terça-feira, 14 de abril de 2020

Resenha - Eden

McPHERSON, Brennan S. Eden: Biblical Fiction of the World's First Family. Sparta: McPherson Publishing, 2020.


Bom, não é a primeira vez que eu falo de Brennan McPherson e tenho certeza que não será a última. Vocês verão referências minhas às outras resenhas que fiz dele no decorrer do texto. Gostaria de destacar apenas que o cara é um escritor independente (os livros são autopublicados), mora nos EUA e deve ter a minha idade. 

Logo, a primeira coisa que impressiona é qualidade do material que temos em mãos. Embora não seja financiado por uma editora, tem qualidade superior a muita coisa que se vende por aí como "de primeira". Vamos passar direto pro texto e falar um bocado sobre este livro.

Pra começo de conversa, a primeira frase já me incomodou. Veja bem, depois que comecei a ler e tentar entender o processo de escrita com mais afinco, as primeiras frases de livros ou histórias ganharam novo significado pra mim. Elas precisam, elas têm a obrigação de me cativar. O poder desse gancho, pra mim, como escolha pessoal, se tornou muito forte.

E é por isso que a frase "a lua se escondia atrás de uma cortina cinza de nuvens", já me causa agonia, por conta do clichê. O começo do livro tem vários clichês sobre "a noite", incluindo as estrelas que brilham no céu e até o piado de uma coruja! Achei demasiado.

Mas a gente logo vê algo que eu acho muito bom na obra de McPherson: a psicologia dos personagens é bem trabalhada. Nós vemos Adão, por exemplo, no meio de sua família (que a este ponto já é um pequeno vilarejo), sentindo-se culpado pelo que fez, assombrado pelos fantasmas do passado que causaram tanto mal para toda a humanidade. E o livro se trata dele mesmo narrando sua história para Enoque, o primeiro profeta.

Como eu suspeitava, partes do que eu li na prequel "Adam" (que, inclusive, eu já até resenhei aqui) estão também no capítulo que Adão descreve a criação. Por conta disso, embora eu ame, ame de verdade esta parte da história, não vou comentar mais. Deixe de preguiça e leia a outra resenha. Por outro lado, o fato de lido Adam estragou muitas nuances do começo de Éden, porque eu já sabia o que o autor ia fazer: como o homem vai se afastando de Deus aos poucos, como o relacionamento com a serpente é algo cultivado devagar, até crescer e explodir tudo, etc.

Eu já comentei com McPherson (sim, somos colegas de e-mail!) que não gosto da ideia de tornar Deus um personagem, dando falas e tudo o mais. Pode ser preciosismo, pode ser exagero, mas não consigo ir contra a minha consciência. Eu estava disposto a não deixar me abater por isso nesse livro. Mas, mano, até dizer que os olhos de Deus são castanhos ele fez! Achei exagero e desnecessário. Porém cumpre-me dizer que o personagem é trabalhado com respeito no decorrer da história.

O reencontro com o Pai depois da Queda foi emocionante, infelizmente não para alegria, mas para a mais profunda tristeza. O autor descreveu com maestria e criatividade o que deve ter sido o momento mais terrível da História. Me doeu o coração só de imaginar. Houve vários momentos que me emocionei ao ver o desenrolar em minúcias de uma história que eu já conhecia.

Aliás, o livro é muito fiel ao retratar a Queda, mostrando como ato consciente do homem e da mulher, além de colocar a responsabilidade por ela nos ombros do homem, o que está absolutamente correto! E fica evidente a destruição do bom relacionamento entre homem e mulher (é um dos grandes focos temáticos do livro). Um odiava o outro por ter caído em pecado e perdido a graça de Deus, ao mesmo tempo que, na sua solidão, tudo que podiam ter era um ao outro:
"For I felt certain that I could not regain my Father's closeness. Yet, if that were true, I had nothing left but her. And she hated me." (posição 967)
A ideia da separação de Deus caiu em mim com um baque. Pense que todos os dias Adão e Eva encontravam Deus no jardim e que, depois da Queda, eles não podiam mais falar diretamente com Deus. Já pensou conversar com alguém todo dia e a pessoa chegar e dizer: "Não podemos mais nos falar, quem sabe daqui a um ano"? Terrível. Terrível.

Do jeito como é descrita a saída de Adão e Eva do paraíso, bem como o choque com a nova realidade, me surpreende que os dois tenham conseguido viver depois daquilo tudo. O autor é muito autêntico em mostrar os comportamentos de ambos beirando a loucura. 

O encadeamento dos capítulos é um absurdo de bom. Quero muito aprender como fazer isso, porque McPherson escreve de um jeito que não deixa a gente parar! E não é como se cada capítulo terminasse num cliffhanger (que é o truque mais barato da cartola), mas é realmente a cadência da história que joga o leitor pra frente. 

Há algumas questões de verossimilhança no livro. Penso que é natural, especialmente porque estamos falando de uma época sem registros. Mas quero trazer os questionamentos à tona, porque julgo que são pertinentes. 

Veja bem, em certo ponto da história, Adão e Eva partem do pressuposto que ela poderia ter um filho, que esse filho seria uma criança e que eles teriam que cuidar dessa criança. Mas... como eles sabiam disso? Tem gente hoje em dia tendo filhos mas sem esta profundidade! Quantos adolescentes inconsequentes não estão por aí sem ter noção da responsabilidade de criar outro ser humano? Penso que esta motivação partiu de pressupostos do autor, não dos personagens.

Mas, do meu ponto de vista, o livro tem um problema grande de verossimilhança e este problema foi gerado devido a percepções culturais do autor sem que ele percebesse. Eu me refiro às estações do ano.

Tendo eu vivido num lugar onde só há duas estações e num país onde os climas predominantes são tropical e equatorial, não é difícil pra mim imaginar um lugar em que o tempo não seja visto por estações. Porém acho que não foi o caso do autor, que delineou bem quatro estações para aquele lugar, incluindo até um período de neve que foi muito relevante na história. Eu sei que é ficção, eu sei que é um tempo extremamente remoto e eu o estou vendo com olhos contemporâneos. Não obstante, não me convence essa história de quatro estações. Acho que foi uma percepção cultural do autor.

Em alguns pontos, o livro me parece ter uma vaga defesa ao vegetarianismo. Mas eu suscito apenas uma pergunta: o que aconteceu com a carne dos primeiros animais que Deus sacrificou no Éden, para fazer as roupas? Deus permitiu o desperdício do alimento? Não quero criar polêmica, mas estas dúvidas pipocaram na minha cabeça.

Apesar destas coisas, porém, o livro brilha. Talvez a grande beleza do livro é porque reconhecemos em Adão nós mesmos. E até às circunstâncias que hoje enfrentamos, estão muito próximas em princípio das que ele também sentiu. Se hoje dependemos da Provisão, por exemplo, quanto mais ele. Veja como esse trecho captura muito bem essa ideia (esta, aliás, acho que foi a citação mais bonita de todo o livro):
"From the little we have shared of Eden, many believed that after we sinned, we were on our own. But that could not be further from the truth. We would have died without Him. We still would." (posição 1650)
Novamente vejo uma ponta de desejo de redenção de Caim. O autor fez isso no primeiro livro que li dele. E aqui isso não é tão direto quanto lá, mas vê-se uma trama de comportamentos e falas que querem mostrar uma pressão social que teria ajudado a moldar o caráter de Caim e empurrá-lo na direção errada. Neste ponto, porém, não posso deixar de notar a maestria do autor em fazer isso.

A história em si é muito bem montada. Nós sabemos o que vai acontecer, nós conhecemos a história do Éden, nós conhecemos a história de Caim e Abel (a narrativa termina um pouco depois do primeiro assassinato), mas ainda assim ficamos grudados no livro, curiosos pelos meandros que os personagens terão que percorrer até chegar naquele ponto fatídico.

Após a história em si, o autor insere no fim do livro um comentário sobre os capítulos 1-4 de Gênesis. Embora, a princípio, desnecessário para um livro de ficção cristã, achei que a seção veio a contribuir com a melhor leitura do livro. Mas, como parte do livro, a seção também está aberta a críticas e comentários.

O que tenho a ressaltar deste trecho é quando ele mostra a culpabilidade mútua tanto do homem quanto da mulher no momento da Queda, até mesmo a culpa maior recaindo sobre o homem. Eu concordo plenamente com isso. A última coisa que quero ver é a Escritura sendo usada para criar sexismos sob o falso selo de "Cristianismo."

Não obstante, embora eu creia que ele creia nisso, não foi exatamente o que foi repassado na história. O Adão que ele retrata é quase um banana! Em muitas, muitas situações mesmo, eu fico com raiva do personagem de Adão. Talvez o pecado dele o fizesse cada vez mais um homem ausente no seu lar, mostrar o homem cada vez mais omisso. Eu entendo e concordo com essa opção de narrativa (aliás, muito fiel). 

Mas nos momentos de maior agonia, eu o vejo se retrair e acovardar-se! O comportamento se encaixa na história, até porque a história é moldada, em boa parte, por este comportamento. Mas uma vez que Adão não é apenas um personagem de uma história fictícia, eu me pergunto se aí também não houve um problema de verossimilhança.

A não ser por este mero ponto, tudo que ele falou quanto às interpretações do começo de Gênesis se encaixam perfeitamente com tudo que acredito, incluindo aí que existia dor antes da Queda (as dores do parto seriam multiplicadas), que o mal já existia antes (o homem só não tinha o conhecimento da dicotomia bem x mal) e que, de certa forma, havia uma espécie de ciclo da vida, embora, a princípio, o homem não estivesse incluso quanto à morte (ainda que isto não impedisse que outras criaturas estivessem).

Fiquei bem triste em ver o livro que me apresentou a McPherson, Cain (resenhado aqui), des-publicado. Digo isso porque com "Eden", o autor descontinuou e reestruturou a história que ele tinha trabalhado no outro livro. Por outro lado, ao ver o autor "se desculpando" por aspectos de fantasia no seu livro sobre o Dilúvio, me faz entender seus motivos. Presumo eu que seu público não quis aceitar muito bem estes elementos de fantasia. Algo que eu, particularmente, acho uma grande pena, uma vez que para mim, é nestes elementos que resta o grande toque de singularidade do livro.

Agora tem algo muito interessante em como Deus age por meio de escritores de ficção cristã, e gostaria de me incluir nisto. O desejo de McPherson com seus livros é exatamente o mesmo que tenho com o meu (ou "os meus", quem sabe). Veja só:
"I hope that tese books stimulate thought and help you to fall deeper in love with Scripture. I also hope these books help you see the text of the Bible from a fresh perspective. As always, your source of truth is the Bible.I write these books not to add anything to the Bible, but to entertain, uplift, encourage, provoke thought, challenge (both myself and others), and to give myself an additional reaon to dive deeper into the heart of Jesus" (posição 4259)
Caramba, é exatamente isto que eu faço também! Está aqui um exemplo claro do Espírito Santo agindo com o mesmo propósito em corações tão distintos, separados por culturas, idiomas e espaço geográfico tão diferentes; mas unidos com o mesmo propósito de adorar o Criador com tudo que Ele mesmo nos concedeu. Pode parecer loucura, mas eu sinto no autor um verdadeiro irmão e amigo.

Por isso, não me resta outra opção senão mais uma vez recomendar este autor. Tenho o sincero desejo de que todos o leiam, porque eu creio que ele será um nome a ser reconhecido. E, se não for, terá sido uma grande pena para nossa geração. Deus em sua grande Providência poderá usar estes trabalhos mesmo que McPherson não se torne grande. Mas minha oração é que ele cresça, para abençoar ainda muito mais vidas. 

Leia-o.

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