quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Resenha – Abram

McPHERSON, Brennan. Abram: The early years of Abram, Sarai, and Lot. Sparta: McPherson Publishing, 2021.


Ai, gente. Como eu queria terminar bem a resenha dessa série chamada "The Fall of Man" ou "A queda do homem". Tudo começou MUITO bem com Cain, continuou bom com o conto de Adam, mas já em Éden eu via lampejos do que viria a seguir. Flood foi muito ruim, mas bem ruim mesmo. E depois veio Babel, que não melhorou muito as coisas. E aí que bem a tristeza de falar agora de Abram, que é, se não tão ruim quanto, pior do que Flood. Vamos à resenha.

Esse livro é ruim desde o começo e não melhora em momento algum. Pra começo de conversa temos personagens extremamente caricatos, que não se desenvolvem, e são exatamente os mesmos do começo ao fim, com meros lampejos de personalidade no meio do caminho. 

Abrão é sempre muito crentão, estóico, sofredor (como se baixar a cabeça e apanhar fosse sinônimo de piedade cristã); Sarai é bipolar, ora ela é extremamente passiva com tudo, ora tem uns ataques de pelanca, mas tudo bem inconsistente; e Ló é um playboizinho que não se importa com nada e só quer curtir a vida. É isso. 

Aliás, o autor parece gostar de sempre começar os livros com muitos personagens ao mesmo tempo, dificultando que o leitor se situe bem na história. Ah, e outra vez uma questão evidente que já citei em outros livros dele: o antagonista é interessante e bem desenvolvido enquanto o protagonista é passivo e sem sal. Mas nem isso se mantém, até os antagonistas são rasos e desinteressantes no fim das contas.

O autor nos informa demais das intenções dos personagens e explica demais cenas simples. Os personagens estão sempre muito conscientes do que está acontecendo, eles notam tudo. E ainda por cima somos apenas constantsmente informados dos sentimentos de Abrão, mas nunca os sentimos junto com ele. Há muitas descobertas súbitas e tentativas forçadas de intimidade que só dão raiva

O enredo sofre bastante com a falta de coisas interessantes. Há, eu diria, apenas um ou dois fatos deveras relevantes para a trama. O resto é só filler, só linguiça pra preencher espaço. E haja espaço! 401 páginas de pura sofreguidão. Lá pela página 200 eu tive um vislumbre de que a história melhoraria, mas qual! Foi só um daqueles espamos literários – a única coisa capaz de nos manter na leitura.

Agora, a verossimilhança foi tensa aqui. É por isso que o autor se dava bem quando escrevia fantasia e não ficava só na ficção histórica. Era melhor pra justificar algumas escolhas muito complicadas de se fazer e manter plausíveis.

Pra começo de conversa tem o problema do romance. Toda vez ele coloca um amor que não surge de modo natural. No caso de Abrão, maior climao, morte na família, personagem cheio de dedos e silêncios, aí pá o autor tenta criar um clima "Ai, porque ele tocou na minha mão e eu senti algo diferente". Putz. Não dá, né.

Pegando esse gancho, tem ainda a questão da relação homem-mulher. Primeiro que não faz o menor sentido um casamento naquela época não ser consumado logo em seguida. Sério, não faz o MENOR sentido. A falta de consumação do casamento era ofensa punível com morte. O romance com uma moça de 14 anos, embora culturalmente apropriado, é mal trabalhado. A relação com a moça seria quase de serva e senhor, autor romanticiza demais.

Na questão de Sarai e o faraó, vou até dar uma colher de chá e conceder que há mais de uma interpretação possível no texto bíblico e não dá pra dizer com certeza que faraó não dormiu com Sarai. MAS, mas, mas. Não faz o menor sentido que a mulher tenha sido recebida como esposa e já levada pra cama no mesmo dia. 

Ela teria que ser no mínimo preparada, ela iria para uma casa de apoio das esposas de faraó, separado do harém de concubinas. Basta lembrar de Ester que levou um ano inteiro de preparação antes de ser levada ao rei. Sabe por que neste livro Sarai foi levada a faraó no mesmo dia? Pra forçar a barra e fazer a história rodar na marra.

E aí tem o principal problema de todos: Abrão já ser crente antes mesmo de Deus o chamar. Embora este também seja um daqueles casos em que o texto bíblico não dá 100% de certeza, o jeito como o autor constrói Abrão, o super-crente, fiel, com raras dúvidas, com erros bem menores do que seus constantes "acertos" (entre aspas porque até alguns dos acertos que o autor defende eu não considero corretos), toda essa construção nega o que está em Romanos:
Porque, se Abraão foi justificado por obras, tem do que se orgulhar, porém não diante de Deus. Pois o que diz a Escritura? Ela diz: “Abraão creu em Deus, e isso lhe foi atribuído para justiça.” Ora, para quem trabalha, o salário não é considerado como favor, mas como dívida. Mas, para quem não trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é atribuída como justiça. E é assim também que Davi declara ser bem-aventurado aquele a quem Deus atribui justiça, independentemente de obras. (Rm. 4:2-6)
Ora, do jeito que o autor constrói Abrão, ele tinha era todo o direito de se gloriar, porque suas obras foram maravilhosamente boas. E, pior!, em determinado momento Deus até aparece para Abrão no livro e o "convence" de que ele poderia acreditar, mostrando as coisas que aconteceriam. Ora! Nesse momento o autor acabou com a fé, a certeza do que se não vê, de Abrão. Ele literalmente viu, nem precisou crer.

Esse foi um erro crasso que detonou a obra desde a sua origem. A partir dali (e isso foi bem no comecinho do livro), foi só ladeira a baixo. Um livro que sinceramente provou ser apenas uma água com açúcar, muito mas muito diferente mesmo do que eu sei que o autor é capaz de escrever. Eu sei porque eu vi.

Bom, pra concluir. No fundo, este é um livro é clássico das romantizações de textos bíblicos. Uma história barata, sem um bom enredo, com personagens rasos. É uma daqueles livros de ficção cristã que qualquer um consegue fazer, sem nada original. Tenho certeza que é assim que muita gente gosta e que muitos vão até discordar dos meus apontamentos, porque não somente aprovam como gostam apenas da água com açúcar.

Eu não sou assim. Foi justamente para evitar esse tipo de história que desde o começo abracei os Personagens não-bíblicos. Se for pra contar o que todo mundo já contou, acho que a leitura direta do texto bíblico pode ser mais proveitosa do que a leitura deste livro.

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