sábado, 31 de dezembro de 2022

2022: o resumo da ópera

A parte mais difícil de escrever essas retrospectivas é selecionar uma foto que represente bem o ano. Nunca tem e eu tenho que me virar nos trinta. Dessa vez foi essa aí (ela tá valendo porque foi parte da jornada literária que fiz a Brasília). Fazer o que né. O bom é que, desde que comecei o blog, tenho conseguido manter essa tradição de falar do ano que passou. 


1. Livros resenhados 

Este ano devo confessar que gostei bastante das minhas leituras. Sinto que estou aprendendo a selecionar melhor o que leio. Não tem como evitar: a commodity mais valiosa de todas ainda é o tempo. Então escolher como a gente gasta nosso tempo se torna essencial. Não fui eu quem ensinou isso, aprendi com Bill Gates e Stephen King.

2018: 27 livros
2019: 37 livros
2020: 40 livros
2021: 21 livros
2022: 35 livros

Antes de passar para a tabela em si, só gostaria de ressaltar como fiquei impressionado. Este ano nem parece que li tanto, mesmo tendo alcançado a marca de 35 livros. O que mais me impressiona, no entanto, é pensar que nos últimos cinco anos consegui ler 160 livros. 

E olha que falei do tempo: trabalho oito horas por dia (algumas vezes mais), tenho ministérios na igreja, escrevo minhas coisas, toco minhas músicas, namoro com minha esposa. Não tem segredo. É só saber usar o tempo que temos. Eu não leio horas a fio (é raro), mas, todo dia, antes de dormir, eu pego o livro da vez e leio um ou dois capítulos. Só isso. É bem pouco, mas no final chega nesse resultado que estamos vendo aí. Saca só a tabela.

Jan1) Great Expectations
Fev2) Pais e filhos
Mar3) Notas do subsolo; 4) A morte de Ivan Ilitch; 5) Ben Carson; 6) Flood
Abr7) Madame Bovary; 8) 1984; 9) A dama de espadas; 10) O guia do mochileiro das galáxias
Mai11) O restaurante do fim do universo; 12) Eldorado de Brisa
Jun13) The Gathering Dark; 14) Gente pobre; 15) O retrato de Dorian Gray; 16) Babel; 17) The Old Man and the Sea
Jul18) Olhai os lírios do campo; 19) Os testamentos
Ago20) A vida, o univeso e tudo mais; 21) O falecido Mattia Pascal
Set22) Abram; 23) Da terra à lua; 24) A lua na sarjeta; 25) A moreninha
Out26) Almas mortas; 27) O vendedor de sofás
Nov28) O capote e O retrato (um livro só); 29) Crônica de uma morte anunciada
Dez30) The Hunter and the Valley of Death; 31) A pérola; 32) Panton pia'; 33) Até mais, e obrigado pelos peixes; 34) Noites brancas; 35) Comédias para se ler na escola

Como li muita coisa boa nesse ano, não sei se consigo elencar quem foi o melhor. Talvez fiquem empatados "A morte de Ivan Ilitch", "The Old Man and the Sea" e "Crônica de uma morte anunciada". Todos absurdamente bons, que ficaram ecoando na minha cabeça por semanas mesmo depois que eu terminei a leitura. 

Agora, pra elencar os ruis, infelizmente Flood, Babel e Abram ganham também empatados. Infelizmente, como falei nas resenhas deles, o autor perdeu a mão e a história se tornou terrivelmente engessada e sem graça. Uma grande pena, porque esta série começou muito, muito bem.


2. Concursos literários e produções

Vamos começar logo pela tabela, que fala por si. Desta vez resolvi anotar também não só qual seria o prazo do resultado do concurso, mas também quando eu enviei, pra ter uma ideia geral de quanto tempo leva pra sair o resultado (muito embora eu saiba que isso varia caso a caso).

(lembrando que "Talvez" são aqueles que enviei esse ano, mas que o resultado só sai no ano que vem)

 Obs.: clique na tabela pra ver melhor, se eu tentar colocar ela no tamanho maior, fica tudo cortado).

Novamente, creio que os números falam por si, não é? Consegui enviar pra ainda mais concursos que no ano passado (foram 35 da última vez), e cheguei a 46 esse ano. Em 2022, cheguei à marca de 7 textos publicados. Isso é bom ou ruim? Eu não sei. Porque se compararmos com o total de publicações, temos aí uma crescente, mas não uma crescente proporcional.

Isso quer dizer que, embora neste ano eu tenha novamente criado um novo recorde pessoal, na proporção isto não significa que meu aproveitamento tenha sido melhor. Para fins de registro, eis a situação:

2018: 18 textos enviados, 4 aprovados → 22% de aproveitamento
2019: 17 textos enviados, 4 aprovados → 23% de aproveitamento
2020: 18 textos enviados, 6 aprovados → 33% de aproveitamento
2021: 35 textos enviados, 6 aprovados → 17% de aproveitamento
2022: 46 textos enviados, 7 aprovados → 15% de aproveitamento

O que estes números significam, de fato? 
Porcaria nenhuma. 
São só números. 

O que vale mais a pena no currículo? Com certeza é ter mais publicações. Tudo que isto indica é que neste ano resolvi aceitar mais "nãos", já que era evidente que eu jamais conseguiria receber apenas "sims". Isto serve pra mostrar também os bastidores de quem é selecionado em concursos literários: a quantidade de "nãos" é sempre muito maior do que os "sims". Aceitar e saber lidar com este fato é essencial pra quem quer ser um verdadeiro artista.


Pra finalizar este tópico, tenho pelo menos dois pontos que valem a pena ser ressaltados. 
1) Publiquei meu primeiro conto em inglês! Ele ainda não saiu na revista literária dos EUA, mas assim que ele ficar disponível, vou compartilhar com todo mundo!
2) Terminei a edição de "Pois é e outos microcontos", meu próximo livro de microcontos a ser lançado em Março/2023 se tudo der certo!


#O resumo da ópera
  • Livros lidos: 35
  • Textos escritos: faz cinco anos que não mantenho esse controle, evidente que não é agora que vai começar né
  • Textos enviados pra concursos literários: 46
  • Textos aprovados: 7
No fim das contas, considero que 2022 foi um ano sólido, estável. Se não teve nenhuma grande revelação, também não teve nenhuma grande decepção — algo que, tendo em vista os últimos anos, eu considero até mesmo um avanço. Para 2023, quero escrever meu primeiro romance. Isto é oficial. Eu deveria tê-lo escrito este ano, mas, bem, não deu né, fazer o que. Vamos olhar pra frente, colocar a bunda na cadeira e escrever. 

Na arte, assim como na vida, não tem segredo. Para conseguir fazer algo bem feito: é necessário esforço. Então venha, 2023. Venha. 

sábado, 17 de dezembro de 2022

Resenha — Comédias para se ler na escola

VERÍSSIMO, Luis Fernando. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

Depois de ler este livro, duvido que algum jovem ainda seja capaz de dizer, sinceramente, que não curte ler. (p. 15)
A primeira vez que li este livro eu estava no Ensino Fundamental. E a citação acima, de Ana Maria Machado, não podia ser mais verdadeira. Por isso preciso começar esta resenha tirando o chapéu para ela, que selecionou e organizou as crônicas e textos de Luis Fernando Veríssimo que compõem essa obra. Não sei se este livro teria decolado e alcançado tantos se não fosse pelo trabalho dela.

A obra em si é uma coletânea de textos, crônicas, contos de Luis Fernando Veríssimo. Os textos são sempre curtos, bem-humorados, fáceis e divertidos de serem lidos por leitores de todas as idades, de todos os estilos literários. Não consigo imaginar alguém que sinceramente não consiga gostar dessa obra.

Embora já tivesse lido-a há um bom tempo, várias das histórias eu lembrava direitinho como começavam e terminavam. Isto não significa, porém, que não houve algumas que me surpreenderam e outras que me fizeram gargalhar (O recital foi uma delas).

Olhando para o título das histórias, vejo que os meus se parecem muito com estes. Apenas duas palavras, quando muito três ou quatro. Títulos simples e que tentam traduzir bem o conteúdo do texto. Gente... tudo indica que fui influenciado pelos Veríssimos novamente, mesmo sem perceber. Até que ponto esse povo consegue ser tamanha influência na minha vida?!

Não tenho resposta pra isso, porque quanto mais eu me aproximo deles, cada vez descubro um pouco mais de mim mesmo nos textos. É por isso que esse livro vale a pena ser lido.

Semana passada uma mãe entrou em contato comigo pedindo que eu sugerisse leituras para seu filho pré-adolescente que tem se interessado bastante pela leitura. Na ocasião, só me veio à mente Sherlock Holmes e Guia do Mochileiro das Galáxias. 

Dias depois, contemplando minha estante, vi Comédias para se ler na escola. Naquele momento eu sabia. Tirei o livro da estante, ciente de que o leria pela última vez. Está na hora de passar essa belezura para outra pessoa desfrutar. 

Não se engane, isso não é uma despedida. Vou comprar outro exemplar pra mim depois. Tá achando que sou besta? 

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Resenha — Noites brancas

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Noites brancas. Jandira: Principis, 2019.


Quem diria que o segredo pra ler bastante é ficar doente, né? Pois é. Consegui pegar uma senhora gripe e disso resultou ler vários livros em pouco tempo. Tá certo que não eram livros grandes; mas quando não se tem energia pra mais nada, não resta opção senão deitar e devorar livros. Fato aleatório à parte, vamos à resenha.

Não é de hoje que tenho elogiado as edições da Principis. São edições de baixo custo, com papel simples, mas tudo via de regra bem trabalhado pra fornecer ao leitor aquele custo-benefício maroto. Porém, no caso de "Noites brancas", achei que deixaram a desejar no formato do livro. Por ser uma história pequena, talvez pudessem ter diminuído as dimensões, pra que a leitura ficasse mais confortável e o leitor não ficasse com medo da fragilidade do papel.

Além disso, penso que a tradução (ou o seu revisor) deslizou em alguns momentos de inconsistência (por exemplo, em alguns lugares era Pushkin, enquanto em outros era Púchkin). E, sinto dizer, a fonte que os caras escolheram para os títulos dos capítulos foi horrível. Ela mais confunde o leitor do que ajuda, ficando até difícil de distinguir as letras.

Bom, sobre a história, devo contar outra anedota e dizer que este livro teve sobre mim um efeito Mandela: achei que já tinha lido "Noites brancas", mas estava confundindo com "Noite" de Érico Veríssimo (livro que, aliás, tenho que resenhar aqui porque é muito bom).

Em Dostoiévski, acompanhamos os encontros noturnos entre o Sonhador e Nástienka, às margens de um rio em São Petersburgo, na época das "noites brancas", que são um fenômeno natural do mundo setentrional em determinadas épocas do ano, quando o sol se põe mas ainda permanece sobre a linha do horizonte, trazendo claridade ao céu noturno.

Quem conhece Dostoiévski (e olha que já resenhei bastante coisa dele aqui), sabe que ele tem um estilo muito característico. O que choca em "Noites brancas" é que não encontramos nada desse estilo. Pelo contrário, estamos diante de um Dostoiévski romântico! Eu nem sabia que isso poderia existir! Saca só a abordagem poética do cara no trecho abaixo:
Diga-me por que, Nástienka, por que então nesses momentos sente-se o espírito constrangido? Por que a partir de um feitiço, de um árbitro misterioso, o pulso acelera, jorram lágrimas dos olhos do sonhador, ardem as suas bochechas pálidas e úmidas e esse prazer irrefutável preenche toda a sua existência? (p. 35)
Dostoiévski? É você mesmo, meu fi? Se for você, devo confessar que em alguns momentos o tom geral dos diálogos é tão poético que tive dificuldade de acompanhar a narrativa embutida neles. O autor aqui se aproxima demais daquele lirismo em prosa que tanto caracterizou os escritores do período romântico.

Isto não significa, é claro, que não haja momentos belos na narrativa e frases construídas que me fazem parar e relê-las. Pode ser besteira minha, mas achei esse parágrafo abaixo tão bonito, que voltei nele mais de uma vez. Acho que foi o impacto da simplicidade somada à beleza:
O meu coração estava cheio. Eu queria falar, mas não conseguia. (p. 67)
Ah, e que final, senhoras e senhores. Que final! É ali que nos encontramos com o Dostoiévski que tanto conhecemos — ou, pelo menos, com um lampejo daquele autor que nos acostumamos a ver. É Dostoiévski com outro tempero, sei lá, não sei explicar. No final claramente vemos que é ele, mas... é como se o víssemos usando outras roupas pela primeira vez, com um penteado novo, um perfume diferente. Claramente é a mesma pessoa, mas não é. Estranhamente familiar e desconhecido ao mesmo tempo. 

Novamente sendo surpreendido com este cabra. Um dia, Dostoiévski, terei lido sua obra completa, anota aí.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Resenha — Até mais, e obrigado pelos peixes

ADAMS, Douglas. Até mais, e obrigado pelos peixes!. São Paulo: Arqueiro, 2010.


E aqui estamos nós de novo com mais um livro da "trilogia de cinco" escrita pelo fenômeno-gênio da literatura de ficção científica / zoeira desmedida (vulgo "non-sense"), Douglas Adams. Este é o número 4, falta só mais um pra ter oficialmente relido todos. Pra fins de registro, os outros livros (e suas respectivas resenhas) são: O guia do mochileiro das galáxias, A vida, o universo e tudo o mais, e O restaurante no fim do universo.

Em Até mais, e obrigado pelos peixes, nos encontramos num grande paradoxo: Arthur Dent está de volta à Terra. É isso. Por que é um paradoxo? Simplesmente porque a Terra foi destruída no primeiro capítulo do primeiro livro desta saga. Como diabos, então, ele está de volta ao planeta, como se nada tivesse acontecido?

Novamente estamos diante do brilhantismo que já cansei de falar nos outros livros de Douglas Adams: frases certeiras, parágrafos lotados de inuendos e informações interessantes, páginas repletas de ironias e indiretas. O cara é um absoluto gênio em conseguir transmitir tanta coisa com tão pouco.

Nós já estamos num ponto com essas resenhas que eu praticamente já não tenho mais o que falar dos livros. Só me restaria destrinchar o enredo aqui, mas acho que não convém, porque não quero roubar o leitor do espetáculo que são estes livros. Cada um vale MUITO a pena ser lido.

O grande segredo da leitura é: não leia tudo de uma vez. Dê a você mesmo tempo para digerir e absorver tudo. Esse foi meu erro há anos atrás, quando li-os em sequência e de uma tacada só. Agora, anos depois, aprendendo com a experiência, posso garantir que tive uma leitura bem melhor. 

Aliás, esse livro me mostrou um erro: eu achava que Arthur Dent tinha aprendido a voar numa situação bem específica, num ocaso bem dramático (que provavelmente está no próximo livro). Mas foi tudo um efeito Mandela, porque na verdade Arthur já tinha aprendido a voar bem antes.

Por fim, acho que meu único comentário de fato sobre este livro em específico é que acho que neste volume, mais do que nos outros, o autor não tem pena de quebrar a quarta parede e várias vezes conversar com o leitor, em trechos super inspirados como esse:
Os que querem respostas devem continuar lendo. Outros podem preferir pular direto para o último capítulo, que é bem legal e é onde aparece o Marvin. (p. 99)
No fim das contas, posso apenas recomendar o manual oficial de qualquer nerd que se preze: a coleção do Guia do Mochileiro das Galáxias.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Resenha — Panton pia'

FIOROTTI, Devair; FLORES, Clemente. Panton pia': a história de Macunaima / Makunaimü Pantonü. Boa Vista: Wei, 2019.


Essa com certeza vai entrar pra lista de resenhas estranhas que eu faço. Não só porque este livro é bem diferente do que já li por aí, como também tem alguma carga emocional por ter sido escrito pelo finado Devair Fiorotti, homem que foi um marco para a arte roraimense.

Deixe-me começar pela edição, que é um primor. O livro não tem o tamanho tradicional de 14x21cm, mas sim 23x28cm. A princípio achei o tamanho exagerado, mas sinceramente acho que compensa. Porque as ilustrações internas ganham maior destaque e elas, em si, já são um espetáculo à parte. Além disso, imagino que o tamanho e as figuras possam ser bons atrativos para um público leitor infantil.

Não curti que a obra não tem numeração de páginas (que me quebrou as pernas na hora de fazer as citações rsrsrs), mas isso é de menos. A qualidade do livro é sensacional: gramatura excelente, capa bem trabalhada, design das páginas muito bem trabalhado valorizando as ilustrações. Talvez a fonte escolhida tenha sido um pouco metódica demais e não tenha visualmente a mesma pegada do resto do livro (mas a que ponto chega a frescura de alguém, né? Saudades do tempo que nem pensava nessas coisas).

Além disso, há algo de sensacional na obra: ela é bilíngue. Ao contar uma história do povo Taurepang, o autor teve a sensibilidade de que o registro não fique apenas no idioma português, mas no idioma pátrio daquele povo. Fantástico.

E já começando a falar um pouco sobre a obra, até agora ainda não entendi direito o que li. Foi um mito? Uma obra de ficção? Foi um trabalho acadêmico? Tudo isso se mistura demais nessa obra, porque foi justamente parte da pesquisa acadêmica feita pelo autor. Além disso, tenho certeza que há antropólogos e outros pesquisadores bem mais qualificados que eu pra dizer do que se trata de fato esta obra. Para mim, acho que, no fim das contas, este livro conta uma história.

A história é retratada como sendo de Makunaima. Mas na verdade durante o trajeto todo Makunaima está com seu irmão Xicö, que, por sinal, é o verdadeiro peralta e esperto da história. A narrativa inicia com os dois na infância e sua mãe, saindo de casa para ir atrás do pai que foi caçar. Porém, no meio do caminho são enganados, perdem a mãe e agora têm que seguir viagem sozinhos.
[...] tinha pé de patauá e pé de inajá bem perto assim como tá aqui, ao redor de nós, e outro também aí, do outro lado! Pé de najá, pé de patauá. O qu é que Macunaima fez? Vão subir lá. Volta a subir no pé de inajá. Ficaram lá. (p. ?, mais ou menos do meio pro fim da história)
É evidente que a estrutura da narrativa é muito distinta das que estamos acostumados a ver, especialmente porque se trata de uma cultura diferente, de toda uma construção linguística diferente. Então não há jornada do herói, tampouco fica explícita quais as necessidades ou objetivos dos personagens, há apenas uma série de acontecimentos que acompanhamos.

Perguntei-me acima se o livro era um mito, porque em vários momentos da história vemos ações dos personagens que levam o narrador a dizer coisas como "e é por isso que até hoje é assim". Além disso, pelo pouco que pude extrair dos personagens, tanto Makunaima quanto seu irmão são capazes de se transformar em diferentes animais para sair das mais diversas situações. Durante toda a narrativa, os dois se provam bem espertos, algumas vezes mesquinhos e em outras vingativos.

Entre os personagens, além dos irmãos, vale destacar: Dona Sapa, Onça, Cotia, Senhor Garça, e o meu favorito: o Quatipuru. É o meu favorito porque, gente, talvez eu seja apenas urbanizado demais... porém eu não fazia ideia que na Amazônia existiam esquilos! E creio que jamais saberia disse se não tivesse lido este livro!

Bom, no fim das contas, achei a narrativa incompleta. O próprio narrador, seu Clemente Flores, da Comunidade Sorocaima I, Terra Indígena São Marcos, admite que algumas coisas ele não se lembra direito e outras ele só está contando porque foi assim que contaram para ele. São os ossos do ofício da tradição oral. Fazer o que, né? Acho que Makunaima nunca terá sua verdadeira história revelada. Será para sempre um símbolo do enigma que é a cultura brasileira.

sábado, 10 de dezembro de 2022

Resenha — A pérola

STEINBACK, John. A pérola. Rio de Janeiro: BestBolso, 2007.


Eu não entendo por que há livros que me batem tanto. Não entendo como pode haver uma história tão bem escrita que fica reverberando na minha mente por tanto tempo, mesmo depois que eu já a li toda. É um verdadeiro mistério que eu fique regurgitando e procurando cada pequeno significado escondido em frases, expressões, acontecimentos, linhas, parágrafos. Como pode?
Contam na vila a história da grande pérola [...]. Falam de Kino, o pescador, de Juana, mulher dele, e do garoto Coyotito. E tantas vezes foi contada esta história que se gravou na cabeça de todos. E como acontece com todas as histórias repetidas que ficam no coração dos homens, há coisas boas e más, coisas pretas e brancas, bens e males sem nada no meio. (p. 6)
Eu já havia lido Steinback antes com "Of mice and men" (resenha aqui) e já sabia que o cabra era bom. Foi por isso que encontrei esse livro baratinho na Estante Virtual e aí resolvi comprar. Nossa como valeu a pena. Uma edição de bolso maravilhosa de se ler e de se ter.

A história de "A pérola" é exatamente essa que está na citação aí em cima. O que eu gostaria de chamar a atenção é que o livro encontra-se naquele limiar misterioso na língua portuguesa entre o "conto" e o "romance". Ao mesmo tempo que não é um romance literário (por conta da sua extensão) também não é um conto (por conta da sua extensão). Ou seja, vive no limbo do "pequeno demais pra um livro" x "grande demais para um conto". 

Há quem chame esse limiar de "novela". Mas a verdade é que o próprio termo "novela" já traz tantos significados no português brasileiro que é difícil usar o termo assim. Quiçá uma "novela literária"? Ou uma "noveleta"? Que tal simplesmente "um conto grande pra caramba"? Ou "um livro pequenininho"?

A verdade, porém, é que Steinback consegue escrever pouco e passar MUITO. Pra começar que a sua narrativa é arrebatadora. Já no primeiro capítulo somos fisgados sem dó nem piedade, e não nos resta outra opção senão continuar lendo a história até o fim — que, aliás, não decepciona.

É um absurdo a capacidade do autor em inserir pequenos símbolos no meio do texto sem que eles se tornem supérfluos ou prejudiquem o andamento da história. É justamente o contrário! Ele constrói o cenário ao mesmo tempo em que apresenta os símbolos. Que isso, mano! Que habilidade fenomenal é essa, que elegância no uso da literatura como arte e como ferramenta!

Confesso que terminei de ler o livro me tremendo um pouco. Não consegui desgrudar das páginas e, quando tudo acabou, fiquei me perguntando e me perguntando e me perguntando. Tenho certeza que há muitas coisas que eu deixei passar, simplesmente porque este não é o tipo de livro que você consegue absorver tudo numa lida só. 

Obra que vai ficar bem guardadinha na minha estante, esperando a revisita.

domingo, 4 de dezembro de 2022

Resenha – The Hunter and the Valley of Death

McPHERSON, Brennan. The Hunter and the Valley of Death. Sparta: McPherson Publishing, 2018.


Então. Aqui estamos nós com mais um livro de ficção cristã de Brennan McPherson. Finalizei a leitura da série "The Fall of Men", resenhando todos eles (em ordem de publicação: Cain, Adam, Flood, Babel, Eden, e Abram), e agora foi a vez de ver o último livro que faltava dentre todos os que ele já publicou. Vamos à resenha.

Este livro tem uma pegada diferente da série anterior apenas no sentido de que não trata de gente que realmente existiu. Enquanto em "The Fall of Men" o autor mistura fantasia com ficção bíblica (e o faz muito bem), dessa vez ele mistura fantasia com ficção cristã. 

A história é de um Caçador, que, para salvar seu Amor, desce até o Vale da Morte, onde ele tem um único objetivo: matar a Morte, antes que ela o alcance. 

O livro é boa ficção cristã, com uma abordagem que lembra muito os simbolismos que Lewis fez em Nárnia. Cada personagem tem um significado, há várias referências explícitas ou veladas a diferentes textos ou expressões bíblicas. 

Pra mim o livro tem boas sacadas, utilizando conceitos e trabalhando o desenvolvimento da história pra fortalecer estes conceitos. Porém pra mim ele peca pelo excesso de descrição e até de narração. Mesmo nos momentos que deveriam ser clímax, o autor opta por simplesmente narrar o fato. 

Eu posso dar uma colher de chá porque o gênero fantasia é um gênero muito descritivo. Quando se fala de uma cidade de elfos no meio da floresta mágica... como você vai criar referências para o leitor se não descrever essa cidade minimamente? Mas pra mim o autor precisava ter feito isso com alternância, aos poucos, em vez de encher vários parágrafos com muitas informações pro leitor. Informações essa, diga-se de passagem, que nem sempre eram relevantes.

Além disso, pra mim final foi um pouco decepcionante: o cara faz tudo errado e ainda consegue o que quer. A jornada dele não me pareceu completa, as mudanças soam muito superficiais. O personagem mais fala que mudou, do que de fato demonstra que mudou. Do meu ponto de vista as mudanças ocorrem apenas no epílogo, ou seja, depois que a história já até acabou.

Não obstante, ratifico quando disse que é boa ficção cristã, porque o autor claramente conhece suas referências e sabe do que está falando. Se eu não curti muito o desenvolvimento das premissas que o livro tinha para oferecer, bem, aí são outros quinhentos. No fundo acho que é um livro que vale a pena para introduzir pessoas a uma boa literatura cristã.