sábado, 18 de junho de 2022

Resenha – O retrato de Dorian Gray

WILDE, Oscar. O retrato de Dorian Gray. São Paulo: Abril, 2010.


Da série "livros que li na adolescência e resolvi ler de novo pra ver se agora consigo entender um pouco melhor o que está realmente acontecendo e se esse livro tem alguma coisa mais profunda pra ensinar ou mostrar que eu não conseguia ver na época que era mais jovem." (Título provisório).

Na verdade não sei dizer. Se por um lado compreendi a história, por outro creio que hoje minha noção do esteticismo e da própria arte talvez realmente tenha me dado a oportunidade de entender melhor essa obra. Não, "entender" não é a palavra certa, acho que está mais para "desfrutar".

O prefácio já chega pra arrebatar a gente. É um lirismo em prosa de uma qualidade fenomenal (na verdade, boa parte do livro é). Mas vejam só como o safado ainda me pega com a boca na botija, logo no começo
Tanto a forma mais elevada, como a forma mais baixa de crítica, é um modo de autobiografia. (p. 7)
Eita, e aqui estou eu fazendo uma resenha (crítica) sobre a obra. Esta citação fala mais sobre este blog do que sobre o próprio livro. Que coisa, não? 

Estamos diante de um clássico da literatura inglesa, o único (!) romance de Oscar Wilde, onde ele conta a vida do jovem Dorian Gray, que tem um quadro seu pintado e que, por obra misteriosa, traz uma maldição-bênção sobre a vida do jovem: os anos se passariam, mas Dorian Gray manteria consigo a beleza e a juventude, enquanto a pintura é que envelheceria.
A juventude eterna, a paixão infinita, o prazer sutil e secreto, as alegrias espontâneas e os pecados ainda mais espontâneos... ele possuiria todas essa coisas. O retrato carregaria o peso de sua vergonha. Eis tudo. (p. 140)
Haveria muitos temas pra se expor aqui, o livro é realmente bem denso e, mais uma vez, um daqueles casos de livros em que "não acontece nada", mas ainda assim não conseguimos desgrudar, porque é muito gostoso de ler. Sério, a sensação física que temos é parecido com quando comemos algo saboroso, que dá gosto de desfrutar. 

Creio que poucos vão discordar que é bem latente a questão do hedonismo na obra. Pouco depois da metade do livro o autor dedica um capítulo a exemplificar o hedonismo de Dorian. Um hedonismo incompleto, mesmo com a eternidade nas mãos, uma vez que seu segredo oculto permanecia vivo e Dorian tinha medo que ele fosse descoberto.

Mas não é isso q me chamou atenção. Creio que foi por conta deste capítulo, na leitura nos tempos da adolescência, que não consegui gostar o suficiente do livro. Talvez isso seja verdade ainda agora. Acontece é que o autor passa muuuuito tempo descrevendo e contando como Dorian esbanjava seu dinheiro e sua juventude em diferentes hobbies. 

Se por um lado entendo que o autor usou isso para suas próprias digressões (e não nego que é saboroso de ler, porque Wilde sabia o que estava fazendo), por outro é cansativo para o leitor. Talvez o seja para um leitor do século XXI, porém perfeito para um do século XIX, vai saber né? 

Gosto de ler estes clássicos, em boa parte, porque eles trazem retratos de suas épocas e é fascinante ver como, em algumas coisas, o mundo realmente não muda. Por exemplo, interessante como em uma sociedade tão cheia de dinheiro, ao ponto de que alguns personagens nem precisem se preocupar com ele, ainda é exatamente a situação financeira que decide de modo derradeiro as dúvidas sobre o caráter das pessoas. É pobre? Não presta. É rico? Pode casar, ele é bom.

O autor também aborda de maneira muito verdadeira o pecado que habita dentro de todos. Dorian, tendo todos os melhores atributos do mundo, não conseguia escapar ao que estava dentro dele e que o levava a fazer atos cada vez piores:
Há momentos, dizem-nos os psicólogos, quando a paixão pelo pecado [...] domina de tal maneira uma personalidade que toda fibra do corpo, e toda célula do cérebro, parece ser instinto com impulsos receosos. Nesses momentos, homens e mulheres perdem a liberdade da vontade. Como autômatos, dirigem-se ao fato terrível. A escolha é-lhes subtraída e a consciência, morta, ou então, se conseguir viver, vive apenas para dar fascínio à revolta, e encanto à desobediência. (p. 242)
No final, é justamente o desejo por redenção que leva-o ao seu destino final. 

O livro é cheio de várias citações e trechos dos quais haveria muito a se falar. Essa é daquelas obras que dá vontade de montar um clube do livro e passar horas discutindo sobre os personagens (se perguntando: "Será que isso é fala do autor ou da criatura?"), sobre os temas (incluindo aí até um homossexualismo velado), sobre a edição bonita da Abril, com aquelas fitinhas internas que servem de marca-página e embora eu não tenha gostado no começo hoje reconheço que facilitam a vida que é uma beleza.

Bom, muito a se falar. Leitura que eu espero revisitar daqui a umas décadas e, tenho certeza, degustar ainda mais.

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