terça-feira, 26 de março de 2024

Resenha — Under the dome

KING, Stephen. Under the dome. New York: Scribner, 2009.


Nem lembro qual foi a última vez que li um livro com mais de mil páginas. Agora uma coisa é certa: ler um livro com mais de mil páginas em 11 dias, isso eu nunca tinha feito. Até agora.

Eu já sabia que a história ia ser boa porque é Stephen King. Apesar de qualquer defeito, eu sei que o homem entrega. Mesmo que nem sempre eu goste de suas escolhas, ele vai amarrar as pontas soltas no final e explicar por que tudo está acontencedo.

Nesse caso, acompanhamos a vida de uma cidade de interior nos EUA que um dia simplesmente se vê sob uma redoma impenetrável. Não importa o que façam, aquilo não sai. E aí a cidade agora tem que se resolver internamente: disputas políticas locais de repente se tornam quase distopias, problemas com recursos agora são uma questão de sobreviver ou morrer, pontas soltas que nunca resolvemos agora não têm mais como ser adiadas.

O bom é que Steven King é honesto com seu leitor. Está no título que há uma redoma ao redor de uma cidade. Tão logo o evento acontece, ele respeita a inteligência do leitor e segue em frente. 

Sobre o estilo de King, me agrade muito que ele seja despojado. Aliás, no caso desse livro, reparei que ele começa os capítulos com frases curtas, de quatro ou cinco palavras. É interessante porque logo capta a curiosidade do leitor. Por outro lado, fica meio repetitivo e cansa. Parece que sempre que um capítulo vai terminar ou começar tem aquele "mistério", oh, que frase curta e cativante.

Uma outra coisa que chamou a atenção é que para um escritor de mistério e terror, Stephen King faz umas descrições as vezes muito realistas. Muito realistas. Estou falando de cenas de violência, quase beirando o gore, e até mesmo cenas de abuso que estão no limite de não ir longe demais pro meu gosto. Por outro lado, a gente também não pode criticar um gênero por fazer o que ele se propõe. Esse flerte com o gore é algo típico do terror e suspense, então King só está sendo fiel ao seu estilo.

Agora, a estrutura, meus amigos, é uma obra de arte. A teia de acontecimentos é trançada de um forma tão coesa, que os interesses dos personagens convergem de forma natural, como se o que aconteceu fosse acontecer mesmo. Embora mais perto do final eu ache que o roteiro tenha dado umas forçadas, a maior parte do livro se desenrola de forma absurdamente natural.

Some-se a isso o fato de que o homem é uma máquina de reviravoltas. É "vish" atrás de "eita". Quando a gente acha que não pode acontecer mais nada inesperado, vem algo totalmente inesperado. 

Para concluir: essa é outra obra de King que não decepciona. Achei o final meio anticlimático, e alguns acontecimentos eu esperava que tivessem mais ênfase. Mas isso são apenas expectativas. A verdade é que King mostrou nessa obra uma maestria e capacidade de coordenação literária que eu nem invejo: a verdade é que acho que jamais conseguiria chegar lá. E pra mim está tudo bem. O cara é bom mesmo.

quinta-feira, 14 de março de 2024

Resenha — Ready Player Two

CLINE, Ernerst. Ready Player Two. New York: Ballantine Books, 2021.


Ok, vamos lá. Que porcaria de livro. Bem que ainda tentaram me avisar que esse segundo livro em nada parecia com o primeiro. Jogador nº 1 continua sendo muito bom, mas realmente não podemos dizer o mesmo de sua continuação.

Verdade seja dita, o livro até começa bem, apresentando dilemas morais bem interessantes. Pode o dinheiro salvar o planeta? Seria ético usar o dinheiro para uma viagem interplanetária, salvando apenas alguns, mas garantindo o futuro da humanidade? É certo dar às pessoas uma forma de escapismo para que a vida seja melhor vivida?

Mas tudo isso logo se perde com o ritmo lento que o autor resolveu imprimir na obra. De repente não estamos mais lendo um livro de aventura, é só papo-cabeça. E do pior tipo: aquele que não leva a lugar nenhum. Uma conversa de bar teria sido mais interessante.

Enquanto no primeiro livro cada descrição servia a um propósito, no segundo Cline parece estar apenas enchendo linguiça. Infelizmente, não queremos longas descrições sobre videogames dos anos 80 ou de cantores que o autor gosta, a não ser que isso contribua diretamente pra história. Aliás, eis o que queremos e não temos: uma boa história.

Pra ter uma ideia, na página 116 do livro o autor resolve introduzir o vilão da história (o que serviu pra mostrar como as outras 115 páginas eram só perda de tempo). De repente fiquei animado, pensei que a coisa ia pra frente. Mas mesmo a história tendo um gancho bom, ela custa a seguir em frente o autor desperdiça todo o senso de urgência. Quanto mais eu lia, mais evidente ficava que era realmente só pra encher linguiça.

Me entristeceu ver que Ernest Cline se rendeu ao Zeitgeist. Em vez de escrever boas histórias, resolveu escrever propaganda ideológica. E ainda se lascou no processo, porque os integrantes do movimento disseram que só citar que uma personagem é trans e deixar isso pra lá não é o mesmo que representatividade. Ou seja, foi pra ele largar de ser besta.

Conforme fui me aproximando do fim do livro, uma pergunta não saía da minha cabeça: por que diabos o autor escreveu esse troço? Claramente ele sabe fazer um bom livro, eu li o primeiro. Então o que deu na cabeça dele pra fazer uma coisa tão ruim dessa?

Comecei a matutar: a propaganda ideológica, a tentativa de ganhar um público-alvo, o sucesso do primeiro livro que foi transformado em filme... Então a ficha começou a cair. Bastou uma pesquisa no Google pra confirmar minhas teorias: depois do sucesso do filme, a vontade de grana e fama falou mais alto. 

Cline literalmente escreveu o segundo livro só pra poder lançar outro filme. Agora tudo faz sentido. Pouco importa se a história é boa ou não, ele só queria uma justificativa para ter outra bilheteria que lhe rendesse alguma grana. Aliás, Spielberg já confirmou que estará na direção desse filme também.

Só tenho uma coisa a dizer: eu é que não vou assistir. Ah, e não perca seu tempo com o livro também. Se não ler, sua experiência com Jogador nº 1 será melhor.

domingo, 3 de março de 2024

Re-resenha — Jogador nº 1

CLINE, Ernest. Jogador número 1. Rio de Janeiro: LeYa, 2018.


Esta é oficialmente a primeira releitura registrada nesse blog (daí o nome "re-resenha"). Em Março de 2019 eu li este livro e até fiz uma resenha dele (disponível aqui); mas a magia aconteceu. A magia da minha amnésia aconteceu. Eu simplesmente não lembrava mais muito bem da história. Eu adoro quando isso acontece. É como se fosse minha capacidade mágica de reviver histórias de novo, quase como se fosse a primeira vez.

Eu certamente lembrava de boa parte da história. De como Wade Watts participava da corrida pelo controle do OASIS, o famoso jogo de Halliday. Mas havia muitos, muitos, detalhes dos quais eu não lembrava. Não foram poucos os momentos no livro que me peguei "Eita!" ou então "Meu Deus! E agora?", como se nunca tivesse visto aquilo antes.

Sobre a narrativa, a sequência de fatos é muito eletrizante. Tal como num videogame de verdade, me vi de tal forma envolto pela narrativa que li por mais de 1h sem ver o tempo passar. Eu lembrava que o livro perdia um pouco de fòlego no segundo ato, mas retoma com um final sensacional. Algumas vezes o roteiro dá umas forçadas, mas estamos tão envolvidos na história que não ligamos. São aquelas conveniências que perdoamos e até gostamos.

Cito algo que mencionei na primeira resenha, onde lembro que há um blurb do USA Today que diz que o livro é quando: "Willy Wonka se encontra com Matrix". Ainda hoje, cinco anos depois, a descrição é perfeita.

Aliás, muito interessante isso de revisitar minha primeira resenha, porque me encanta ver que me deparei com percepções muito parecidas com o Gabriel do passado, como pensamos de modo tão parecido, por exemplo com a nossa constante pulga atrás da orelha toda vez que Cline usa o número 42.

Pensando nos dias contemporâneos, acho que o que é mais refrescante da leitura de Jogador nº 1 é ver uma narrativa sem bandeiras, mas focada em contar uma boa história. E, putz, que boa história.

Revisitei esse livro porque adquiri recentemente a continuação dele, Jogador nº 2, e queria relembrar dos detalhes da história. Desejem-me sorte, espero que o livro seja tão bom quanto o primeiro e eu possa voltar daqui a poucos dias para dizer exatamente isso. Desejem-me sorte.

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Resenha — For now, forever

ROBERTS, Nora. For now, forever. New York: Harlequin Books, 2007.


Nora Roberts, nunca mais.

Vi esse livro por 3 dólares e pensei que seria uma boa adquiri-lo. Conquanto eu não goste de livros de romance, um bom artista precisa ser minimamente eclético e ler de tudo um pouco, nem que seja para ver o que não fazer em uma história. 

For now, forever é a história do casal Daniel McGregor e Anna Withfield, ele um homem de negócios bem sucedido e ela uma estudante de medicina oriunda de uma família rica. Eles se encontram num baile, ele meio que tem amor à primeira vista e ela "não sabe o que quer ainda". 

Esse livro é uma palhaçada. É por causa de narrativas como essa que se normaliza muita coisa na cabeça de meninas (claramente o público-alvo da autora) e depois elas ficam frustradas ou decepcionadas com as próprias escolhas.

A começar, me assusta como o personagem de Daniel é meio abusivo. Ele meio que agarra a mulher, mesmo ela dizendo não, porque, na verdade, "ela queria sim". Há uma insinuação aqui dizendo: a mulher gosta de ser pegada, mesmo que ela esteja dizendo não. Horrível.

Segundo, a instituição do casamento é totalmente descartável. Paradoxalmente, o homem quer casar com ela, mas ela diz que quer se formar em Medicina primeiro e, mesmo assim, não vai dar garantias de que vai querer se casar com ele. Mas... então ela decide ir morar junto com ele. Oi? Pera... não era a carreira em primeiro lugar e talz? Uma completa distorção. Ah, e ela faz isso simplesmente abandonando os pais. Sai sem dizer nada, simplesmente vai morar com outro homem. A ideia de família, pff, também totalmente descartável. 

O que importa aqui é o individualismo supremo de Anna. Ela quer o que ela quer e pronto, e todo mundo tem que se conformar com isso. Ela não pode ceder, não, porque ela é quem está certa e todo mundo tem que aceitar. No relacionamento dela com Daniel, ela sempre está certa e Nora Roberts faz do homem quase um capacho em alguns momentos. Ridículo, uma completa falta de noção de como um bom relacionamento funciona.

Fora, que o livro deixa muito evidente um dos principais problemas de livros de romance: como tudo tem que ser sobre o casal, o drama ao redor deles se perde, ao ponto de uma cena de luto ser seguida imediatamente por um picnic, com direito a uma furunfada no final. Uma coisa completamente destoante. Uma hora estamos lidando com a perda de uma personagem interessante, pra imediatamente depois nos vermos diante de três páginas de descrição de cena de sexo. 

O livro está muito próximo daquelas novelas da Globo que enalteciam o adultério: o homem começava a história casado, a mulher era sempre uma megera, e ele sempre encontrava uma novinha que era "o amor da sua vida", então não só podia trair a esposa, como a novela incentivava. De forma similar, esse livro é tudo que tem de errado com as noções contemporâneas distorcidas do que é o amor, do que é um bom relacionamento, do que é o casamento, do que é família.

Eu sinto muitíssimo a todas as mulheres que se deixam levar por esses contos da carochinha, criando falsas noções da realidade e, por consequência, vivendo vidas amorosas frustradas. Amor é muito mais que o que "eu quero" ou o que eu "sinto". Por favor, não usem esse livro como base.

Nora Roberts, nunca mais.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Resenha — A wizard of Earthsea

LE GUIN, Ursula K. A Wizard of Earthsea. New York: Bantam Books, 2004.


Esse não comprei. Meu amigo Brennan McPherson teve a bondade de me emprestar esse livro porque eu tinha acabado de terminar The catcher in the rye e não tinha nada para ler na viagem de volta. É o primeiro livro emprestado que pego em muitos anos. 

É uma história que chamaríamos de "alta fantasia". Eu não gosto muito desses termos, uso este aqui só para fins didáticos e porque me dá menos trabalho pra explicar. É um mundo onde a magia é comum, num período pré-industrial, onde magos, feiticeiros e bruxas fazem parte da dinâmica. 

Aqui acompanhamos a vida de Sparrowhawk, ou Ged (que é seu Nome Verdadeiro), na sua jornada a´te se tornar um mago. Começa como um pobre menino de um vilarejo, passa pelo ensino do seu primeiro mestre, depois abandona o primeiro mestre e decide ir para a Escola de Magia, onde seu orgulho e arrogância provam-se seus piores inimigos. O resto do livro inteiro é Ged lidando com os problemas que ele mesmo criou por causa dessa falha de caráter.

Neste ponto, a história é extremamente profunda. É uma história sobre as consequências dos nossos atos impensados, como um único deslize é capaz de mudar o curso da nossa vida inteira e nem damos atenção a isso, não raro pensando que algo assim jamais aconteceria conosco.
But need alone is not enough to set power free: there must be knowledge. (p. 9)
A história de fato tem muitos elementos que tornam o livro como um clássico do gênero. Porém, devo dizer que não foi um livro que transformou minha vida, achei-o, quando muito, "ok".

Acontece que o estilo como a história é contada foi muito cansativo pra mim. Vejo que a autora usa abordagem que muitas vezes se aproxima do mito ou do épico (tal como Tolkien faz em O Silmarillion). 

Meu problema com essa abordagem é que a leitura fica muito complicada, truncada, o ritmo não é agradável. Aliás, Várias vezes tive que voltar a frase ou o parágrafo do começo pra entender o que de fato estava sendo dito. 

Somado a isso senti falta de diálogos, ou cenas. Às vezes (digo, muitas vezes) é só narração atrás de narração. Embora os fatos narrados sejam de fato interessantes, esse "mais do mesmo" cansa. Eu não quero só que me contem uma história, eu leio livro para que me mostrem uma história. Eu não quero saber de fatos, eu quero viver as vidas dos personagens que estão no livro. E, para mim, A wizard of Earthsea peca nisso.

No fim, permaneço assim. Achei o livro bonzinho, devolverei-o com votos de agradecimento, mas sempre na consciência de que ele não ficará na minha estante. 

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Resenha — The catcher in the rye

SALINGER, J. D. The catcher in the rye. Boston: Little Brown and Company, 1991.


Livro que adquiri ano passado por míseros 2 dólares. Honestamente, esse é o tipo de investimento que gosto de fazer. Uma besteirinha por algo tão grande. É até difícil explicar por que eu gostei de Catcher in the rye (O apanhador no campo de centeio, em português). Mas vamos ver o que eu consigo falar aqui.

Vamos começar falando logo do que me causou um efeito "tapa na cara" já na primeira página do livro: o estilo da narração.

Se vocês acham que meu estilo é casual ou coloquial, vocês não viram nada. Sou um iniciante, amador, uma criança perto do estilo despojado de Salinger. Tá certo que a narração é em primeira pessoa, o que justifica bastante, mas, ainda assim. O uso de maneirismos e a constante repetição de palavras, fazem a gente sentir como se o narrador-personagem estivesse conversando com a gente no muro de casa.
Girls. Jesus Christ. They can drive you crazy. They really can. (p. 73)
Além do estilo em si, vi o uso de alguns efeitos de escrita sensacionais, como o uso brilhante do itálico como nunca tinha visto antes. 

Usamos o itálico para enfatizar uma palavra de maneira discreta, mas dando peso a ela na narração: "Ela disse isso" é diferente de "Ela disse isso". O que Salinger fez aqui foi usar o itálico não na palavra, mas na sílaba que ele quer enfatizar. Em vez de dizer "anything", ele diz "anything", desse jeito mesmo, com metade da palavra sem itálico. É louco e brilhante, porque traduz exatamente como o narrador pronuncia a palavra.   

Agora, quanto à história em si, é interessante dizer que, conforme eu estava lendo, me dei conta que não tinha a menor ideia do que estava acontecendo. Na verdade, a impressão que tive é que não estava acontecendo nada. Só no capítulo 5 e 6 é que parece haver alguns eventos que desdobram a trama. O estranho é que eu já havia sido fisgado antes disso. O que foi que me prendeu?

Chego no final e entendo melhor o que está me prendendo. É que Salinger é um tipo de Dostoiévski norteamericano. Ele fala, em suma, de um personagem doente, instável que ironicamente está enojado pela natureza humana. Um personagem problemático que, ao mesmo tempo, parece muito consciente de si mesmo e cego.

Este é o grande tema do livro, penso eu. Nós acompanhamos Holden Caulfield, um adolescente de 17 anos que foi expulso da escola. Holden, de uma família abastada, não quer voltar pra casa, então acompanhamos ele num fim de semana em Nova York dos anos 1940, com direito a bebidas, cigarro e prostituição. Tudo de pior que aquele mundo tinha para oferecer. 

Essa desilusão com a condição humana é algo que passa pela narrativa perturbada de Holden o tempo todo. E vemos o constante embate das duras realidades que ele aponta com as ironias do seu próprio comportamento e forma de pensar.
The best thing, though, in that museum was that everything always stayed right where it was. Nobody'd move [...]. Nobody'd be different. The only thing that would be different would be you. (p. 121)
Consigo ver como esse livro pode ser bem desagradável para algumas pessoas, especialmente aquelas que não curtam um estilo mais despojado de narração. O narrador constantemente faz digressões, mas nelas traz outros temas à tona que depois passa a aplicar na situação em que se encontra. 

Honestamente, o livro permanecerá na minha estante não só porque é bom e eu gostei, mas também porque consigo sentir que há ainda mais camadas, mais significados que Salinger colocou ali e eu talvez não tenha conseguido captar. 

Em suma, que livro sensacional.

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Resenha — Bag of bones

KING, Stephen. Bag of bones. New York: Scribner, 1998.


E começamos 2024. 
Bag of bones ("Saco de ossos" em Português) é uma obra de Stephen King. Pronto, só de falar o autor já dei pistas o suficiente. Nela acompanhamos a história do escritor Michael Noonan, que logo no começo do livro perde sua esposa Jo, e acaba se mudando pra sua casa de campo, tentando entender a causa dos seus pesadelos constantes e mistérios envolvendo sua esposa.

Sobre a narrativa do livro, tenho duas observações, uma boa e uma ruim. A boa é que Stephen King não é um grande escritor à toa, ele realmente sabe o que está fazendo. A história é bem narrada porque consegue engajar a gente na leitura e ficamos sempre querendo continuar, querendo saber o que vem depois.

Por outro lado, não gosto de quanto King demora entre uma fala e outra. Várias vezes dá vontade de pular e só seguir com o diálogo. É como assitir um filme com alguém comentando cada cena que acontece, fica um saco. Isso sem falar das várias referências que ele faz; são tantas que me pergunto se 20 anos depois (considerando que a obra foi escrita em 1998) elas mais ajudam ou atrapalham a leitura.
Not every thirst should be slaked. Some things are just wrong [...] (p. 340)
Stephen King é conhecido por ser um escritor do gênero terror e, de fato, no começo do livro tem alguns elementos que dão medo. Os pesadelos do personagem principal, fatos estranhos que acontecem ao redor dele, menções a coisas que parecem não fazer sentido mas que prendem nossa atenção... Porém, isso infelizmente logo passa.

Na metade do livro parei de me assustar, porque o herói parou de se assustar também. Se ninguém corre perigo, não há necessidade de ter medo. Como o personagem simplesmente se acostumou com as "manifestações" que ocorrem na sua casa de campo, não dá nem nervoso, fica quase chato. Ou seja, é um livro de terror... que não dá medo.

E confesso que me irritei em alguns momentos com problemas de verossimilhança. Vou citar só dois. O primeiro é que acho meio absurdo como King traz alguns fatos aterrorizantes (o cara acordar e ver no gravador que ficou ligado a noite que uma mulher falou o nome dele — sendo que ele tava sozinho numa casa) e depois simplesmente ignora. Ah aconteceu isso foi? Então, aí no dia seguinte ele foi passear à beira do lago ......ôsh?!

Além disso, tem coisa que só acontece em livro mesmo. Olha só. A mulher do cara morre. Ele começa a ter pesadelos com a casa de campo deles. Em um desses pesadelos ele sonha que tem um corte na mão, quando acorda o corte está lá. Ele sonha que tem três girassois bem na frente da casa, aí quando mostram uma foto dele, lá estão três girassois aleatórios. Ou seja, vários sinais de coisa ruim. 

Aí o que ele decide fazer? "Sabe de uma coisa, vou lá pra minha casa de campo!". AFF! É igualzinho aqueles filmes de terror que claramente tem alguma coisa assustadora e perigosa do lado de fora e o personagem sai com uma lanterninha dizendo "Tem alguém aí?". Faça-me o favor. Nessas horas eu fico é torcendo pro personagem morrer, pra largar de ser burro.
[...] any good marriage is a secret territory, a necessary white space on society's map. (p. 90)
Apesar dessa ruptura (livro de terror que não dá medo), a história tem um elemento redentor que pra mim a torna muito relevante: família

O livro conta a história de um homem que perdeu sua família, que procura uma nova família, que faz de tudo para salvar sua família. É por isso que — vejam só — em determinado momento minha esposa me pegou chorando ao ler o livro. Pois é, me emocionei lendo um livro de terror. 

Apesar de todos os poréns, há beleza na história. King realmente sabe nos cativar e ele faz isso de dois ângulos: curiosidade e esperança. Nós ficamos curiosos: "O que será que tem na casa?", "Quem será que fez/falou aquilo?", "Por que personagem X está se comportando assim?". E também esperançosos: "Espero que ele consiga falar com ela", "Olha como ele está feliz, espero que ele consiga alcançar esse objetivo." 

Em suma, como já disse, King não é um grande autor à toa. Ele sabe o que está fazendo. Embora Bag of bones não seja pra mim o suprassumo da sua literatura, ainda é um livro que me divertiu e até fez eu me emocionar. Por enquanto, permanece na minha estante. Curti.