quarta-feira, 1 de abril de 2020

Resenha - O Fantasma da Ópera

LEROUX, Gaston. The Phantom of the Opera. E-book. AmazonClassics, 2017.


Ah, meus amigos... Le Fantôme de l'Opéra... Eu nem sei como iniciar essa resenha. Este livro é fenomenal. Não, corta isso. Fantástico. Não, é pouco. Eu não consigo expressar como esse livro é bem escrito, envolvente, fascinante... (muitos adjetivos com a letra f). Mas eu vou tentar, sinceramente. Mas eu já aviso: essa vai ser uma resenha longa, eu tenho motivação pessoal especial para falar do Fantasma da Ópera, o livro é bom, etc. Estão avisados.

Bom, em 2019 eu tive o privilégio de participar de um musical aqui em Roraima intitulado "Os melhores da Broadway". O musical O Fantasma da Ópera foi apresentado em Los Angeles pela primeira vez em 1986 e... está em cartaz até hoje! É o musical com maior tempo de permanência na Broadway até hoje, passou até de Cats

Então, participando deste musical eu tinha uma única função: interpretar ninguém, ninguém menos, que o Fantasma da Ópera. Eu nem consigo explicar direito como foi aquilo, como foi experimentar ser o Fantasma, cantar como ele, pensar como ele, sentir como ele... ser louco como ele... ah! Só isto já era motivação suficiente para eu pegar esse livro para ler. 

Devo confessar que a primeira vez que ouvir falar do Fantasma não foi pelo livro, mas pelo musical que depois se tornou filme. Este filme eu achei muito interessante, mas eu achava que O Fantasma da Ópera era uma produção recente. Jamais eu desconfiaria que o livro foi lançado em 1910! Caramba... taí um título que sobreviveu ao teste do tempo, não dá pra negar. E não foi à toa.

"[...] every one felt that if the dead did ever come and sit at the table of the living, they could not cut a more ghastly figure." (p. 29)

No livro o autor tenta convencer a gente continuamente que a história é baseada em fatos reais sobre um fantasma que realmente existiu. Isso é legal porque sempre deixa a gente com uma pulga atrás da orelha. Além disso, é clássico daquela época as histórias serem contadas por meio de um storyteller e não diretamente por um narrador onisciente (a que me vem a cabeça com mais evidência é Moby Dick).

E vamos falar logo das técnicas e estilo do livro. De cara, notei que ele faz uso muito bem de uma técnica que já vi mestres recomendando: em vez de você falar ou descrever diretamente algo, você coloca um personagem para fazer isso. Torna muito mais interessante ouvir sob a perspectiva de outra pessoa, além de servir para enriquecer o próprio personagem. Classic win-win situation. 

E isso acontece várias vezes no decorrer do livro, porque o storyteller (narrador), para compor sua história, precisou pegar fragmentos de diários, entrevistas, além de pesquisas com fontes diretas (olha só como é interessante a questão da verossimilhança aqui!). Logo, a narrativa fica muito densa e rica, até pela necessidade de questionarmos os próprios relatos, uma vez que são narrativas de personagens, não de um narrador que sabe tudo.

Veja bem, exceto por umas duas ou três cenas, o livro não é escrito do ponto de vista do Fantasma (que seria o maior protagonista de toda a história). Isto torna o um personagem ainda mais interessante, porque sempre o conhecemos apenas a partir do ponto de vista de outras pessoas. Uma técnica narrativa utilizada com perfeição por Leroux! (Eu me adianto aqui falando de personagens, mas é que não consigo evitar falar... dele).

Quanto ao estilo, veja que estamos falando dos últimos resquícios do romantismo do século XIX. Ou seja, mesmo numa obra como esta encontramos ainda os arroubos de romantismo excessivo que causam um misto de agonia e vontade de rir. Acho que o autor não conseguia evitar aqueles diálogos melosos e motivações (ao meu ver contemporâneo) pífias a princípio. Mas isto é pequeno, pequeno.

O grande lance dessas falhas é que o autor encontrou uma mina de ouro. O Fantasma é um personagem muito bom. A ideia de ter um fantasma num teatro é simplesmente boa demais, quase surpreendente que ninguém tivesse pensando nisso antes. E talvez seja isso que torne a ideia tão genial: estava bem debaixo do nosso nariz.

E, pior!, se fosse apenas uma boa ideia, talvez Leroux ainda tivesse a capacidade de arruiná-la; mas, não. Ele foi habilidoso o suficiente para transformar essa ideia numa baita história. Estou convencido de que o que eu enxergo agora como problemas estilísticos não são mais do que marcas de sua época. Ninguém escapa ao Zeitgeist

Tá, agora vamos chegar no que eu acho o âmago do livro: os personagens. Não é que a trama seja ruim, pelo contrário. Mas é pela boca dos personagens que nós vemos a maior parte do desenrolar dos acontecimentos, dando a eles uma função mais do que primordial.

Pra começo de conversa, eu sempre tive um problema com a personagem Christine. Eu sempre achei ela boba demais, muito crédula e bem lesa mesmo. Mas conforme o livro foi desenrolando a psiqué dela, eu fiquei convencido. Enquanto ainda a odeio no filme -- visto que lá é impossível transparecer de maneira plena o que um livro traz --, aqui ela já parece realmente ser outra pessoa.

Alguns personagens foram bem mais realçados no livro do que no filme. Por exemplo, o filme deixa muito a desejar quando não inclui nele o Persa. Este cara é essencial não só para explicar a história do Fantasma (sua origem e desenvolvimento) mas também para os acontecimentos que garantem o final da história! Diabos, tem uns quatro capítulos que são narrados diretamente por ele! 

Falar de personagens ainda é falar de técnicas. O uso de nuances é brilhante. Por exemplo, o penacho negro do chapéu de Mademoiselle Giry. O autor usa este objeto pra constantemente se referir às agitações internas da personagem sem gastar uma linha abordando isso diretamente. Brilhante.

Claro que temos aqui o Raoul, o parzinho romântico de Christine. Embora meio bobão (novamente aqui transparece bem o estilo da época), a gente vê que o personagem tem uma certa consistência. Mas a impressão que eu tive dele não melhorou tanto, mesmo com o aprofundamento do livro. Este é o resquício mais forte que temos no livro de um romantismo babão.
"It is true, Christine!... I am not an Angel, nor a genius, nor a ghost... I am Erik!" (p. 130)
Ora, sem mais delongas, chegou a hora de falar do personagem principal, o Fantasma da Ópera. Ele é, de longe, o personagem mais interessante e mais bem trabalhado de toda essa narrativa. 

Este cidadão, cujo nome é Erik, tem uma história complexa de abandono social, deformação física e distúrbios psicológicos. Não obstante, ele consegue ter uma voz poderosíssima, uma criatividade cigana invejável com manipulações e ilusionismo, além de capacidades fantásticas como ventriloquismo.

A primeira coisa que realmente preciso falar dele é o seguinte: o Fantasma da Ópera não é bonito! E nem pode ser! Esquece aquele ator lindo e maravilhoso com uma mascarazinha furreca. Não! Aquilo não é suficiente! O Fantasma era chamado, na sua infância, de "O Cadáver Vivo". A sua própria mãe nunca o beijou nem abraçou, aliás, foi ela que fabricou sua primeira máscara! 

Ele rodou a Europa e Ásia Menor como uma aberração talentosa. As pessoas não conseguiam sequer olhar direito para ele sem que lhes causasse horror. O Fantasma é descrito como não tendo nariz, olhos afundados e a pele do rosto ressecada e sugada, como se ele fosse um cadáver mesmo! Além disso, era dito que ele tinha o cheiro de um, pois sua pele era fria e causava asco ao toque.

Vejam, essa feiura moldou todo o caráter do Fantasma, ela não é um detalhe e tampouco pode ser retirada. O livro não é uma aventura romântica, longe disso! O livro é praticamente um terror gospel, quase uma aventura policial de suspense. O Fantasma pode falar de amor, pode dizer que sente amor, mas ele é um psicopata. Não esqueçam disso. A sua loucura o define.

Ah, e gente, gente!... Meu Deus! Não dá pra seguir em frente sem falar do capítulo 12: "A lira de Apolo". Caramba! Eu disse: CARAMBA! Aquele capítulo é fantástico! É quando somos apresentados ao Fantasma em toda a sua essência. E que personagem fascinante! E como é fascinante a relação dele com Christine, a quem eu tanto odiava ainda há pouco. 

Nossa, quantas exclamações neste último parágrafo, é quase um abuso; mas não consegui evitar. Este capítulo deve ser a alma de todo o livro, que é justamente a cena do telhado. A grande cena em que Christine se declara para Raoul, sem saber que lá, escondido, enchendo-se de fúria e vingança, estava o Fantasma da Ópera. 

Os lugares descritos no livro também têm uma relevância interessante. O mundo dos Porões do Teatro são absolutamente fascinantes. O autor criou ali um reino de fantasia, com monstros, personagens obscuros e quasi-zumbis que perambulam. É genial! Nós de repentes somos transportados e imersos num fundo de suspense, onde tudo é possível, onde paredes são espelhos, onde um homem pode conduzir uma miríade de ratos e onde uma sombra desconhecida passa, a serviço de alguém que não é o Fantasma!

A França é o centro dos acontecimentos, ou melhor, a grande Casa de Ópera de Paris. Mas a Escandinávia é constantemente mencionada e sempre se dá a ela um ar de "tempos melhores", paz ou simplicidade de vida. Curioso é perceber que mais de um personagem teve sua infância nestas localidades.

E é absolutamente chocante a quantidade de fatos reais envolvidos. Sim! Porque a Casa de Ópera à qual o livro se refere é real! Trata-se do Palais Garnier. Ele realmente é uma das maiores casas de ópera do mundo, tem de verdade túneis subterrâneos que foram inclusive usados como esconderijos durante guerras, e, pra piorar tudo, tem de verdade um lago subterrâneo que é usado até hoje em treinamentos de bombeiros.

As similaridades que o livro tem com a vida real o tornam ainda mais fascinante. Cabe aqui lembrar que Leroux foi jornalista na época e esteve bem informado quanto às obras de construção do Palais, daí seu insight tão perfeito sobre o local. Só esta Casa de Ópera em si já é um deslumbre, ponto perfeito para o mistério. E ele ainda resolveu colocar o Fantasma nela! Ah, que gênio!
"Poor, unhappy Erik! Shall we pity him? Shall we curse him? He asked only to be 'some one', like everybody else.
[...]
He had a heart that could have held the empire of the world; and, in the end, he had to content himself with a cellar.
" (p. 283-284)
Com o que finalizamos, então? Com um livro muito, mas muito bom mesmo. Caramba, e pensar que é uma obra do começo do século passado! Se formos pensar estilisticamente, na verdade é uma obra do final do século XIX! A gente fica vidrado nela, mas de um jeito diferente das obras contemporâneas, em que temos um pico de ação perto do fim.

Claro que temos sim mais acontecimentos se desdobrando perto do final, mas há constantemente mistério e temor que nos impulsiona à necessidade de saber o que vai acontecer. Até mesmo os diálogos são bem construídos pensando nisso, na doce agonia de deixar o leitor em permanente ânsia da revelação da verdade. E que verdade, meus caros.

Por favor, por favorzinho, leiam o Fantasma da Ópera, aproveitem que está de graça na Amazon por conta da quarentena do vírus (aliás!, segundo ou terceiro livro que leio já nesta quarentena). Aproveitem esta oportunidade para se deleitar com uma literatura que não dá pra botar defeito. Leiam, leiam! Venham para onde eu estou agora porque the Phantom of the Opera is here... inside my mind!

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