sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Resenha – Great Expectations

DICKENS, Charles. Great Expectations. Hentfordshire: Wordsworth, 1992.


A impressão que eu tenho é que meu pai literário, Aldenor Pimentel, estava só querendo se livrar de algumas obras em inglês que findaram parando nas mãos dele. Quando menos esperei me vi com esse livro nas mãos. Eu já conhecia o autor e também já tinha ouvido falar da obra. Ah... mas eu não esperava pelo que li. À resenha.

Depois de ler, percebi que a edição que tenho nas mãos não faz jus a um livro tão bom. É uma edição paperback, provavelmente vendida bem barato (que é a função dos paperback mesmo). Mas isso resultou em letras um pouco pequenas demais pro meu gosto, condensadas em 400 páginas. Não obstante, as margens são agradáveis e a Wordsworth publica clássicos há décadas não é à toa.

Comecei a ler este livro no Natal, dia 25, porque a história começa nesse dia. Já no começo somos apresentados ao que há de mais Dickenziano possível: um órfão, criado por uma irmã amarga e violenta, mas amparado por um padrasto bondoso, um ferreiro numa cidade simples. Narrado em primeira pessoa, o personagem Pip logo no começo se apresenta dizendo que:
"I was always treated as if I had insisted on being born, in a position to the dictates of reason, religion, and morality, and against the dissuading arguments of my best friends." (p. 31)
Pip é uma criança atazanada por todos ao seu redor. Este livro tem aqueles personagens que fazem a gente ficar com raiva pela injustiça que o outro sofre. O autor consegue sempre nos deixar tensos, com o menino sempre correndo algum risco, mesmo por situações que ele não pode controlar.

Então nós acompanhamos toda sua jornada até a vida adulta. Criado principalmente por seu padrasto Joe Gargery, no meio do caminho, ele conhece a ricaça Miss Havisham, que lhe apresenta a bela Estella, sua eterna paixão. Aos poucos, o rapaz vai deixando a vida simples que tinha em busca de "grandes expectativas" em Londres, depois que um patrono secreto lhe dá uma grande fortuna. O grande tema do livro é esta jornada de "ascensão", mostrando que não é a posição social que faz uma pessoa (além de vários outros temas).

Não vou analisar a obra, não tenho cacife literário ou acadêmico pra isso. Basta colocar no Google que dá pra ver que há muito, muito, muito o que se dizer sobre a trama, sobre o trabalho feito com os personagens. Quero deixar aqui só as minhas impressões do que li.

Uma coisa que não se pode negar, é que os personagens são densos. O autor é capaz de nos fazer odiar um personagem pra depois, em um único capítulo, nos fazer sentir pena dele. Quando vemos o que está por baixo da superfície de alguém, torna-se inevitável ter alguma empatia pela dor do outro. 

Como o livro é em primeira pessoa, há muitos monólogos. Isto torna a narrativa cansativa algumas vezes, com trechos que me parecem mais o estilo de Dickens pra "enrolar" do que a necessidade da trama. Ok, a palavra "enrolar" não é justa. Dickens é um mestre do "mostre, não conte". Em vez de dizer que o rapaz estava aos poucos se afastando de Joe Gargery, seu padrasto que tanto o amava, o autor passa literalmente 20 capítulos fazendo o personagem mencionar cada vez menos ou se referir com cada vez menor frequência ao nome de Joe. Talvez, talvez, pudesse ter encurtado um pouquinhozinho só. Talvez. 

Os diálogos, por sua vez, bem como algumas descrições, são muito bem trabalhadas. Talvez, novamente, trabalhadas até demais. Nos diálogos, o autor optou por transcrever alguns estilos de fala nos personagens (tipo um personagem analfabeto falando "Nós fumo lá i dipôi cansemo"). Conquanto seja uma técnica válida e até imersiva, pra quem não está acostumado pode ser um problema. (Esta questão fala um bocado sobre a perpetuidade do livro.)

E o livro tem lições, ô se tem! Quando na vida simples, Pip encontrou em Joe a figura de alguém que cuidou dele e se preocupava com ele. Em Londres, é o amigo Herbert que vai cumprir esta função. No começo, Pip acaba sendo como uma má influência para o amigo, mas depois que resolve ajudá-lo, é que o herói começa, aos poucos, a entender que o bom da vida não vem queremos apenas o nosso próprio bem:
"[...] I did really cry in good earnest when I went to bed, to think that my expectations had done some good to somebody." (p. 259)
Conforme o livro vai chegando mais próximo do fim, o herói vai começando a perceber que gente boa existe em qualquer camada da sociedade, assim como gente ruim. Pip também começa a olhar mais para os outros, em vez de só para si mesmo e começa a entender, por causa dos outros, que ele mesmo tem muito a aprender:
"[...] I often wondered how I have conceived that old idea of his [Herbert] inaptitude, until I was one day enlightened by the reflection, that perhaps the inaptitude had never been in him at all, but had been in me." (p. 409)
É uma grande pena que eu não tenha trazido nenhuma citação do meu personagem favorito do livro. Porque o que esse cara falou, em mais de uma ocasião, devem ter sido as maiores lições que o livro pode trazer. Eu não me refiro ao muito inteligente advogado Mr. Jaggers, nem ao amável e leal Mr. Wemmick, não. As maiores lições foram trazidas pelo ferreiro sem modos e formação escolar: Joe Gargery. 

Ah, Joe. Suas palavras me fizeram chorar mais de uma vez. Seu amor fez meu coração ficar apertadinho mais de uma vez. No final, achei injusto o Pip querer voltar pra você, depois de tudo que ele fez (ou deixou de fazer). Mas o que você me mostrou é que você não se importa com o que eu penso, você não se importa com o que ninguém pensa. Você só queria seu garotinho de volta, e ele voltou pra você. 

Joe, ninguém neste livro te merece. 

Existem livros que para mim erraram de herói. Quando li "O Conde de Monte Cristo" de Dumas, não foi Dantes quem mais me impressionou. Aquele rapaz não era ninguém e teria continuado assim se não fosse o Abade Faria. O homem mais inteligente que havia e, que por passar seu conhecimento à frente, tornou-se o mais bondoso de todo o livro. 

Assim é Joe Gargery em "Great Expectations". Ah, Pip. Você às vezes é um personagem muito passivo, talvez culpa do seu criador, e por isso parece que tudo acontece ao seu redor e você não faz nada, apenas vê o mundo passar. Mas não é assim com Joe, que, apesar de ter crescido no meio da violência e ter entendido esta como uma fonte de amor (tal complicada era sua visão de mundo), não optou pela violência, vivendo como um baluarte da luz no meio da sociedade decadente de Dickens. 

Em conclusão, tem no meio o "romance" de Pip com Estella (romance este que não existe de fato); tem a perseguição, tem a surpresa quando é revelado quem é o verdadeira patrono de Pip e todo o papel que este vai desempenhar na última parte do livro; tem as provas de lealdade e amizade dadas por Herbert e Wemmick; tem a soberba, a pobreza, o dinheiro, a amargura. 

Ah, gente. Mas daqui a uns anos, quando eu não lembrar mais dessa história (do mesmo jeito que hoje acontece comigo quando penso no "Conde de Monte Cristo"), eu ainda vou carregar no coração a certeza de que Joe Gargery foi o grande aprendizado que tive com Great Expectations.