quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Resenha – A moreninha

MACEDO, Joaquim Manual de. A moreninha. Jaguará do Sul: Avenida, 2009.


Tá, vamos lá. 

Edição simples e barata da editora Avenida, comprei na época do cursinho lá na Jaime Brasil, numa época em que o Shopping Fortaleza (que não tem nada de shopping, muito menos de fortaleza) ainda tinha alguns livrinhos bestas. Nessa época comprei vários desses clássicos, jurando que os leria. Só me perdoo porque foi lá que comprei a primeira vez Noite na taverna (resenha aqui). Só por isso já valeu a pena.

Vou direto ao ponto aqui e já começar falando que há uma razão pela qual tanta gente desgosta de ler os clássicos no período escolar. E realmente não faz o menor sentido, porque pra aproveitar o estilo tem que ter maturidade leitora e muito saco. E isso não se consegue em poucos meses ou até semanas. (Acreditem se quiser, já vi currículo escolar que propunha ler e estudar Dom Casmurro em dois meses). A exemplo do que estou falando, veja este trecho:
[...] naturalmente, Bocage, quando tomava carraspana, descompunha os médicos.
— C'est trop fort! bocejou Augusto [...] (p. 9)

Esse intelectualismo que sempre permeou os clássicos foi exatamente o que sempre me afastou deles. Não porque eu (ou outros leitores) não tenhamos capacidade intelectual de entender ou degustar, mas porque é uma leitura feita para uma casta, cheia de rodeios, citações em idiomas estrangeiros e referências que só não são obscuras pra quem tem todo o tempo do mundo pra ler poetas arcadistas.

A história não caminha de fato para frente, mas é permeada por uma sucessão de anedotas que poderiam ser facilmente reduzidas a poucas linhas (e olhe lá – por mim cortava era tudo). Aqui acompanhamos a história de Augusto, um estudante de medicina, que finda se apaixonando pela irmã do seu amigo Fabrício – trata-se de Carolina, a Moreninha –, por ocasião de uma visita que faz à casa da avó de seu amigo. 

Outra coisa que incomoda é que é tudo um conto de fadas, um mundo alheio e abstrato. Não que literatura deva tratar apenas do que é real apenas realisticamente; mas é que, mesmo na fantasia ou ficção, é preciso que o leitor se relacione ou se identifique com os personagens.

Talvez isso tivesse sido realidade para o século XIX. Porém, ainda assim, creio que, se o fora, então o foi apenas para uma parcela da população. O distanciamento é tão grande que não parece que estamos lendo uma história, parece que estamos lendo um relato de acontecimentos tão somente. É chato porque é distante, bem distante de nós.

Em mais de uma ocasião me pareceu que o verdadeiro apelo do livro está no seu erotismo nem sempre tão velado. No começo da história, por exemplo, lemos a seguinte descrição que o amigo de Augusto, Fabrício, faz de uma de suas primas: 

A mais moça tem um ano de menos: loira, de olhos azuis, face cor-de-rosa... seio de alabastro... dentes... (p. 11)
Em outra ocasião, em que Augusto se vê escondido dentro do quarto das meninas, lê-se:
Pobre Augusto!... não te chamarei feliz!... ele vê a um palmo dos olhos a perna mais bem torneada que é possível imaginar!... através da finíssima meia aprecia uma mistura de cor de leite com a cor-de-rosa e, rematando este interessante painel róseao, um pezinho [...] não foram beijos o que desejou o estudante outorgar àquele precioso objeto [...] (p. 73)
Uma coisa que fica evidente, porém, e nisso preciso tirar o chapéu, é que o autor faz um excelente uso do idioma. Claro que o uso da língua muda, isso é natural e esperado. Mas não posso deixar de notar a beleza que aparece nas construções, no uso de adjetivos, até mesmo nas conjugações verbais. Isso é de fato belo.

E também não significa que o livro não tenha citações bonitas ou um e outro acontecimento que é até engraçado (lembro da ocasião em que Augusto diz para uma véia chata que ela tinha hemorróidas). Para exemplificar, trago este trecho:
Em amor a imaginação é tudo: é ardendo em suas chamas e elevado nas asas de seus delírios que o mancebo se faz poeta por amor (p. 16)
Em conclusão, achei o livro extremamente chato e, se Deus permitir, não o lerei nunca mais. Penso que esta obra tem seu valor histórico e com certeza uma boa função no mundo acadêmico da literatura. Mas, pelo menos para mim, que vejo a literatura com os olhos do cotidiano, não penso que seja um livro para o dia a dia ou para desfrutar – talvez esteja mais próximo de ser um livro para estudar.

0 comentários:

Postar um comentário