terça-feira, 24 de agosto de 2021

Resenha – As conspirações para matar Hitler

DARGIE, Richard. As conspirações para matar Hitler: os homens e mulheres que tentaram mudar a história. Cotia: Pé da Letra, 2020.


Sabe aqueles livros que você compra no impulso? Daqueles que você tá só passeando, mas o título te chama a atenção, você olha o preço e "Meu Deus, é só 13 reais!", sabe? Pois é, esse foi um desses. Com treze reais hoje em dia mal se compra um bom lanche na padaria, então eu digo que valeu sim o investimento.

O título é bem explicativo, são causos inseridos dentro de um contexto histórico específico, voltados para um personagem bem específico. Interessante notar que o livro não segue uma ordem cronológica e até a divisão temática é meio complicada, mas como é um livro de curiosidades, a gente pode perdoar. Temos algumas histórias bem interessantes mas quero ressaltar aqui apenas dois pontos que julgo os mais interessantes pra se registrar.
"Para Adolf Hitler, no entanto, era uma evidência clara de que ele estava sendo preservado para um propósito. [...] confiando em seu profundo sentimento intuitivo de que estava sob alguma proteção especial, a qual ele chamava de Vorsehung ou Providência." (p. 9)
O primeiro é que Hitler acreditava que ele tinha uma espécie de "propósito especial", uma força mística que o preservava para um grande destino. Isso ajuda a explicar muito de seu comportamento e também das suas táticas de guerra (que, lá pelo fim, foram muito questionadas pelos seus generais e até o levaram à imprudência).

O segundo é que, meus amigos, como cientista político (internacional) eu digo: não podemos nos render à limitação do espectro político. Quando vemos as facetas do nazismo expostas em diferentes formas, percebemos como muitas vezes uma visão dualista de mundo nos leva a uma compreensão limitada, ou melhor, uma incompreensão da realidade tal como ela é.

Em suma, o livro é bem agradável de ler, talvez mais agradável para aqueles que curtem uma boa dose de história, nomes de personagens e anos em alguns casos. De qualquer forma, temos histórias bem interessantes e algumas que são meio anedóticas. É um daqueles livros pra gente ler relaxando e aprendendo ao mesmo tempo. Super recomendo.

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Resenha – Ana Karenina

TOLSTOI, Leon. Ana Karenina. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005 (Clássicos de bolso).


Certo estava Érico Veríssimo: sou uma vaca sentimental. Que livro absolutamente delicioso de se ler! Daqueles que a gente pega sem saber o que encontrar e, quando menos espera, lá estamos nós vivendo o drama da infiel Ana Karenina e Vronski, ou o amor apaixonado de Levine e Kitty... ah, mas me adianto.

Vamos começar, como sempre, falando dessa edição que me foi emprestada por um colega de trabalho. Pra ser bem honesto, foi uma diagramação chata de ler, faltou deixar espaço na margem interna, a gente tem que inclinar o livro todinho pra conseguir ler as letras do canto. Ler durante o dia até que vai, mas à noite a gente fica penando.

Paradoxalmente, pense numa leitura agradável de fazer. Os capítulos curtos são um convite que os bons leitores não conseguem evitar, o famoso "só mais um pouquinho". Agora é interessante que não é um livro pra ser lido com pressa. O autor nos convida a um desfrutar parcimonioso das cenas, de alguns detalhes até desnecessários porém ainda imersivos o suficiente, e do lidar dos personagens

A transição entre cenas é perfeita, consegue ir direto ao ponto sem ficar enrolando, imerge a gente com três ou quatro palavras certeiras. Impressionante, há muito não via algo assim. Aliás, o autor é sábio em não ficar com rodeios pífios quando a situação é óbvia: pintou um clima entre dois personagens e o leitor já sacou? Pronto, não tem por que ficar fazendo mistério, todo mundo já sabe, bola pra frente. Isso torna a obra mais honesta 

Interessante notar o contexto da época. Quando o livro foi escrito, já eram tempos de Pax Britannica e vejo reflexos disso no texto. Embora as expressões francesas não se deixem de fazer presentes, com cada vez mais frequência surgem as em inglês, mostrando a influência na sociedade russa (se bem que era em todo o mundo, né).

Agora vamo falar do que eu considero a alma do livro. No começo, o fato de haver muitos personagens me deu a impressão de que a narrativa seria bagunçada. Engano meu. Apesar da constelação de pequenos núcleos e individualidades, tudo se conecta magistralmente ao mesmo tempo em que nos ligamos com cada um dos dramas dos personagens. Um exímio trabalho que poucos conseguem alcançar.

Fico triste pelo marido da Ana Karenina, que não é sequer um homem mau e ainda se vê nessa situação ridícula, nesse buraco que a esposa cavou e insiste em se afundar. O trecho abaixo é extremamente revelador:
"Aléxis Alexandrovitch, tão enérgico quando se tratava dos interesses públicos, sentia-se impotente. Como um boi que vai ser morto, abaixava a cabeça e esperava resignadamente o golpe fatal." (p. 116)
No meio do caminho há quase um ensaio sociológico sobre o trabalho. No começo achei interessante, mas pro final cansei um pouco. Não obstante, revela muito da sociedade da época e dos dilemas que enfrentava. Engraçado que enquanto isso é a alma de Dostoiévski, aqui não é o tema mais forte do livro. Não obstante, há frases que mostram bem o drama da questão:
"Eu trabalho, sacrifico-me por um fim e esqueço que tudo acaba... Que é indispensável morrer." (p. 247)
"Quando foi preciso trocar sua primeira nota de 100 rublos para vestir o porteiro e o criado [...] Pensou que aquele dinheiro representava o salário de dois trabalhadores por ano, da madrugada à noite [...]" (p. 451)
Em determinado momento me perguntei se, já no último 1/4 do livro, dar falas a um personagem que se manteve silente até então foi uma boa pedida. Mas pior que funcionou porque foi emocionante. Aprendi portanto a não subestimar a inserção de novos personagens de modo pontual, quando isso serve para fortalecer ou jogar luzes ainda mais claras sobre o dilema de outro (refiro-me ao filho da Ana Karenina, que ganhou falas poucas, mas interessantes para enrobustecer o dilema da mãe).

Creio que o tema principal do livro está ligado a um moralismo. Tolstói disfarçou mas enfim chegou no amago da questão que tentou disfarçar: a romantização do adultério. Conquanto não tenha feito isso de modo abrupto, colocando o casamento feliz e saudável como contraste ao adultério, não se pode negar que ficaram alguns resquícios do desejo pela "liberdade" por alguns personagens. Espero que, pelo menos, o leitor possa ver o quanto, na verdade, isso resultou apenas em libertinagem e prejuízos.

O próprio final do livro é bem moralista, dando lições por meio das falas do personagem e as últimas linhas são quase uma palestra motivacional. Aliás, o final me pareceu meio demorado. Sabe quando já aconteceu tudo que tem pra acontecer? Depois que disso, não dá pra ficar segurando o leitor por muito mais tempo, o fôlego acaba. Tenho a sensação de que o autor poderia ter economizado algumas páginas no final pra deixar uma impressão mais forte.

Não obstante, o livro é MAGNÍFICO! Não se torna um clássico à toa. É genial, uma obra incrivelmente bem trabalhada, daquelas que a gente tem orgulho de ter na estante e de já ter lido. Aliás, como foi um livro emprestado, já vou começar a procurar promoções e colocar ele definitivamente na minha biblioteca. Não tenho dúvida que o revisitarei no futuro.