sábado, 17 de julho de 2021

Crônicas do cotidiano – XII

Deu uma vontade súbita de escrever alguma coisa. De ouvir as teclas batendo enquanto palavras surgem na tela. Não há nada de tão especial nisso, a gente faz todo dia. Mas, ao mesmo tempo, não é um pouco mágico?

Stephen King diz que escrever é telepatia. No começo achei meio absurdo, mas hoje vejo que ele está certo. Que mistério é esse que faz com que toques dos meus dedos transmitam ideias para outras pessoas? E, mais ainda, se eu tivesse capacidade de escrever algo muito bom, como isso poderia afetar a vida de outras pessoas.

Certa vez, Érico Veríssimo estava num jantar e perguntaram-lhe:
– O senhor acredita que o que você escreve é capaz de mudar uma vida?
Érico deu de ombros como quem diz "Claro que não, né?", mas respondeu simplesmente:
– Não acho.
Então o homem passou a relatar-lhe a vida de seu sobrinho que, após ler um livro de Érico, largou sua profissão e voltou para a faculdade a fim de se tornar médico.
Contra fatos, não restaram argumentos a Veríssimo.

Existe algo de mágico sim, de delicioso em sentir as ideias fluírem e explodirem na mente de outra pessoa. Não há materialismo no mundo que consiga simplificar isso. De onde vêm as ideias? Para onde vão? Gosto de perguntas que fazem a gente pensar. Na verdade, sinto falta de diálogos e discussões que façam a gente pensar.

Volta e meia acho que me faria bem deixar-me levar por essas vontades súbitas de escrever alguma coisa. Vai que numa dessas sai algo de bom.



sábado, 10 de julho de 2021

Resenha – Borderliners

HØEG, Peter. Borderliners. New York: Picador, 2007.


Ô livrinho sofrido, viu? Veio parar nas minhas mãos por meio de uma troca literária e eu resolvi dar uma chance. A sinopse apontava para uma aventura distópica de crianças numa escola onde tudo era muito bem controlado e ainda a figura de um líder quase místico por trás de tudo. Pensei: por que não? A resposta deveria ter sido: porque não. Mas vamos à resenha.

Logo no começo eu já achei tudo confuso demais. Pra ser bem honesto, eu não teria entendido nada nos primeiros capítulos se não fosse pela sinopse atrás do livro. Entendo o apelo necessário ao gênero da distopia, mas achei exagerado. Só depois que fui entender que esse é o estilo do livro: bagunçado e digressivo.

Eu já havia lido textos com narrativa difusa, em que um fio muito tênue de trama compõe o caminho que o leitor vai seguir. Foi preciso ativamente ligar o switch e entender que era uma narrativa difusa, onde pensamentos, ações, reminiscências, etc., tudo se mistura à narrativa da trama propriamente dita. Não tenho como explicar direito, só lendo pra entender... ou não entender, que, imagino eu, seja o caso.

O autor brinca com a ideia da loucura (ou pelo menos os limites da normalidade) como porta para entender algo mais profundo. Não é o primeiro e tampouco será o último a ver na loucura um caminho para a verdadeira liberdade – é novamente uma revisitação a Nietzsche e sua moralidade, imagino eu.

As digressões são compreensíveis, uma vez que a história é contada do ponto de vista de uma criança/adolescente traumatizado. Porém, ainda que plausível, essa escolha do autor deixou o livro muito pesado, cheio de cacoetes. A narrativa poderia ser mais limpa e ainda assim transmitir este sentimento de incômodo ao leitor. 

Leva tempo demais até chegar na questão. Sinceramente só vamos entender o que está acontecendo de modo mais evidente lá pela página setenta e pouco, conforme as citações:
"During those ten years your time will be strictly regulated, there will be very few occasions when you are in doubt as to where you should be or what you should be doing, very few hours altogether where you have to decide anything for yourself." (p. 78)
"There is a selection that takes place. People are selected according to the laws of nature. The school is an instrument dedicated to elevation." (p. 79)
Do meu ponto e vista há pelo menos duas falhas estruturais na história. A primeira é que as crianças não estão realmente em perigo e isso faz com que a gente não se importe muito com o destino delas. Os seus próprios transtornos e paranoias são as principais fontes de movimento pra história e até isso é reservado a uns poucos momentos decisivos, cheios de digressões entre eles.

A segunda falha é que, embora haja uma conspiração de fato, ela é, no entanto... benéfica, eu diria. Não é uma conspiração para fazer algo ruim, mas para algo bom! Pra completar a situação, a escola e o "ditador" sequer empregam a violência como meio para alcançar os fins (justificativa essa que seria clássica das distopias). 

A escola quer impor a ordem por meio de horários definidos, disciplinas bem ensinadas, comportamentos orientados e etc. Como isso é ruim para crianças desajustadas cujo destino fora da escola seriam os orfanatos ou, em alguns casos que vimos no livro, até mesmo o reformatório? Sinceramente não vejo motivação o suficiente para todo o alarde que o livro quer fazer.

Aliás, bote alarde nisso. O autor adora terminar parágrafos com frases marcantes ou de efeito porém que, de fato, não servem para quase nada senão tentar atingir esse propósito. Não são frases moralistas de revirar os olhos, mas elas cansam pela repetição e, justamente por isso, também perdem a sua eficácia.

A dúvida que fica seria: então por que gastei meu tempo lendo? Bom, tenho que pensar que sou, afinal, um Escritor ao Acaso. Por conta disso, achei que seria interessante ter contato com uma narrativa não linear (embora essa não tenha sido a primeira vez que o fiz). Pra ser honesto, lá pro final já estava até me acostumando com a loucura, com as narrativas fora de ordem cronológica, com as digressões e as reviravoltas pífias. É a vida, eu acho.

No fim das contas, o livro entrou para a pilha de doações, porque não tem nem perigo desse troço ficar na minha estante. Chato que dói, talvez valha apenas como exercício acadêmico. Mas se você é um leitor que quer apenas passar seu tempo e desfrutar de uma boa leitura, então, nesse caso, eu não recomendo.