sexta-feira, 23 de junho de 2023

Resenha — Darth Maul

REAVES, Michael. Darth Maul: Shadow Hunter. New York: The Ballantine Publishing Group, 2001.


Esse é um daqueles livros que você vê na estante da livraria e pensa: "Eoq?! Esse eu levo!". Foi assim que veio parar nas minhas mãos esse livro retratado no universo de Star Wars, abordando um dos personagens que considero dos mais enigmáticos e, por isso, dos mais interessantes. Vamos à resenha.
[...] he had looked into the eyes of the Sith, and he had seen his doom there, as plain as the tattooed whorls that surrounded those eyes [...] (p. 123)
O livro é uma narrativa que acontece cerca de seis meses antes do primeiro filme de Star Wars. Aqui acompanhamos o humano Lorn Pavan e seu andoide I-Five como personagens principais. Ao longo do caminho vão aparecendo alguns Jedi, inimigos, e Darth Maul na verdade é o grande vilão da história, perseguindo os mocinhos até o fim.

Como pontos positivos, confesso que eu estava descrente com a estrutura que o autor escolhera: uns cinco nucleos diferentes de movendo ao mesmo tempo. Vários personagens caminhando em lugares diferentes, agindo como cortes de câmera num filme de ação, com várias pessoas fazendo coisas ao mesmo tempo, mas que no fim estão todas interligadas. 

Mas devo confessar que fui surpreendido com a capacidade dele de concatenação, unindo os diferentes fios numa trama razoavelmente coesa, numa narrativa até bem engajante em vários momentos, que faz a gente ficar curioso pelos diferentes personagens e como eles vao se encontrar em algum momento.

Outra coisa que é de se tirar o chapéu para o autor é que, com milhares de mundo ao seu dispor, o autor optou por focar praticamente toda a história cidade de Coruscant. Esse é um perfeito exemplo de "não é por que vc tem a galáxia ao seu dispor que você vai usar ela toda". Ao concentrar a história, deu mais profundidade à cidade e deixou a narrativa mais condensada, mais firme.

Agora, creio que os pontos negativos são maiores que os positivos. Ora senão vejamos.

A comçear que Darth Maul leva o título na capa, mas não é o personagem principal. Ele certamente é o antagonista, mas isso ainda é muito raso. A gente não conhece ele com muito mais profundidade, nem acompanha seus desdobramentos mais próximos. Ele é um vilão dentro de uma boa estrutura, mas é isso. Ele poderia ser qualquer outro vilão e isso não faria diferença. Além de, em vários momentos, ser um personagem superficial, sem muitos detalhes.

Outro ponto que não curti é que o livro está mais para fanfic de Star Wars do que realmente uma história ambientada naquele universo. O livro está cheio de estereótipos, usando espantalhos de personagens parecidos que vemos em filmes. Me parece que ele estava mais preocupado em escrever o que aquele público gostaria de encontrar do que realmente contando uma boa história.

Se por um lado a estrutura é boa e o autor foi capaz de concatenar bem a trama, por outro, em mais de um momento o livro tem umas forçadas de roteiro pra que todos esses fios soltos se encontrem. São momentos que a gente tá lendo e diz: "Nossa, que coincidência isso acontecer exatamente agora, exatamente com essa pessoa, não?"

E falando em forçada, a coisa descambela de vez mesmo quando o enredo é jogado pela janela. No último 1/3 o livro vai perdendo força, até que no último ato a coisa vai de mal a pior, com personagens mudando suas motivações ou sendo bobinhos demais, indo contra sua própria astúcia ou personalidade. Perto do final o autor sentiu a necessidade desnecessária de enfiar um romance goela abaixo na gente. Não havia clima pra isso, não havia preparação, não havia sequer motivação. Colocou por colocar, deu pra ver, e ficou feio. Isso sem falar no momento que, não mais que do nada, a Padawan se rendeu à Força e ficou instantaneamente poderosa. Ah, mano, fala sério, viu?

No final, eu estava honestamente torcendo pelo vilão, de tão irritado que o autor me deixou com essa falta de zelo pela história. De qualquer forma, esse é um dos livros que, depois que a Disney comprou os direitos de Star Wars, tudo foi descartado e deixou de ser canônico daquele universo.

No fim das contas, achei uma grande pena que um personagem como Darth Maul não tenha sido melhor aproveitado, tendo sido colocado num livrinho genérico de história fraca. Por outro, menos pior que pelo menos esse livro agora não é mais parte do universo expandido de Star Wars. Dos males, o menor.

Crônicas do cotidiano — XIV — NO CENTRO CIRÚRGICO (2)

Senti meu corpo sendo arrastado e depois virado de lado. Finalmente me depositaram em cima de alguma coisa macia. Olhei pro lado, a Laryssa estava lá:
— Amo você — eu disse, sorrindo.
— Shh! Você não pode falar.
E eu dormi.

Acordei não sei quanto tempo depois, minha mãe estava ao lado da cama, a Laryssa tinha saído pra comer. Percebi que eu estava de volta no quarto do hospital. Engraçado, eu não sentia dores, nem cansaço. Aliás, eu não sentia nada da cintura pra baixo.

A cirurgia fora um sucesso, durou cerca de uma hora, e me levaram de volta para o quarto. A anestesia fora uma raquidiana (imobilizou a metade debaixo do meu corpo) e eu estava ali mais existindo do que de fato vivendo. Nada me incomodava, mas eu estava preso ali.

Meus pais estavam no quarto e eu contei um pouco do que aconteceu na sala de operação (o que vocês leram na primeira parte desse relato). E não muito tempo depois a Laryssa chegou. Acho que eram umas 15h quando de fato me senti mais acordado. Daí em diante, não há muito mais o que falar. É um doente, num quarto de hospital, esperando o efeito da anestesia passar pra ver se está tudo bem de fato.

Eu ainda não podia comer nem beber água. A recomendação do médico era que a anestesia tinha que primeiro passar. No meio tempo, o acesso que fizeram na minha mão esquerda era o caminho para meu corpo sobreviver. Tomei bastante soro para manter o corpo hidratado, e de hora em hora me aplicavam sei lá quantos remédios (entre antibióticos, anti-inflamatórios, analgésicos e sei lá mais o que). No dia seguinte, um enfermeiro até comentou que ficou impressionado por minha veia ter aguentado tanto sem estourar. Foram mais de 24h recebendo medicamentos e soro direto.

Demorou bastante pra anestesia passar. Devo ter ficado umas 10h ao todo até conseguir sentir de fato toda a parte inferior do meu corpo. Fui sentindo o pé, depois a perna, e aos poucos os movimentos foram voltando.

Muito se fala de comida de hospital, mas eu não tive do que reclamar. Minha janta foi arroz, feijão, frango, batata, suco e gelatina de sobremesa. Claro que eu só fui comer lá pelas 21h, quando já tinha algum movimento do corpo. De qualquer forma, a comida estava era muito boa. No dia seguinte, no café da manhã, eu nem dei conta de comer tudo (café, tapioca, pão, manteiga, cuscuz, maçã). Mas me adianto, porque antes do café teve uma longa noite pra enfrentar, voltemos às humilhações.

Eu ainda estava usando a mesma bata e touca da sala de cirurgia. Fiquei naquela de hora dorme, hora acorda, hora conversa, hora dorme de novo, nesse ciclo que faz a gente perder a noção do tempo. Só fui saber do horário mesmo lá pelas 21h na hora que fui comer (aliás, a Laryssa teve que me dar comida na boca, já que eu não conseguia sentar o suficiente pra comer sozinho).

A enfermeira da noite constantemente me perguntava se eu tinha conseguido fazer xixi e a resposta continuava sendo não. Confesso que aquilo estava me deixando preocupado, porque estava vendo a hora de ela precisar colocar uma sonda em mim. Será que já não bastava de humilhação? Pedi dela um bico de papagaio (sei lá se é esse o nome ou não) pra deixar do lado da cama e eu tentar depois.

Nessa altura eu comecei a perceber que tem várias coisas que nós tomamos por normal e simples, mas que nem todo mundo tem. Eu não conseguia sentar, não conseguia fazer xixi, não conseguia nem comer sozinho. Apenas vislumbres de realidades que são distantes pra mim, mas que naquele momento pude contemplar. Cirurgias são experiências que deveriam nos deixar, no mínimo, um pouco mais humildes.

Minha narrativa desse dia está confusa porque o dia foi todo confuso pra mim. O quarto não tinha janelas, então eu não sabia dizer se o sol estava se pondo ou não. Além disso, durante a madrugada inteira eu era acordado pra tomar diferentes medicações. Por isso relato três momentos distintos, no que considero ser a ordem cronológica.

Inicio pela primeira vez que tive que levantar. Era 1 da manhã (eu acho), quando o enfermeiro veio novamente pra dizer que eu precisava tentar me levantar.
— O senhor precisa tentar — ele insistia.
No fundo eu sei que ele estava certo: ali era o lugar certo pra tentar. Se qualquer coisa desse errado (ponto abrisse, eu desmaiasse, me desse um siricutico) não haveria melhor lugar para estar do que num hospital cheio de enfermeiros e médicos a postos, com medicamentos prontos para uso imediato.

A minha sorte era o que o enfermeiro fez força pra me levantar. Senti uma dor lancinante me cortar o bucho quando finalmente me esgueirei pra beirada da cama e fiquei de pé. A ideia do enfermeiro era que eu andasse de fato, mas não teve nem perigo. Fiquei em pé por alguns segundos e já estava de bom tamanho, precisei deitar de novo. Mais tarde, quando finalmente consegui dar alguns passos, precisei deitar logo em seguida porque aqueles meros três passos foram suficiente para me deixar com enjoo.

O segundo causo ocorreu não muito depois do primeiro, quando finalmente tentei fazer xixi. Não vou entrar em detalhes, apenas descrevo que pedi para ficar sozinho no quarto. E lá estava eu de pé, ao lado da cama, com um bico de papagaio, falando:
— Funciona pelo amor de Deus, isso é para o benefício de nós dois, amigo. Funciona.
Ele funcionou parcialmente naquele momento, mas era tudo que eu precisava. Suspirei com alívio de quem pensa: "Ainda funciona!"

O terceiro causo foi o último da noite antes de eu acordar no dia seguinte. Era, sei lá, umas 3 da manhã, quando eu precisei de alguma coisa (acho que tinha acabado o soro, algo assim) e a Laryssa foi avisar as enfermeiras. Foi então que ela voltou dizendo, sorrindo:
— Você nem sabe, as enfermeiras estão abismadas que você ainda não tá andando. Tem três mulheres aqui nesse bloco que fizeram cesariana e já estão caminhando nos corredores pra cima e pra baixo.

Uf! Aquele golpe no orgulho. Senti o peso daquelas palavras. Olhei bem pra ela, depois olhei bem para dentro de mim mesmo. "Rapaz, a coisa tá feia desse tanto?", pensei. "Vai ser o jeito encarar, né?". Passados poucos minutos eu disse pra Laryssa:
— Chama lá elas pra me ajudarem a andar.

Alguns segundos depois as duas entram no quarto, junto da Laryssa:
— Quer dizer que o senhor vai tentar andar agora?
Eu olhei bem pra cara delas e falei:
— Antes de qualquer coisa. — fiz uma pausa dramática. — É verdade que as mulheres que fizeram cesareana já tão andando?
Todo mundo riu.
— Sim! Só tá faltando você!
Dei um muxoxo e disse:
— Droga. Então bora.

Foram esses os causos dignos de nota daquela noite eterna. Acho que fui dormir de fato perto de 4 da manhã e acordei pouco depois de 7:30 com o café sendo servido. Recebi alta pouco depois de meio-dia (o almoço estava muito bom lá) e caminhei com passos bem lentos até a recepção do hospital, onde a Laryssa me pegou de carro e fui pra casa.

E essa é a história da minha primeira vez no centro cirúrgico.



segunda-feira, 19 de junho de 2023

Crônicas do cotidiano — XIII — NO CENTRO CIRÚRGICO (1)

NO CENTRO CIRÚRGICO — I

Cheguei perto de 9 da manhã no hospital para internar. Dizer que não estava nervoso seria mentir, mas também dizer que estava muito nervoso é exagero. Estava naquele estado de espírito que ficamos logo antes de encontrar alguém importante.

Àquela altura eu já estava sem comer ou beber água há umas 12h, quando finalmente a enfermeira apareceu no quarto:
— Vamos?
— Vamos.
Despedi-me da Laryssa e acompanhei a mulher até o centro cirúrgico.

Lá, ela abriu uma porta e me conduziu a uma saleta com um armário de vários nichos numa parede.
— Você pode tirar sua roupa e colocar essa bata.
Ela apontou para uma bata verde em um dos nichos. Eu fiz que sim com a cabeça e fiquei esperando ela sair. Ela não saiu. Foi aí que me toquei que o processo de humilhação já havia começado.
Enquanto eu me despia e colocava a bata, ela preparava uma sacola para colocar minhas roupas e também uma touca para eu usar.
— Senhor, está ao contrário — ela disse, quando percebeu que eu havia colocado a bata como quem coloca um terno. Foi só então que lembrei que a abertura dela era para o bumbum.
— Ah sim. Mas acho que não vou conseguir fechar.
— Eu fecho pro senhor.
A essa altura do campeonato a humilhação não me assustava mais.

Ela entou me levou até um corredor de onde outra enfermeira me levaria adiante. Havia um banco comprido atravessado bem no meio do corredor. Uma delas disse:
— O senhor consegue passar por cima?
— Consigo.
Acho que elas estava acostumadas a pacientes doentes por ali, então elas até se assustaram quando eu fui logo colocando a perna por cima do banco:
— Cuidado, cuidado!
Eu sorri e respondi:
— Gente, calma, tá de boas.
Elas riram e eu finalmente fui para a sala da cirurgia.

Ali eu percebi algumas coisas. Primeiro é que se eu não estava nervoso, oficialmente estava. Ao deitar naquela maca estreita, de repente me vi encarando aquelas lâmpadas gigantescas típicas de filmes de terror ou ficção científica. Certamente era ali que as experiências malucas aconteciam. Comentei isso com a enfermeira e ela riu.

A segunda coisa que reparei é que o centro cirúrgico nada mais é do que um clube de comédia escondido. A enfermeira fez um acesso na minha mão esquerda e disse:
— Eita veia boa! Veia de jovem. Quando eu fui paciente fiquei com tanto medo que minha veia sumiu e tiveram que me furar oito vezes.
— Nossa, que alentador! — eu disse.
Outra enfermeira entrou na sala e sorriu também. Comentei com elas que antes não estava tão nervoso, mas que estava ficando.
— É o seu "sistema medroso". Antes você estava num ambiente familiar. — Uma delas explicou. — Lembro de quando fui fazer cirurgia também, fiquei bem nervosa. Quase que eu morro.
Ela parou por um segundo e completou:
— "Morro de nervoso", não por que algo deu errado!
Eu ri junto com elas. Estava começando a seção de comédia, mas ainda não havia chegado o astro principal daquela manhã.

Eu já estava deitado na maca, com acesso na mão, o bipe dos batimentos cardíacos apitando (a nota era Bb eu acho — mas depende da velocidade, porque quando caía pra baixo de 70, descia meio tom) e veio outro enfermeiro animadinho pra colocar o oxigênio pra mim. Eu até comentei da nota com ele e ele ficou curioso, quando entrou o anestesista:
— Seu Gabriel?
— Opa!
— Sou o doutor fulano, vou ser o anestesista. Tudo em ordem?
— Tudo em ordem, doutor. Só quero que esse troço acabe logo porque tô é com fome.
— Vish, pois você nem vai ver passar.
— Estou contando com isso!
Ele sorriu e deu as costas para preparar sei lá o que. Enquanto ele mexia nas coisas, virou-se para o enfermeiro e disse:
— Ciclano, vê aí no Youtube como é que faz pra aplicar anestesia mesmo!
Todos nós rimos e eu disse, ironizando:
— Esse centro cirúrgico é só comédia!
Ele colocou um pouco da anestesia no meu soro e um pouco no meu acesso.
— Essa é só a amostra grátis, depois vamos te sentar pra aplicar a boa.
Mas não passou um minuto (ou passou, sei lá) e eu disse:
— Eita, doutor. Essa é da boa. Já tô vendo o teto girar... — e aí eu reparei que o braço mecânico daquelas lâmpadas de filme de terror também começou a girar, mas eu já não conseguia lembrar o nome "braço mecânico". — Inclusive, esse... esse... tá girando aqui, doutor... é... — e aí eu li as letras que estavam escritas no braço mecânico. — R... K... 277... tá girando...
Tive a impressão de ver o enfermeiro e o médico trocando olhares e rindo um pro outro.

E aí eu já acordei no quarto. A humilhação não acabou, continuo a história depois.



terça-feira, 13 de junho de 2023

Resenha — The Legend of Sleepy Hollow and Rip Van Winkle

IRVING, Washington. The Legend of Sleepy Hollow and Rip Van Winkle. New York: Baronet Books, 2002.


Esse é um daqueles livros que dá gosto de pegar mesmo sem ter lido a história. Capa dura, todo muito bem ilustrado, diagramação perfeita, letras grandes (próprio para o público infantojuvenil) e histórias muito boas de um clássico autor americano. O melhor de tudo, pelo menos para mim, foi o fato de que comprei essa lindeza por apenas 2 dólares.

Comprei esse livro porque queria ler autores clássicos dos EUA e Washington Irving é um perfeito exemplo disso. Ele foi o primeiro no pós-indendência dos Estados Unidos (1780s) a escrever literatura propriamente estadounidense. Antes dele, as pessoas tinham que recorrer a autores ingleses para ter boa literatura. Então dá pra entender porque ele é um clássico americano de fato.

Este livro é composto por três contos, sendo pelo menos um deles bem conhecido: a lenda do Cavaleiro sem Cabeça, que nos traz esse personagem maligno que eu conheci a primeira vez em desenhos animados na década de 1990 (e olha que estamos falando de algo criado duzentos anos antes). É também neste conto que apareceu essa citação aqui que achei muito boa:
Until one day his path was crossed by a being who has caused more trouble for mortal men than all the ghosts, goblins and witches put together—a woman. (p. 28)
Os contos me parecem ter uma pegada infantojuvenil, com personagens até meio caricatos, sem muito desenvolvimento deles. Mas também estamos falando de outra época, então eu não saberia dizer ao certo se essa é apenas minha interpretação anacrônica de uma literatura de outro tempo.

De qualquer forma, a narrativa é muito agradável de ler, as histórias são bem construídas e, o mais interessante, elas de fato dão um pouquinho de medo mesmo. O autor não tem pena de deixar claro que seus contos não são de fadas, especialmente quando vemos o final de alguns, que terminam de modo bem mais sinistro do que se esperaria de algo escrito para um público mais jovem.

Novamente ressalto que essa edição é muito boa porque também é ilustrada, o que dá um prazer diferente pra leitura. Honestamente, deve ser o primeiro livro ilustrado que pego em décadas. Esse é daqueles pra dar pra criança e, depois de um tempo ouvir ela reclamar quando ganhar outro: "Mas não tem figura?!"

Fico muito contente de ter adquirido esse livro por um valor tão irrisório, mas com um conteúdo tão bom. Certamente um livro que ficará na minha estante e, quem sabe, possa ser algo que eu leia para meus filhos ou os faça ter um incentivo a mais para ler. Clássicos sendo clássicos.

sábado, 3 de junho de 2023

Resenha — Pax Romana

BALBÁS, Yeyo. Pax Romana. Barcelona: Roca Editorial de Libros, 2012.


Este é oficialmente o primeiro livro em espanhol que leio. Uma obra com pouco mais de 600 páginas recheadas de uma ficção história magistral. Este livro é, de fato, uma obra prima da ficção histórica de um jeito que eu ainda não tinha visto. Acho que é o tipo de ficção histórica que eu mesmo gostaria de ter sido capaz de escrever. Vamos à resenha.

Comprei este livro em 2013, quando em intercâmbio na Espanha. Salvo engano, eu estava no aeroporto de Madrid, com alguns Euros ainda no bolso que eu precisava gastar, porque se eu voltasse para o Brasil com eles, os mesmos não teriam utilidade nenhuma e eu ainda sairia perdendo se resolvesse fazer o câmbio de volta para Reais. Por isso, foi numa dessas livrarias de aeroporto que eu peguei esse livro aleatoriamente.

Literalmente 10 anos se passaram com esse livro parado na estante. Ocorre que eu até tentei ler ele antes, mas meu nível de espanhol não estava bom o suficiente para que eu pudesse de fato acompanhar a história. Não sei o que aconteceu em 2023 que meu espanhol melhorou e eu finalmente consegui apreciar essa belezura de livro.
En fin, los hombres pueden tener distintas facciones y la piél más o menos oscura, pero la estupidez es universal. (p. 53)
Como já comentei, essa é uma obra-prima da ficção histórica, onde o autor retrata o cotidiano da vida de soldados legionários romanos em meados do século I. Como o autor é espanhol, ele ainda teve a sacada genial de retratar essa história durante um período formativo bem importante para a história do seu país: as Guerras Cantábricas.

O tanto de pesquisa que esse cara fez pra escrever esse livro não está no gibi! É uma monstruosidade de conhecimento para saber detalhes de como funciona não só uma legião romana, mas como as pessoas viviam em Roma, como eram as relações, quais eram as intrigas políticas que permeavam aquela república corrupta e falida, como se tratavam os diferentes graus hierárquicos, como era a vida de escravos, mulheres, crianças, pobres, ricos, estrangeiros... meu Deus... só por ser capaz de reunir tanta informação num livro sem que ele seja chato, o autor já provou sua capacidade.

A história que acompanhamos aqui é de Marco, um jovem romano do bairro pobre de Subura que é adotado por Vitruviano, um grande arquiteto romano, que o ensina o ofício. Marco então vai parar na IX Legião Romana como mensor (uma espécie de engenheiro militar) e ali participa das campanhas militares de invasão à Cantábria (mais ou menos a região norte do que hoje é a Espanha). 

A narrativa é sensacional, cheia de excelentes e inesperadas reviravoltas; os personagens são muito bem trabalhados e todos têm motivações e objetivos muito fortes e claros; as descrições não são cansativas, pelo contrário, são na medida para deixar a gente curioso; os diálogos também são bem trabalhados, não deixando espaço para aquele formalismo besta que tanto permeia a ficção histórica e ainda abrindo espaço para trabalhar conceitos como a retórica romana importada da Grécia antiga.

O livro é cheio de ensinamentos e citações que vêm, de fato, dos romanos antigos. Propositalmente, trouxe apenas aquela citação acima para o meu próprio benefício. É que esse livro é tão legal e cheio de citações tão boas, que não quero registrá-las aqui. Quero dar à minha memória a chance de esquecer o máximo possível para que, daqui a alguns anos, eu possa revisitar essa obra e ler de novo. 

A vontade mesmo agora é adquirir todas as obras desse autor, porque ficou mais do que evidente aqui que o cara escreve bem. O mais chocante pra mim foi saber que Pax Romana tratava-se de seu primeiro romance. Oloco, cara bom demais.

Em suma, livro bom, história boa, autor bom. Vale a pena ler.