sexta-feira, 28 de abril de 2023

Resenha — O homem que queria ser rei e outras histórias

KIPLING, Rudyard. O homem que queria ser rei e outras histórias. São Paulo: Abril, 2010.


Depois que terminei o último livro, olhei para minha estante à procura daqueles livros que a gente compra em promoção por aí, mas que nunca de fato abre pra ler. Não demorou muito e me deparei com essa coletânea de contos de Rudyard Kipling que eu nunca sequer tinha folheado. Vamos à resenha.

Como sempre, começo pela edição. Já comentei outras vezes sobre essa coletânea da Editora Abril. O papel é bom, a diagramação é boa, o texto é bem trabalhado... mas não consigo gostar dessa capa. O toque é um pouco desagradável pra mim, essa sensação porosa que ele deixa nos dedos... não curto, sorry.

Preciso dar uma palavra sobre o autor porque preciso ser honesto e dizer que não conhecia absolutamente nada de Kipling (ou assim eu julgava). Ele é um inglês nascido na Índia, onde viveu desenvolveu boa parte da experiência que depois ele relataria nas suas obras: a vivência do inglês no mundo selvagem e quente da Índia continental, com seus povos nativos e suas florestas cheias de perigos. Kipling se provou um autor prolífico e chegou a ganhar um Nobel de Literatura em 1907.

Pra falar dos contos em si, "O homem que queria ser rei", que abre a coletânea, conta a história de um jornalista que encontra dois vigaristas com um objetivo: viajar para o país do Kafiristão e lá convencer os nativos de que eles são encarnações das divindades deles, e assim se tornarem reis daquele país. 

Enquanto a história é interessante, confesso que a narrativa me foi meio cansativa. Isso, aliás, se tornou padrão em quase todos os contos. Temos alguns muito interessantes (como o que vou falar no próximo ponto), mas outros chatíssimos como "Meu senhor, o elefante". Não sei se é o estilo inglês de falar das coisas, mas em vários momentos precisei parar a leitura simplesmente porque estava cansado dela.

Agora preciso destacar o conto mais interessante dessa coletânea. Foi lendo o título deste conto que eu me toquei que já conhecia Kipling sim. E você que está lendo isso agora também já o conhecia, mesmo sem saber. Falo, claro, do conto "Mowgli, o menino-lobo".
Gostava dele: gostava de sua força, ligeireza, os passos silenciosos e seu constante sorriso aberto; sua ignorância de todas as formas de cerimônias e saudações, e das histórias infantis que contava [...] (p. 84)
Neste conto que mais tarde faria parte do "Livro da selva" (obra de Kipling que reúne as aventuras de Mowgli), temos a narrativa não do menino-lobo, mas do já crescido homem Mowgli. É certamente o conto mais fascinante de toda essa coletânea e não é à toa.

O Mowgli do conto não é um menino, mas homem feito. Suas interações com o personagem principal da história, o guarda florestal Gisborne, se assemelham mais a um Tarzan. Mowgli é um mestre da selva, quase um observador onisciente de tudo que acontece, seus poderes incluem caçar e até mesmo guiar tigres. Ele se move tão silenciosamente que não é possível dizer de onde veio, a descrição é que ele é tão stealth que um fantasma não seria mais silencioso. 

No fundo, talvez o conto seja interessante porque temos um Mowgli com super-poderes, ou, no mínimo, habilidades extraordinárias. Ele é um verdadeiro mestre dos animais da floresta, capaz de guiar javalis, com um grito gultutal ele chama cavalos, etc. Mowgli é, em última instância, uma mistura de sábio e louco.

Por fim, confesso que não fiquei tão impressionado com os contos, embora seja inegável que em alguns deles se vejam características de um Nobel de Literatura. Por outro lado, os contos são interessantes porque revelam um lado da Índia que era ignorado por muitos dos britânicos daquela época: soldados que viviam em condições terríveis, ao mesmo tempo que mostra o domínio que eles tinham sobre os povos nativos. É, portanto, uma obra de contradições e ironias. Vale a pena ler.

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Resenha — O médico e o monstro

STEVENSON, Robert Louis. O médico e o monstro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.


Este é mais um dos livros que ficou na minha estante por um bom tempo. Sei que já o havia lido, mas não faço ideia de quando foi isso. Só sei que faz tanto tempo que o pobre do livrinho sofreu: as primeiras páginas se soltaram da lombada e agora o bichinho está quebrado de vez.

Essa história é clássica. O médico que desenvolveu uma fórmula pra libertar-se das amarras da sociedade. Ele agora tem um alter-ego que torna possível ele ser quem ele realmente é por dentro. Aliás, o que todos nós somos por dentro: maus por natureza.
Não foi, portanto, alguma falha em meu caráter e uma consequente degradação, mas antes a natureza exigente de minhas aspirações a responsável por separar os domínios do bem e do mal que compõem a natureza dupla dos homens escavando entre eles um fosso ainda maior do que o habitual na maioria deles. (p. 67)
O livro é absolutamente fascinante. É chocante perceber que um livro tão pequeno pode conter uma história tão bem escrita e cativante. Com meros dez capítulos o autor faz a gente ficar cheio de curiosidade e deixa a revelação pra hora propícia: as últimas páginas não são cheias de adrenalina, mas a gente devora elas tão somente porque a curiosidade nos impele.

Aliás, o fim do livro é praticamente um ensaio sobre a natureza humana ponto porém, em lugar de ser entediante e cansativo, nós aplicamos as ideias do autor aos acontecimentos do livro o que lança luz sobre os fatos e deixa tudo muito interessante.

Achei interessante notar algumas pré-concepções que eu tinha do Mr. Hyde, não sei se pelos filmes ou simplesmente pela memória falha. A primeira coisa é que Mr. Hyde não é o equivalente de um Hulk. Pelo contrário, ele é menor e mais frágil que Dr. Jekyll, uma vez que este exercitou durante sua vida o seu lado bom, não o mau. Por outro lado, ele equivaleria ao Hulk num sentido de maldade e capacidade destrutiva. Não porque teria mais poder destrutivo em si, mas porque, sem amarras do bem, ele se sentia livre para fazer o mal.

Além disso, Mr Hyde não é outra pessoa, outra personalidade, se não a MESMA pessoa, mas mostrando o mal que havia dentro dela. Ao quebrar a barreira da separação entre os desejos ocultos e a realidade, Dr. Jekyll percebeu que, sem a Graça Comum, ele estava perdido.

No fim das contas é o que via de regra descobrimos: clássicos não são clássicos à toa. Esta obra fascinante que explora de maneira fantástica a dualidade e as contradições da condição humana certamente vai continuar na minha estante. Mas vou comprar outro exemplar, claro.