sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Resenha — Noites brancas

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Noites brancas. Jandira: Principis, 2019.


Quem diria que o segredo pra ler bastante é ficar doente, né? Pois é. Consegui pegar uma senhora gripe e disso resultou ler vários livros em pouco tempo. Tá certo que não eram livros grandes; mas quando não se tem energia pra mais nada, não resta opção senão deitar e devorar livros. Fato aleatório à parte, vamos à resenha.

Não é de hoje que tenho elogiado as edições da Principis. São edições de baixo custo, com papel simples, mas tudo via de regra bem trabalhado pra fornecer ao leitor aquele custo-benefício maroto. Porém, no caso de "Noites brancas", achei que deixaram a desejar no formato do livro. Por ser uma história pequena, talvez pudessem ter diminuído as dimensões, pra que a leitura ficasse mais confortável e o leitor não ficasse com medo da fragilidade do papel.

Além disso, penso que a tradução (ou o seu revisor) deslizou em alguns momentos de inconsistência (por exemplo, em alguns lugares era Pushkin, enquanto em outros era Púchkin). E, sinto dizer, a fonte que os caras escolheram para os títulos dos capítulos foi horrível. Ela mais confunde o leitor do que ajuda, ficando até difícil de distinguir as letras.

Bom, sobre a história, devo contar outra anedota e dizer que este livro teve sobre mim um efeito Mandela: achei que já tinha lido "Noites brancas", mas estava confundindo com "Noite" de Érico Veríssimo (livro que, aliás, tenho que resenhar aqui porque é muito bom).

Em Dostoiévski, acompanhamos os encontros noturnos entre o Sonhador e Nástienka, às margens de um rio em São Petersburgo, na época das "noites brancas", que são um fenômeno natural do mundo setentrional em determinadas épocas do ano, quando o sol se põe mas ainda permanece sobre a linha do horizonte, trazendo claridade ao céu noturno.

Quem conhece Dostoiévski (e olha que já resenhei bastante coisa dele aqui), sabe que ele tem um estilo muito característico. O que choca em "Noites brancas" é que não encontramos nada desse estilo. Pelo contrário, estamos diante de um Dostoiévski romântico! Eu nem sabia que isso poderia existir! Saca só a abordagem poética do cara no trecho abaixo:
Diga-me por que, Nástienka, por que então nesses momentos sente-se o espírito constrangido? Por que a partir de um feitiço, de um árbitro misterioso, o pulso acelera, jorram lágrimas dos olhos do sonhador, ardem as suas bochechas pálidas e úmidas e esse prazer irrefutável preenche toda a sua existência? (p. 35)
Dostoiévski? É você mesmo, meu fi? Se for você, devo confessar que em alguns momentos o tom geral dos diálogos é tão poético que tive dificuldade de acompanhar a narrativa embutida neles. O autor aqui se aproxima demais daquele lirismo em prosa que tanto caracterizou os escritores do período romântico.

Isto não significa, é claro, que não haja momentos belos na narrativa e frases construídas que me fazem parar e relê-las. Pode ser besteira minha, mas achei esse parágrafo abaixo tão bonito, que voltei nele mais de uma vez. Acho que foi o impacto da simplicidade somada à beleza:
O meu coração estava cheio. Eu queria falar, mas não conseguia. (p. 67)
Ah, e que final, senhoras e senhores. Que final! É ali que nos encontramos com o Dostoiévski que tanto conhecemos — ou, pelo menos, com um lampejo daquele autor que nos acostumamos a ver. É Dostoiévski com outro tempero, sei lá, não sei explicar. No final claramente vemos que é ele, mas... é como se o víssemos usando outras roupas pela primeira vez, com um penteado novo, um perfume diferente. Claramente é a mesma pessoa, mas não é. Estranhamente familiar e desconhecido ao mesmo tempo. 

Novamente sendo surpreendido com este cabra. Um dia, Dostoiévski, terei lido sua obra completa, anota aí.

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