segunda-feira, 19 de junho de 2023

Crônicas do cotidiano — XIII — NO CENTRO CIRÚRGICO (1)

NO CENTRO CIRÚRGICO — I

Cheguei perto de 9 da manhã no hospital para internar. Dizer que não estava nervoso seria mentir, mas também dizer que estava muito nervoso é exagero. Estava naquele estado de espírito que ficamos logo antes de encontrar alguém importante.

Àquela altura eu já estava sem comer ou beber água há umas 12h, quando finalmente a enfermeira apareceu no quarto:
— Vamos?
— Vamos.
Despedi-me da Laryssa e acompanhei a mulher até o centro cirúrgico.

Lá, ela abriu uma porta e me conduziu a uma saleta com um armário de vários nichos numa parede.
— Você pode tirar sua roupa e colocar essa bata.
Ela apontou para uma bata verde em um dos nichos. Eu fiz que sim com a cabeça e fiquei esperando ela sair. Ela não saiu. Foi aí que me toquei que o processo de humilhação já havia começado.
Enquanto eu me despia e colocava a bata, ela preparava uma sacola para colocar minhas roupas e também uma touca para eu usar.
— Senhor, está ao contrário — ela disse, quando percebeu que eu havia colocado a bata como quem coloca um terno. Foi só então que lembrei que a abertura dela era para o bumbum.
— Ah sim. Mas acho que não vou conseguir fechar.
— Eu fecho pro senhor.
A essa altura do campeonato a humilhação não me assustava mais.

Ela entou me levou até um corredor de onde outra enfermeira me levaria adiante. Havia um banco comprido atravessado bem no meio do corredor. Uma delas disse:
— O senhor consegue passar por cima?
— Consigo.
Acho que elas estava acostumadas a pacientes doentes por ali, então elas até se assustaram quando eu fui logo colocando a perna por cima do banco:
— Cuidado, cuidado!
Eu sorri e respondi:
— Gente, calma, tá de boas.
Elas riram e eu finalmente fui para a sala da cirurgia.

Ali eu percebi algumas coisas. Primeiro é que se eu não estava nervoso, oficialmente estava. Ao deitar naquela maca estreita, de repente me vi encarando aquelas lâmpadas gigantescas típicas de filmes de terror ou ficção científica. Certamente era ali que as experiências malucas aconteciam. Comentei isso com a enfermeira e ela riu.

A segunda coisa que reparei é que o centro cirúrgico nada mais é do que um clube de comédia escondido. A enfermeira fez um acesso na minha mão esquerda e disse:
— Eita veia boa! Veia de jovem. Quando eu fui paciente fiquei com tanto medo que minha veia sumiu e tiveram que me furar oito vezes.
— Nossa, que alentador! — eu disse.
Outra enfermeira entrou na sala e sorriu também. Comentei com elas que antes não estava tão nervoso, mas que estava ficando.
— É o seu "sistema medroso". Antes você estava num ambiente familiar. — Uma delas explicou. — Lembro de quando fui fazer cirurgia também, fiquei bem nervosa. Quase que eu morro.
Ela parou por um segundo e completou:
— "Morro de nervoso", não por que algo deu errado!
Eu ri junto com elas. Estava começando a seção de comédia, mas ainda não havia chegado o astro principal daquela manhã.

Eu já estava deitado na maca, com acesso na mão, o bipe dos batimentos cardíacos apitando (a nota era Bb eu acho — mas depende da velocidade, porque quando caía pra baixo de 70, descia meio tom) e veio outro enfermeiro animadinho pra colocar o oxigênio pra mim. Eu até comentei da nota com ele e ele ficou curioso, quando entrou o anestesista:
— Seu Gabriel?
— Opa!
— Sou o doutor fulano, vou ser o anestesista. Tudo em ordem?
— Tudo em ordem, doutor. Só quero que esse troço acabe logo porque tô é com fome.
— Vish, pois você nem vai ver passar.
— Estou contando com isso!
Ele sorriu e deu as costas para preparar sei lá o que. Enquanto ele mexia nas coisas, virou-se para o enfermeiro e disse:
— Ciclano, vê aí no Youtube como é que faz pra aplicar anestesia mesmo!
Todos nós rimos e eu disse, ironizando:
— Esse centro cirúrgico é só comédia!
Ele colocou um pouco da anestesia no meu soro e um pouco no meu acesso.
— Essa é só a amostra grátis, depois vamos te sentar pra aplicar a boa.
Mas não passou um minuto (ou passou, sei lá) e eu disse:
— Eita, doutor. Essa é da boa. Já tô vendo o teto girar... — e aí eu reparei que o braço mecânico daquelas lâmpadas de filme de terror também começou a girar, mas eu já não conseguia lembrar o nome "braço mecânico". — Inclusive, esse... esse... tá girando aqui, doutor... é... — e aí eu li as letras que estavam escritas no braço mecânico. — R... K... 277... tá girando...
Tive a impressão de ver o enfermeiro e o médico trocando olhares e rindo um pro outro.

E aí eu já acordei no quarto. A humilhação não acabou, continuo a história depois.



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