito bom. Espero que no futuro consiga visitar outras obras dele e degustar um pouco mais.

sexta-feira, 24 de junho de 2022

Resenha – Babel

McPHERSON, Brennan. Babel: The Story of the Tower and the Rebellion of Man. Sparta: McPherson Publishing, 2019.


Ai ai. O que aconteceu foi o seguinte. O autor, no seu primeiro livro, foi ele mesmo. Quando ele escreveu Cain (resenha aqui), ele foi honesto consigo mesmo, ele escreveu a história que ele queria escrever: fantasia aplicada à ficção bíblica. A ideia foi genial, eu amei. Tanto que achei que valia a pena continuar lendo as outras obras do autor.

Porém, houve um problema de opinião pública. Embora muitas pessoas tenham gostado do livro, várias outras fizeram críticas e não quiseram aceitar a abordagem que ele fez (mesmo que a abordagem não tivesse NADA de heresia ou coisa do tipo, era puro preconceito). 

Verdade ou não, o autor se deixou abater pelas críticas. Quando chegamos no seu segundo livro, Flood (a história do Dilúvio, resenha aqui), nos deparamos com um autor tímido, um livro cheio de falhas e sinceramente bem cansativo de ler. O autor praticamente abandonou a fantasia. 

Aqui em Babel, terceiro livro do autor, ele começa, ainda timidamente a voltar à fantasia. Mas é realmente uma pena que ele não abra seu coração novamente e se deixe levar pelo seu próprio instinto. Também neste livro não consigo dizer que tive um tempo proveitoso. O trauma dele foi tão grande que, depois de um tempo, ele tirou Cain de circulação e o trocou por Eden (resenha aqui), onde ele parece ter aperfeiçoado o equilíbrio desejado entre fantasia e ficção bíblica (embora, do meu ponto de vista, em Cain isso já estava bem estabelecido).

Bom, falemos então dessa história. Aqui temos novamente Noé como protagonista, uma vez que ele ainda estaria vivo nos tempos da famosa Torre de Babel. A história navega entre a família de Noé (Sem, Cam e Jafé) e outras pessoas que ele encontra no meio do caminho. É difícil dizer qual é o problema principal da história, uma vez que nem o autor parece ter isso muito claro. Basta dizer que há um racha entre Noé (profeta do Altíssimo) e Cam, que se proclama profeta do Satanás (no livro o nome é outro), sendo que este último resolve construir uma Torre como templo a este último.

A história já começa um pouco conturbada, um problema semelhante ao que vi na segunda parte de Cain, quando o autor joga muitos personagens na nossa cara de uma vez e não nos dá tempo pra nos familiarizarmos com eles. Ainda no começo, a ação de Cam no meio de tanta coisa importante acontecendo ao mesmo tempo tenta trazer algo de épico, mas não tem espaço pra isso e só resulta em uma sensação de bagunça. Tem horas que acho que tem personagens demais e isso atrapalha o leitor.

Em vários lugares o livro é preachy. Por mais que seja ficção cristã, não significa que é necessário fazer um sermão cristão na fala dos personagens. As verdades sempre são mais profundas (sejam elas religiosas ou não) quando são demonstradas, e não somente ditas. Entendo o esforço do autor em mostrar o lado espiritual dos personagens observando o que acontece em suas vidas e interpretando de acordo com a vontade de Deus. Muito legal, mas simplesmente não funciona assim e, por isso, soa novamente preachy e pouco verossímil. 

Assim como aconteceu em Flood, a tentativa romântica no meio do turbilhão não me convenceu nadinha. Não que não possa haver amor em meio a tribulações. Mas eu, como leitor, preciso ser convencido de que isso é possível! Pequenos gestos e algumas insinuações não são suficientes.

Alguns personagens secundários me soam meio rasos, sendo maus só porque são maus (tipo capangas de vilão em filme). Além disso, uma coisa que me incomodou foi a total desconsideração pela jornada do herói que Noé passou no livro anterior. Flood. Aqui em Babel várias características que ele ganhou simplesmente somem, sem explicação convincente pro retrocesso dele. 

Ainda nessa questão do protagonista, sinto que em alguns momentos a trama sofre da síndrome do duplo-personagem-principal. Tem horas que parece ser Noé, tem horas que parece ser Arã. Não há problema em haver mais de um, mas os arcos precisam ficar claros porque senão o leitor não sabe em quem prestar atenção e qual história realmente importa. 

Conforme o livro caminha pro fim, vai perdendo qualidade. A sequência final de eventos me soa mecânica e quase infantil. Noé se torna insuportável de ler. Tudo que ele fala é preachy e ele tem um complexo de messias que é de dar nos nervos. Se algo da errado, é porque ele não fez algo que deveria ter feito e por isso, oh, toda a humanidade está condenada. Então, agora, é seu dever restaurar a todos e salvar o mundo... Mano, não é tudo sobre você meu camarada.

Mas se nem tudo na vida são flores, nem tudo na vida são espinhos também. Embora eu tenha severas críticas, isso não quer dizer que acho o livro totalmente descartável e vejo sim alguns bons aspectos. Pra começar, não dá pra negar que mais de uma vez fui envolvido pela narrativa e me senti imerso naquele mundo (o que, pra mim, deve ser o propósito maior de qualquer livro). Além disso, o autor tem sacadas bonitas que valem a pena registrar, como essa:
But all men have a heart that beats to the rhythm of pride. (p. 68)
Some-se a isso os momentos em que o autor abraça novamente a fantasia na história. Creio que estes são os melhores momentos do livro. Só acho sinceramente uma pena que ele não tenha feito isso em toda a história. Ainda tenho mais um livro pra ler dele, Abram, e espero que, pelo menos nesta última, eu consiga ver alguma redenção. Dá pena, porque sei que o cara é bom, só precisava... 

sábado, 18 de junho de 2022

Resenha – O retrato de Dorian Gray

WILDE, Oscar. O retrato de Dorian Gray. São Paulo: Abril, 2010.


Da série "livros que li na adolescência e resolvi ler de novo pra ver se agora consigo entender um pouco melhor o que está realmente acontecendo e se esse livro tem alguma coisa mais profunda pra ensinar ou mostrar que eu não conseguia ver na época que era mais jovem." (Título provisório).

Na verdade não sei dizer. Se por um lado compreendi a história, por outro creio que hoje minha noção do esteticismo e da própria arte talvez realmente tenha me dado a oportunidade de entender melhor essa obra. Não, "entender" não é a palavra certa, acho que está mais para "desfrutar".

O prefácio já chega pra arrebatar a gente. É um lirismo em prosa de uma qualidade fenomenal (na verdade, boa parte do livro é). Mas vejam só como o safado ainda me pega com a boca na botija, logo no começo
Tanto a forma mais elevada, como a forma mais baixa de crítica, é um modo de autobiografia. (p. 7)
Eita, e aqui estou eu fazendo uma resenha (crítica) sobre a obra. Esta citação fala mais sobre este blog do que sobre o próprio livro. Que coisa, não? 

Estamos diante de um clássico da literatura inglesa, o único (!) romance de Oscar Wilde, onde ele conta a vida do jovem Dorian Gray, que tem um quadro seu pintado e que, por obra misteriosa, traz uma maldição-bênção sobre a vida do jovem: os anos se passariam, mas Dorian Gray manteria consigo a beleza e a juventude, enquanto a pintura é que envelheceria.
A juventude eterna, a paixão infinita, o prazer sutil e secreto, as alegrias espontâneas e os pecados ainda mais espontâneos... ele possuiria todas essa coisas. O retrato carregaria o peso de sua vergonha. Eis tudo. (p. 140)
Haveria muitos temas pra se expor aqui, o livro é realmente bem denso e, mais uma vez, um daqueles casos de livros em que "não acontece nada", mas ainda assim não conseguimos desgrudar, porque é muito gostoso de ler. Sério, a sensação física que temos é parecido com quando comemos algo saboroso, que dá gosto de desfrutar. 

Creio que poucos vão discordar que é bem latente a questão do hedonismo na obra. Pouco depois da metade do livro o autor dedica um capítulo a exemplificar o hedonismo de Dorian. Um hedonismo incompleto, mesmo com a eternidade nas mãos, uma vez que seu segredo oculto permanecia vivo e Dorian tinha medo que ele fosse descoberto.

Mas não é isso q me chamou atenção. Creio que foi por conta deste capítulo, na leitura nos tempos da adolescência, que não consegui gostar o suficiente do livro. Talvez isso seja verdade ainda agora. Acontece é que o autor passa muuuuito tempo descrevendo e contando como Dorian esbanjava seu dinheiro e sua juventude em diferentes hobbies. 

Se por um lado entendo que o autor usou isso para suas próprias digressões (e não nego que é saboroso de ler, porque Wilde sabia o que estava fazendo), por outro é cansativo para o leitor. Talvez o seja para um leitor do século XXI, porém perfeito para um do século XIX, vai saber né? 

Gosto de ler estes clássicos, em boa parte, porque eles trazem retratos de suas épocas e é fascinante ver como, em algumas coisas, o mundo realmente não muda. Por exemplo, interessante como em uma sociedade tão cheia de dinheiro, ao ponto de que alguns personagens nem precisem se preocupar com ele, ainda é exatamente a situação financeira que decide de modo derradeiro as dúvidas sobre o caráter das pessoas. É pobre? Não presta. É rico? Pode casar, ele é bom.

O autor também aborda de maneira muito verdadeira o pecado que habita dentro de todos. Dorian, tendo todos os melhores atributos do mundo, não conseguia escapar ao que estava dentro dele e que o levava a fazer atos cada vez piores:
Há momentos, dizem-nos os psicólogos, quando a paixão pelo pecado [...] domina de tal maneira uma personalidade que toda fibra do corpo, e toda célula do cérebro, parece ser instinto com impulsos receosos. Nesses momentos, homens e mulheres perdem a liberdade da vontade. Como autômatos, dirigem-se ao fato terrível. A escolha é-lhes subtraída e a consciência, morta, ou então, se conseguir viver, vive apenas para dar fascínio à revolta, e encanto à desobediência. (p. 242)
No final, é justamente o desejo por redenção que leva-o ao seu destino final. 

O livro é cheio de várias citações e trechos dos quais haveria muito a se falar. Essa é daquelas obras que dá vontade de montar um clube do livro e passar horas discutindo sobre os personagens (se perguntando: "Será que isso é fala do autor ou da criatura?"), sobre os temas (incluindo aí até um homossexualismo velado), sobre a edição bonita da Abril, com aquelas fitinhas internas que servem de marca-página e embora eu não tenha gostado no começo hoje reconheço que facilitam a vida que é uma beleza.

Bom, muito a se falar. Leitura que eu espero revisitar daqui a umas décadas e, tenho certeza, degustar ainda mais.

terça-feira, 7 de junho de 2022

Resenha – Gente pobre

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Gente pobre. Jandira: Principis, 2021.


Eu parecia uma criança quando peguei o livro na estante e fiquei pululando (mentalmente), cantando para mim: "Dostoiévski! Dostoiévski! Dostoiévski!". Sabe aquela antecipação que a gente tem por que já sabe que o que vai acontecer é algo bom? Pois é, era eu. E minhas expectativas não foram em vão.

Estamos diante de um romance epistolar, ou seja, os personagens conversam por cartas, e conta a história de Makar Diévuchkin, um funcionário público quarentão, pobre, que está apaixonado pela vizinha Varvara Aleksêievna, uma mocinha pobretona que troca cartas com ele. Aqui já vemos o começo do que será o Dostoiévski de sempre: personagens sofredores, em situações difíceis, mas gente com quem todo mundo consegue se relacionar, pessoas reais em problemas reais.
Na primeira vez a impressão é desfavorável, mas isso não é nada; basta ficar conosco por dois minutos e passa, e você não sente, como tudo passa, porque você mesma vai cheirar mal, a roupa vai feder, as mãos vão feder, tudo vai feder. (p. 20)
Dostoiévski não tem pena em retratar a situação deplorável de São Petersburgo da Rússia do século XIX. Ali a pobreza e a miséria estavam próximas, num jogo de dog eat dog, onde todo mundo lutava pela sobrevivência ao mesmo tempo.

Ainda sobre o estilo de um Dostoiévski novinho, engraçado como é possível perceber a diferença entre este começo e suas obras mais maduras, por exemplo:
E quando o coração fica pesado, doído, pesaroso, triste, as lembranças o refrescam e avivam, como gotas de orvalho em uma noite úmida, depois de um dia triste, refrescam e avivam a flor pálida e murcha que queimou com o calor diurno. (p. 48)
Li esse trecho e pensei: "ué, foi Dostoiéviski que escreveu isso mesmo? Tá romantiquinho demais." Bastou eu consultar a orelha interna do livro pra ver que esta foi a primeira obra do autor, quando ele tinha apenas 24 anos (eita! Eu comecei a escrever com 25!), ou seja, ainda estava bem inserido no Romantismo tão característico do século XIX. Depois que deduzi isso foi que me deu uma aliviada: "Ufa, ainda é ele mesmo."

O grande tema do livro, afinal é a pobreza. Só pra citar um exemplo, lembro da cena em que o filho do vizinho no apartamento ao lado morre. Morreu de fome. 

As pessoas doentes morriam em casa e os parentes ficavam do seu lado aguardando a hora da morte chegar, sem poder fazer nada. E eu fico me perguntando quantas pessoas ainda não morrem assim hoje. Lembro de um conhecido de um conhecido que, durante a pandemia, ficou doente mas estava com medo de ir ao hospital por conta do corona. Agonizou até morrer em casa. 
E ainda os ricos não gostam que os pobres se queixem em voz alta de sua sorte, quer dizer, eles perturbam, são importunos. E a pobreza sempre é importuna, os gemidos de fome atrapalham o sono! (p. 126)
Nesta obra Dostoiévski mostrou a que veio, já no seu primeiro romance vemos os traços de genialidade que o tornariam um marco na literatura mundial. E, engraçado, ele não fez isso falando de coisas extraordinárias ou causos estapafúrdios. Ele fez isso falando de gente comum, feito eu e você. Eis onde residem as grandes histórias.

quinta-feira, 2 de junho de 2022

Resenha – The Gathering Dark

GRUBB, Jeff. The Gathering Dark: Ice Age Cycle, Book I. Renton: Wizards of the Coast, 1999.


"One of the great misconceptions, from the days of the Brothers themselves to today, is that magic is somehow marvelous and wonderful and that being a mage is some type of glorious adventure. In truth, magic is just a study of forces, albeit forces that are undetected by the common man. And most of the work of a mage is not involved in deadly spellcasting duels, but in wearisome study, tiresome memorization, and unending research." – Arkol, Argivian, scholar (p. 195)
Peço desculpas pela citação grande logo no começo, mas é que ela é essencial. Foi essa citação que fez um amigo trazer este livro da Finlândia e eventualmente presenteá-lo a mim. É também como eu mais gosto de enxergar a "magia" no mundo da fantasia, porque creio que é o que mais se aproxima de uma possível verossimilhança da magia (se é que isso pode existir).

Antes de falar da história e do livro, deixa eu contar que tive um Efeito Mandela nessa leitura. Acontece que quando fui pra minha estante escolher o próximo livro pra ler, deparei-me com esse que estava lá há uns bons anos e vi o nome do autor, Jeff Grubb. Na mesma hora eu pensei: "Ah! Esse autor eu sei que é bom, vai valer a pena ler mais um livro dele." 

E, contente e satisfeito, pus-me a ler esta obra que realmente era muito boa, a todo tempo congratulando-me pela escolha certeira e meu know-how em reconhecer bons autores. Quando já estava quase acabando o livro, bateu aquela curiosidade: "Qual foi mesmo o outro livro que eu li dele?". Fui procurar na internet toda a bibliografia de Jeff Grubb só para depois, embasbacado, descobri que na verdade nunca havia lido nenhum livro dele.

Não é a primeira vez que resenho um livro de Magic The Gathering neste blog (resenha aqui). Desta vez porém não vou fazer uma resenha-spoiler, nem me dar ao trabalho de catar todas as cartas às quais o livro se refere (embora eu tenha feito isso durante a leitura mais de uma vez, não nego). 

A história que temos em mãos aqui se passa na Dark Age, depois da Guerra dos Irmãos (Urza e Mishra). Acompanhamos a história de um mago que será depois um marca na história da magia em Dominaria (plano onde transcorrem estes fatos): ninguém mais, ninguém menos, que Jodah

Nesta aventura específica, acompanhamos sua jornada como um mago amador, sofrendo perseguições por diversos motivos, até se encontrar com outros magos poderosos (alguns para o seu bem, outros para o seu mau). No fim, ele acaba provando ser uma boa pessoa mais do que um habilidoso mago. O que quero dizer é que o personagem é carismático do começo ao fim. Conquanto não seja cômico ou dado a muitas palavras, é alguém fácil de se relacionar e se identificar.

O que me chama atenção aqui é a habilidade do autor em trazer uma narrativa tão fluida. Se por um lado é a clássica Jornada do Herói, por outro lado ela é muito muito bem trabalhada. A gente não fica perdido em momento algum e tampouco consegue se desgrudar da leitura. Ainda que algumas vezes aqueles pulos entre diferentes linhas narrativas nos canse um pouco, somos recompensados no final com a perícia do escritor em coordenar todas as coisas.

Lembro que conforme me aproximava do fim do livro e diferentes linhas narrativas começavam a convergir, eu fiquei me perguntando: "Como diabos ele vai fazer pra juntar tudo isso e não ficar uma bagunça no final?". Olha, o cara sabe o que faz. Para fins de registro e aprendizado de escritor, uma coisa que ele fez perto do fim foi inserir alguns trechos em que o foco não estava em Jodah, mas em revisitar personagens que ficaram um pouco pra trás, de modo que quando eles realmente aparecessem de novo, o leitor estaria mais próximo deles e entenderia melhor suas ações.

Outra coisa que chamou minha atenção na narrativa de Grubb (e pra ser honesto, em todo livro de fantasia que sabe trabalhar bem a Jornada do Herói) é como ele consegue fazer um enredo em que por mais que a situação do herói esteja ruim, ela ainda pode piorar bastante:
The slender elves and the humans in bloodied white and muddied purple were in full flight now, ceding them the battlefield.
That was when the goblin attacked. (p. 87)
O grande assunto do livro, descaradamente, é a magia. E não qualquer magia; mas algo com uma abordagem mais verossímil, como dei a entender pela citação lá do começo. Curti que em determinado momento o autor explica que a magia está ligada à história de uma pessoa, na verdade à sua origem. Ela precisa recorrer às memórias do lugar de onde veio pra tirar a energia necessária (planície, montanha, floresta, pântano ou ilha) para usar seus feitiços. Em vários momentos o livro fala sobre a origem e a natureza da magia. Não dá pra negar que é bem trabalhado e interessante.

Em conclusão, é só uma pena que eu não tenha os outros livros da série, porque embora o autor não tenha terminado este num cliffhanger, deixou um excelente caminho para a continuidade. Estas edições paperback são muito boas e eu curto estes livros que cabem bem na palma da mão. Sabe Deus quando vou ter grana pra completar essa série. Uma pena, porque mal posso esperar pra saber o que mais vai acontecer.