terça-feira, 31 de outubro de 2023

Resenha — Lá onde o coração faz a curva

GAROFALO, Emílio. Lá onde o vento faz a curva. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil; São Paulo: The Pilgrim, 2021.

Esse é um livro que me traz sentimentos bem conflitantes. O autor é cristão e incentiva a ficção cristã no Brasil. A obra dele veio depois da minha, mas como ele já é um pastor bem conhecido no meio, os livros dele decolaram e os meus ficaram pra sempre engavetados. É difícil se ver nessa situação.

O livro conta a história de uma viagem de carro feita entre pai e filho. Trata-se de um conto divido em capítulos. A história está mais próxima de ser um relato de viagem do que um conto em si. Isso não significa que não haja alguns momentos que emocionam, só quero dizer que tudo é muito resumido, havia espaço para que a coisa fosse melhor trabalhada.

Pra mim esse é o grande defeito do livro: tinha muito mais potencial. Em vez de simplesmente informar o leitor dos fatos, o autor poderia ter gastado mais algumas linhas ou parágrafos desenrolando cenas. Em vez de dizer que o pai estava triste com alguma coisa que o filho fez, ele poderia ter desenvolvido a cena e deixado o próprio leitor chegar nessa conclusão. Trata-se de um livreto com bastante potencial, mas que foi mal explorado.

É chato falar isso, porque fica parecendo que é má vontade minha; mas trago apenas a verdade. E, admito, sinto um pouco de inveja de esse livro ter sido publicado e estar rodando o Brasil e o meu não.

domingo, 29 de outubro de 2023

Resenha — Elantris

SANDERSON, Brandon. Elantris. New York: Tor, 2005.


Faz muito, MUITO tempo que eu não lia uma obra de fantasia tão bom. Meu Deus, acho que mal consigo lembrar qual foi a última que me fez ficar vidrado assim. Talvez o "Trílio Dourado"? Olha, difícil. Mas vamos à resenha.

Deixa eu começar falando o que achei de ruim nesse livro: ali perto do final, o enredo dá duas ou três forçadas de barra que ficaram bem aparentes. O livro tem algumas forçadas de roteiro, talvez em alguns momentos a narração seja explicativa demais. Porém esse é um dos pontos comuns aos livros de fantasia que a gente deixa passar porque a descrição várias vezes é necessária pra gente se ambientar adequadamente ao mundo proposto. Pronto. São essas as coisas ruins.
Truth can never be defeated, Sarene. Even if people do forget about it occasionally. (p. 246)
Falando em mundo, se um dia eu escrever um livro de fantasia, quero fazer igual Sanderson fez: não-enciclopédico. Acontece que muitos autores são tão fascinados com a criação de mundos que esquecem de contar uma boa história. Vários autores de fantasia imaginam que seu mundo tão bem criado, tão bem estruturado, será suficiente para prender o leitor e fazê-lo querer ir até o fim. 

Mas, a verdade, é que não são mundos que nos encantam, são histórias. E é isso que o autor faz. Ele tem um mundo de fato muito fascinante, mas ele não fala do mundo, ele fala da sua história e, por meio dela, vai revelando seu mundo. 

Faz muito, muito tempo que não vejo alguém escrever uma fantasia tão bem assim até os nomes estranhos que ele cria se tornam naturais, porque estão inseridos na história, e não numa enciclopédia sobre o mundo. Até os nomes estranhos que ele cria se tornam naturais, porque estão inseridos na história, e não numa enciclopédia sobre o mundo de Opelon.

Como já falei, o livro se propõe a contar uma história. É uma clássica jornada do herói, com três núcleos diferentes: Raoden (o príncipe tomado pelo Shaod), Sarene (a princesa audaz), e Hrathen (o sacerdote ambíguo). Todos esses núcleos são complementares e não há nada no livro que não tenha sido utilizado, o autor usou a regra da espingarda de Tchekhov à risca.

Elantris é o nome da cidade onde habitavam seres poderosos, os Elantrianos, até o dia em que a cidade misteriosamente foi tomada por uma maldição, o Shaod, e os elantrianos passaram de semideuses a seres amaldiçoados a viver quase como mortos-vivos, sem entender o porquê de terem perdido sua magia e sua aparência formosa.

O autor me surpreendeu em envolver muito bem a religião na sua narrativa. Não se trata de nenhuma religião do nosso mundo, mas algo que ele criou e soma-se muito bem não só à teia de acontecimentos como também ao próprio folclore do mundo, integrando religião e política de uma maneira até bem natural.

Vale também um salve para o sistema de magia criado pelo autor. Eu sou fã inveterado de sistemas rígidos de magia, que obedecem a uma ordem lógica e que não são apenas efeitos especiais ou resoluções automáticas de problemas.
Raoden nodded, and Kahar left. The man had come looking for a magical solution to his woes, but he had found an answer much more simple. Pain lost its power when other things became more important. Kahar didn't need a potion or an Aon to save him — he just needed something to do. (p. 217)
Fiquei muito surpreso ao descobrir que este fora o primeiro livro publicado pelo autor. Demonstra uma maturidade que eu mesmo sei que não tenho ainda. O livro é sólido, é aquilo que todo leitor quer e pede toda vez que abre as páginas de um livro: uma boa história.

Não que isso valha alguma coisa, mas Brandon Sanderson conquistou seu lugar na minha estante.