terça-feira, 7 de junho de 2022

Resenha – Gente pobre

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Gente pobre. Jandira: Principis, 2021.


Eu parecia uma criança quando peguei o livro na estante e fiquei pululando (mentalmente), cantando para mim: "Dostoiévski! Dostoiévski! Dostoiévski!". Sabe aquela antecipação que a gente tem por que já sabe que o que vai acontecer é algo bom? Pois é, era eu. E minhas expectativas não foram em vão.

Estamos diante de um romance epistolar, ou seja, os personagens conversam por cartas, e conta a história de Makar Diévuchkin, um funcionário público quarentão, pobre, que está apaixonado pela vizinha Varvara Aleksêievna, uma mocinha pobretona que troca cartas com ele. Aqui já vemos o começo do que será o Dostoiévski de sempre: personagens sofredores, em situações difíceis, mas gente com quem todo mundo consegue se relacionar, pessoas reais em problemas reais.
Na primeira vez a impressão é desfavorável, mas isso não é nada; basta ficar conosco por dois minutos e passa, e você não sente, como tudo passa, porque você mesma vai cheirar mal, a roupa vai feder, as mãos vão feder, tudo vai feder. (p. 20)
Dostoiévski não tem pena em retratar a situação deplorável de São Petersburgo da Rússia do século XIX. Ali a pobreza e a miséria estavam próximas, num jogo de dog eat dog, onde todo mundo lutava pela sobrevivência ao mesmo tempo.

Ainda sobre o estilo de um Dostoiévski novinho, engraçado como é possível perceber a diferença entre este começo e suas obras mais maduras, por exemplo:
E quando o coração fica pesado, doído, pesaroso, triste, as lembranças o refrescam e avivam, como gotas de orvalho em uma noite úmida, depois de um dia triste, refrescam e avivam a flor pálida e murcha que queimou com o calor diurno. (p. 48)
Li esse trecho e pensei: "ué, foi Dostoiéviski que escreveu isso mesmo? Tá romantiquinho demais." Bastou eu consultar a orelha interna do livro pra ver que esta foi a primeira obra do autor, quando ele tinha apenas 24 anos (eita! Eu comecei a escrever com 25!), ou seja, ainda estava bem inserido no Romantismo tão característico do século XIX. Depois que deduzi isso foi que me deu uma aliviada: "Ufa, ainda é ele mesmo."

O grande tema do livro, afinal é a pobreza. Só pra citar um exemplo, lembro da cena em que o filho do vizinho no apartamento ao lado morre. Morreu de fome. 

As pessoas doentes morriam em casa e os parentes ficavam do seu lado aguardando a hora da morte chegar, sem poder fazer nada. E eu fico me perguntando quantas pessoas ainda não morrem assim hoje. Lembro de um conhecido de um conhecido que, durante a pandemia, ficou doente mas estava com medo de ir ao hospital por conta do corona. Agonizou até morrer em casa. 
E ainda os ricos não gostam que os pobres se queixem em voz alta de sua sorte, quer dizer, eles perturbam, são importunos. E a pobreza sempre é importuna, os gemidos de fome atrapalham o sono! (p. 126)
Nesta obra Dostoiévski mostrou a que veio, já no seu primeiro romance vemos os traços de genialidade que o tornariam um marco na literatura mundial. E, engraçado, ele não fez isso falando de coisas extraordinárias ou causos estapafúrdios. Ele fez isso falando de gente comum, feito eu e você. Eis onde residem as grandes histórias.

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