terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Resenha – A garota do lago

DONLEA, Charlie. A garota do lago. Barueri: Faro Editorial, 2017.


A verdade é que eu fiquei curioso porque todo mundo tava falando dele. Pra completar, me compro um livro que tem um selo na capa "1º lugar - livro do ano". Bom, com tanto furdunço, era de se esperar que fosse um livraço. Poxa, como eu estava enganado.

A garota do lago era pra ser uma espécie de thriller de investigação policial, mas nem isso consegue atingir. A história se mistura com romance em vários momentos e não desenvolve direito nem um nem outro. Acompanhamos a trama em duas frentes: vemos a história do ponto de vista da Becca (assassinada no começo do livro), olhando para o passado; e sob o olhar de Kelsey, a repórter investigativa que tenta desvendar o caso no presente. 

Vou começar falando da edição, antes de mergulhar no que eu considero ser o mais importante. Ah, e já adianto, lá em baixo, quando eu falar da trama, HAVERÁ SPOILERS. Mas fiquem tranquilos que eu vou deixar um outro aviso garrafal quando a seção chegar.

Às vezes eu tenho a impressão de que me preocupo demais com meus próprios livros ou sou detalhista em excesso. Mas também sei que este zelo com as minúcias é o que realmente faz um trabalho editorial se destacar. Só que é natural – pelo menos para um amador – que erros passem, apesar de todas as análises e consultas. É por isso que dá pra entender, mas é difícil pra mim aceitar quando uma grande editora comete erros em suas edições. 

Uma coisa é umas duas ou três pessoas olharem para um manuscrito e decidirem tudo sobre ele (meu caso); outra coisa é quando esse manuscrito passa pelas mãos de profissionais que vivem para e só disso. E daí vocês entendem minha chateação quando encontro erros de revisão e até mesmo de diagramação no texto (teve um parágrafo que encontrei com algumas palavras em fontes diferentes do resto do texto, só pra ter uma ideia – isso sem falar em erros de pontuação).

Quanto ao enredo de modo geral, o livro é cheio de clichês e altamente previsível. Sinceramente, apesar disso, eu me deixei levar porque achei interessantes as regras do jogo tal como colocadas pelo autor. Por isso, eu achava que a verossimilhança seria um fator chave, mas qual minha surpresa de ver problemas disso em vários momentos (detalho mais na seção de spoiler)

Como já citei no começo, o livro quer ser um suspense policial mas na verdade é aquele clichê romântico de sempre, com triângulos amorosos e mimimis. Até mesmo as revelações que o livro faz – aquelas de fim de capítulo, sabe? – soam pra mim como: "Oh, é mesmo?" (leia com voz irônica). E nem me fale dos capítulos que terminam com frases de efeito que são de revirar os olhos. Aliás, ô livro pra me fazer revirar os olhos.

Mas vamos direto ao ponto da TRAMA - COM SPOILERS (se não quiser spoiler é só pular para a conclusão). 

A primeira coisa que me assustou na verossimilhança foi a figura do delegado Ferguson. Que delegado bondoso aquele que resolve contar todos os detalhes do caso para uma estranha. Nada anormal, coisa de terças-feiras. "Ah, mas ele estava empacado na investigação". Nossa, que solução boa então. Estou com dificuldades, vou entregar os pontos para uma desconhecida.

O desenvolvimento desse personagem é tão injusto e grosseiro, que no final ele é demitido do cargo por dar essas informações e, apesar de estar a mais de 40 anos no emprego (!!!), não aparece um único detetive ou policial em defesa dele, não há menção de que ele tivesse sequer um amigo na força, não há conhecidos, não há espaço para fala, nada. Porque o delegado, assim como outros pontos da trama, é apenas um boneco que serve para um fim específico e preguiçoso.

Falando em fim e preguiçoso, putz grila, que diabos foi aquilo com o Brad? Mano, o cara aparece no final totalmente transformado – na verdade, trata-se de outro personagem totalmente diferente!! O autor não se dá ao menor trabalho de construir nada, simplesmente coloca o cara no final do nada e a gente é obrigado a engolir que tudo aconteceu daquele jeito, no pior estilo possível da quebra da máxima: "show, don't tell". 

O personagem volta como um verdadeiro psicopata, quando no decorrer da trama não havia nenhum indício (NENHUM!) de que ele tivesse esse tipo de comportamento. Pelo contrário, ele é extremamente inseguro de si. Nesse ponto eu até poderia concordar com um crime passional – o que seria totalmente condizente com a questão da insegurança, com o cara perdendo o controle num momento de pura adrenalina. Beleza, aí até faria sentido.

O problema é que volta pra ele lá na cabana apontando como um cara totalmente meticuloso, digno da mente fria de um serial killer. Pra completar, ainda temos a descrição em determinado momento dele como um psicopata. Mano do céu. Que loucura é essa? Não há construção nenhuma, nada nesse sentido! O cara não tem personalidade própria, mas uma que se sustenta nas necessidades do enredo. Resolução preguiçosa e porca.

Pra ser bem honesto com vocês, quando começou a desenrolar a história do triângulo amoroso eu já desconfiei que era um dos dois que teria matado a Becca. Mas, pra ser mais honesto ainda, eu pensei: "Ah, mas não vai ser nenhum dos dois, porque senão seria muito óbvio." Na minha cabeça, um livro que pega o primeiro lugar numa lista de livros não poderia ser tão previsível. Quando relata o quase-suicídio do Brad, novamente eu pensei: "Ah, taí, vai voltar no final... não, pera... isso seria muito óbvio não pode ser isso..."

E aqui, meus caros, é que vem a minha teoria. Tendo tudo isso em mente, eu pensei que o autor desenvolveria a relação da Becca com o médico. Sim, Dr. Ambrose seria um perfeito assassino. Porque com ele ajudando a Kelsey no presente, quando ela descobrisse tudo, perceberia – tarde demais – que o inimigo estava ao seu lado! Veja só como isso tem uma carga dramática mais intensa!

Mas não, o autor resolve criar um romance fuleiro (FULEIRO!) dele com a Kelsey. Romance esse que é na verdade uma forçação de barra da Rae no leitor. Porque ninguém fica convencido que há qualquer coisa entre os dois, as descrições são muito singelas e a narrativa aponta de muito parcamente pra isso! Daí mais uma vez a necessidade de resolução porca, colocando palavras na boca da personagem pra enfiar goela abaixo a história que o autor quer, sem se dar ao trabalho de construir a história para convencer o leitor.

Pra completar tudo com chave de bosta, temos um final que sequer é eletrizante. Eu pensei: "pelo menos o final vai ter aquele vuco-vuco, aquele clássico 'oh, será que ela vai morrer?!', uma perseguição quem sabe". Argh! Que nada! Temos no final um vilão que já aparece morto, que de modo miraculoso volta à sua primeira personalidade depressiva. Até mesmo aquele final com a Kelsey voltando à sua corrida tem um quê de fragilidade, uma resolução também de carteirinha, em vez de construída.

E aqui chegamos ao FIM DOS SPOILERS

A conclusão, minha gente, é que essa decepção com a trama foi grande demais pra mim. Digo isso porque bastou ler o primeiro capítulo do livro e eu já sabia que ele seguiria aquela velha fórmula das histórias americanas contemporâneas. Aquele mesmo roteirinho de Hollywood com personagens, aí descobre um pouco, aí tem umas reviravoltas, termina num final eletrizante e o personagem numa "nova vida". Eu tinha certeza que o livro seria assim, já no primeiro capítulo. 

O que me tranquilizava e me encorajou a ler foi o pensamento de que: "Ah, tá bom, a estrutura eu já sei. Mas pelo menos o conteúdo do livro vai ser bem eletrizante e engajante, ao ponto de que mesmo sabendo da estrutura, a história em si vai me fisgar." Putz, que decepção.

O que mais me assusta é saber que foi isso, essa coisa, que chegou ao posto de "1º lugar" ou "Livro do ano". Putz, mano. Sério? É isso que precisa pra conquistar esse posto? Cara, que tristeza pensar assim. Que tristeza ver um monte de gente defendendo o livro como se fosse o supra-sumo dos best sellers atuais. Nossa, por favor, alguém me convence que eu estou errado.

Por outro lado, eu consegui tirar algo bom disso. É que, se esse livro consegue chegar no topo, eu acho que tudo é possível. Talvez esse tenha sido o grande benefício dessa joça: incentivar um escritor ao acaso a agarrar de vez a literatura e pedir ao Senhor que isso seja bom, mas bom mesmo.

Não mudará o mundo, mas, pelo menos, talvez consiga produzir algo de verdade nas pessoas – e não um mero entretenimento de folhetim.

sábado, 6 de fevereiro de 2021

Resenha – Dillinger: inimigo público nº 1

PATTERSON, Harry. Dillinger: inimigo público nº 1. Rio de Janeiro: Record, 1983.


Voltei. Este foi mais um dos livros que resgatei da casa da minha avó. Na verdade, este eu resgatei quando ainda era adolescente. Está bem velhinho e eu o li a primeira vez naquela época. Resolvi revisitar a pérola porque sabia que era bom e porque precisava de uma leitura mais "tranquila". 

Entre aspas mesmo porque se tem uma coisa que esse livro tem é ação e aventura. Ele conta a história fictícia de um personagem real: John Dillinger, um ladrão americano de bancos do começo do século passado (morreu em 1934) que era tido por alguns como um criminoso bem perigoso e por outros como uma espécie de Robin Hood, que roubava dos ricos bancos – os verdadeiros ladrões.

A história de Dillinger é real, o que Harry Patterson fez aqui foi pegar um período da história do personagem em que ele desapareceu do mapa. Essa parte é verdade, depois de uma fuga de uma prisão de alta segurança em 1934, ele ficou sumido por uns meses. E é nesse interregno que a criatividade do ator vem a tona.

O enredo é o grande trunfo desse livro. Ele começa na fuga da prisão (fuga essa que foi real, lembrando). Aí no começo, pra ser honesto, eu esperava uma fuga mais verossímil. Achei que todo mundo foi muito passivo. Era como se estivessem deixando Dillinger escapar, para o bem do roteiro. Mas depois eu entendi: a fuga era só a desculpa pro livro começar, o grosso da história ainda estava por vir.

Até hoje este foi o único autêntico livro de faroeste que já li. Dillinger foge para o México, onde tem que lidar com homens cheios da grana, policiais corruptos, índios apaches furiosos com invasores e, como não poderia falta, uma bela e audaciosa mulher. 

Essa é daquelas histórias que a gente pressente o que vai acontecer, mas não se importa de ler mesmo assim e fica vidrado com cada acontecimento, chegando ao cúmulo da ousadia de ficar surpreso e emocionado, mesmo prevendo alguns dos fatos.

Sobre a estrutura do livro, ele segue muito de perto a Jornada do Herói. O personagem principal, Dillinger, tem traços de heroísmo do começo ao fim, mesmo sendo um ladrão (não é tratado como anti-herói), um verdadeiro Robin Hood. 

O que eu gostei, porém, e que acho que vale a pena destacar é que toda Jornada do Herói que se preze tem o vilão. Pois bem, aqui tem o vilão. Mas eu achei muito inteligente a sacada do autor de criar o vilão do vilão. Muito boa essa sacada. Adiciona camadas e densidade de maneira sensacional, além de conseguir manobrar o eixo do conflito de modo muito sutil e preciso.

Curti demais essa leitura. É um daqueles livros que todo mundo precisa absorver de vez em quando. Você consegue ver as cenas. Aliás, o livro é bem cinematográfico. Foi muito bom mergulhar nessa aventura e sinceramente me deu vontade de conhecer outras obras do autor. 

Sobre a história de Dillinger, o autor finaliza o livro com o personagem voltando para os Estados Unidos – já que essa parte é verdade e Dillinger foi encontrado novamente nos EUA em 1934 – e finaliza sem dar mais detalhes, deixando que o leitor possa descobrir por si qual foi o fim do herói. Aí tive que ir no Google procurar. 

Putz, que fim trágico. Como não poderia deixar de ser para alguém como ele, foi traído por uma mulher.