sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

2021: o resumo da ópera

Eu gosto de tradições, por mais que não as tenha muitas. Por isso fico muito contente quando chega o fim do ano e tenho esse espaço aqui para ponderar sobre o que aconteceu ou deixou de acontecer literariamente comigo no ano que passou. Por isso, sem delongas, vamos ao resumo.



1. Livros resenhados
    É, meus caros, a vida é feita de altos e baixos. Algumas vezes os altos são tão altos que a gente nem acredita – e isso serve pra fazer parecer que os baixos que se seguem são muito baixos, quando, na verdade, talvez eles nem sejam isso tudo (parabéns se você conseguiu entender o que eu quis dizer).

    2018: 27 livros
    2019: 37 livros
    2020: 40 livros
    2021: 21 livros

    Jan1) O ladrão honesto e outros contos; 2) Amor de perdição; 3) Feliz ano velho
    Fev4) Dillinger 5) A garota do lago
    Mar6) Cães de guerra
    Abr7) O trílio negro; 8) O trílio de sangue; 9) A análise da cadela procriadora; 10) A mãe
    Mai11) O trílio celeste
    Jun12) O idiota; 13) É todo um processo; 14) O livro dos seres imaginários; 15) A senhora do trílio; 16) Um deus passeando... 
    Jul17) Borderliners
    Ago18) Ana Karenina; 19) As conspirações para matar Hitler
    Set--
    Out--
    Nov20) Veríssimo antológico
    Dez21) O Silmarillion

    Foi o meu pior número nos últimos quatro anos? Foi. Teve vários momentos que eu estava com pura e simples preguiça de ler? Teve. Mas, sinceramente, eu olho pra trás e fico pesaroso? Não. 

    Não porque, como argumentei no ano anterior, a leitura ainda é pra mim um dos poucos hábitos que conseguem sobreviver sem que sejam feitos por obrigações. Prefiro ler 21 livros num ano com gosto, do que tentar repetir a dose dos 40 com desgosto. Neste ponto, portanto, me dou por satisfeito.

    A pior leitura de 2021 foi fácil "A garota do lago", que representou decepção atrás de decepção e aquela sensação de perda de tempo (embora, pra ser honesto, ela tenha competido pau a pau com a série do "Trílio", que foi também uma baita perda de tempo). 

    E apesar do ano ter terminado com Tolkien e eu realmente ter curtido bastante o Silmarillion, a melhor leitura do ano vai para o mestre Tolstói com "Ana Karenina", uma obra fantástica, densa, cheia de personagens interessantes e relações que refletem em muito a condição humana. Realmente curti.


    2. Concursos literários e produções

    Diferente dos outros anos, resolvi inovar. Resolvi adotar a estratégia do "vou atirar pra tudo que é canto na tentativa de acertar qualquer coisa". Por um lado, devo confessar que ela funciona quando olhamos para os números proporcionalmente (isso ficará mais nítido no gráfico). Por outro lado, é ainda mais desgastante você receber repetidos "nãos" ou sequer recebê-los. 

    Ainda no espírito da inovação, este ano vai uma tabela completa de todos os textos que enviei, com o título e o concurso para qual enviei. A tabela fala por si.



    Foram ao todo 35 contos enviados (quase o dobro dos 18 que foram enviados no passado). E disto resultou 6 seleções para publicação, que elevou também minha marca de 5 para 6 publicações num ano – o que não é grande coisa e fica ainda menos quando olhamos para o total de envios.

    Não tenho certeza se vou adotar essa mesma estratégia no ano que vem, porque sinceramente me dá mais tristeza do que satisfação em ver a tabela desse jeito e o gráfico a seguir também. Talvez seja melhor mirar no que é mais certo do que simplesmente sair atirando pra tudo que é canto. A frustração é grande depois.

    Conta a meu favor que lancei DOIS LIVROS em 2021: "É a vida: microcontos de risadas, amor e morte" em março e "Outros personagens não bíblicos e suas histórias" em dezembro. 

    Até agora não sei se isso foi bom ou ruim. Quem é da área diz que quantos mais livros lançarem é melhor, mas não sei se estou preparado pra essa vida de escrever, publicar e depois não conseguir vender o que tanto lutou pra fazer dar certo. 

    "É a vida" até que saiu bem pro contexto em que ele estava: tudo fechado ainda, não teve lançamento físico, não teve tanta divulgação, etc. Agora, "Outros PNB" tem sido uma grande tristeza. Saiu muito, muito, muito menos do que eu esperava – e olha que eu nem esperava tanto. Isto tem feito eu me questionar seriamente se ainda quero escrever livros. 

    Não quero ver acontecer comigo na Literatura o mesmo que aconteceu na Música: escrever composições apenas para as ver engavetadas sem nunca ter quem as execute e ficar pra sempre na expectativa do que pode ser, sem nunca saber o que será. Se for pra ficar assim, eu prefiro parar de escrever. Decepções já me bastam numa arte, não preciso de outra pra reforçar.


    #O resumo da ópera
    • Livros lidos: 21
    • Textos escritos: nunca que eu mantenho esse controle
    • Textos enviados pra concursos literários: 35
    • Textos aprovados: 6
    Ai, ai. Gostaria de terminar esse ano um pouco mais contente na Literatura. Mas pra ser honesto eu nem quero mais ter esperanças. O que será, será. No meio tempo, acho que vou voltar a me focar na Música, no trabalho, quem sabe nos estudos. E, claro, continuar tentando vender "Outros personagens não bíblicos e suas histórias".

    Acho que o que mais me entristece é que o livro é bom, ele realmente é! Estive relendo alguns contos dele um dia desses e me peguei surpreso com o que eu mesmo escrevi. Poxa, quem diria, a gente aprende com o tempo mesmo, né? Mas de que me adianta escrever a melhor das histórias quando não consigo fazê-la voar para alcançar o seu leitor? Como eu disse: ai, ai. 

    Mas não temam, o blog vai continuar com as resenhas, crônicas e registro de contos publicados (não que isso seja lá muita coisa), mas o Instagram vai morrer, pelo menos durante boa parte de 2022 – não pretendo voltar com ele até 2023. Resolvi ativar meu canal no Youtube, com apenas um vídeo por mês, variando entre dicas de literatura e microcontos narrados.

    No meio tempo, vejo-os por aí.

    sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

    Resenha – O Silmarillion

    TOLKIEN, J. R. R. O Silmarillion. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.
    [No começo] "Havia Eru, o Único, que em arda é chamado de Ilúvatar." (p. 9)
    Isso que eu chamo de livro pra terminar 2021. Não apenas uma, mas quatro obras diferentes de Tolkien reunidas post-mortem neste livro organizado pelo seu filho Christopher Tolkien. São quatro grandes "baladas" ao estilo medieval, ou "poemas épicos", cheios de feitos grandiosos e aventuras de tempos antigos, narrados num estilo que lembra demais o Gênesis da Bíblia.

    Sinceramente não tenho muito a dizer sobre o livro, senão que é fascinante. A capacidade do autor de criar algo dessa magnitude... uau! Não é só a origem de uma cidade, de um país, ou de um mundo; mas de um universo inteiro e com direito a detalhes sociais, políticos e culturais cuja influência é sentida em todo o desencadear da história. Ou seja, não fala só por falar.

    Enquanto em Senhor dos Anéis eu achei o autor exageradamente prolixo (na moral, não me faz toda essa diferença saber qual é a cor exata do verde da grama!), já aqui eu achei que os detalhes servem muito bem ao propósito de nos imergir. 

    Talvez isso tenha se dado pelo fato de que não há muitas cenas pra gente se cansar, o livro é quase todo narrações de narrações – e, o mais surpreendente: funciona! Como escritor, eu ainda não havia visto algo assim. Há pouquíssimos diálogos se pegarmos a obra proporcionalmente, e as cenas também muitas vezes se resumem a poucos parágrafos, deixando lugar especialmente para descrições e narrações.

    Sobre a história em si, bem, por onde começar? Pela Música dos Ainur, cuja melodia foi iniciada pelo próprio Ilúvatar, tendo fim a criação de Arda e tudo o que existe? Pelas batalhas que ocorreram entre os Ainur e Melkor (um Ainur "caído") por causa da criação de Ilúvatar? Pela expulsão de Melkor para Arda, onde, na Terra-Média, ele passa a tramar pela destruição de tudo que é belo e foi criado por Ilúvatar, ocasião onde ele passa a se chamar Morgoth? Ou citamos os Filhos de Ilúvatar (os Primogênitos, ou Elfos, e Aqueles que vieram depois, os Humanos) e lembramos que eles são muito diferentes entre si, recebendo nomes conforme sua posição geográfica ou destinos? Ou quem sabe falar do servo mais fiel de Morgoth, Sauron, que permaneceu na Terra-Média depois que seu senhor foi derrotado?

    Eu sinceramente não saberia por onde começar.
    "Contudo, aqueles foram dias amargos, e ódio gera ódio." (p. 350)
    Eu acho que apesar de estas serem histórias de criação, belezas e grandes feitos, na verdade elas são, no fundo, histórias de guerra (e não são assim todas as histórias dos homens?). Quando não há batalhas, a paz dura por um tempo e logo já estão se preparando para o próximo conflito, seja ele contra Morgoth, Sauron, ou até mesmo entre os povos: elfos contra elfos, humanos contra humanos, ou uma mistura disso com anões, orcs, dragões, etc.

    Importante destacar que, como num bom livro de história, Tolkien não resume demais as batalhas e nos faz constantemente lembrar que a guerra não é bonita. Pelo contrário, é algo para se ter horror, porque dela só vem tristeza e destruição:
    "E os orcs os decapitaram e empilharam suas cabeças como um monte de ouro à luz do pôr-do-sol." (p. 247)
    As últimas páginas do livro sejam talvez as que mais interessem aos leitores, uma vez que é aquela mais diretamente ligada aos acontecimentos do Senhor dos Anéis. Ao abordar a cidade de Númenor e os dúnedain (humanos que foram escolhidos para morar na terra de Númenor e lá adquiriram grande sabedoria, riqueza e poder), ele traz revelações importantes não só sobre os antepassados de Aragorn, mas também como funcionavam as maquinações e maldades de Sauron.
    "Essas palavras o próprio Rei pronunciou, mas elas haviam sido maquinadas por Sauron." (p. 355)
    Neste assunto, também é interessante a menção à chegada dos istári (ou Magos) e o nosso favorito Mithrandir (como é conhecido no idioma élfico) ou, vulgo, Gandalf (como é conhecido entre os humanos). Já depois da aparente morte de Sauron após a queda de Númenor, é Gandalf que conversa com o elfo-rei Elrond e diz que:
    "[...] quando os Sábios tropeçam, a ajuda costuma vir das mãos dos fracos." (p. 368)
    Por fim, o livro termina com um senhor apêndice e glossário sobre os mais diversos termos no idioma élfico e até mesmo um guia de pronúncia de diversas palavras. Não dá pra negar que Tolkien era realmente um monstro da literatura, capaz de criar todo um idioma que soa tão bem e é tão completo. Só pra dar um exemplo, qual é a palavra para se referir a quando o Sol cintila na água da lagoa? Tolkien responde:
    "[...] ele a chamava de Faelivrin, que significa o cintilar do Sol nas lagoas de Ivrin." (p. 268)
    Bom, só dá pra dizer que o livro é realmente muito bom. É daqueles pra ser lido com calma, na certeza de que se está lendo algo muito bom. Não precisa rechear o livro de altas emoções em cenas épicas e mirabolantes. Não. 

    Basta contar uma boa história.

    quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

    Crônicas do cotidiano – XIII

    Estamos construindo uma varanda aqui em casa e, pela primeira vez, eu percebi que vou perder a vista da minha janela. Sei que parece óbvio, afinal a varanda vai ao redor da casa inteira. Mas é que eu preciso explicar o que é a vista da minha janela. 

    Ela dá pro muro e o quintal cheio de mato, só isso. Mas não é o que está embaixo, e sim o que está em cima. Dela eu vejo o céu. Todinho. Eu olho pra cima e minha vista é preenchida pelo azul, ou branco, ou cinza, ou aquele avermelhado que dá nas noites com nuvens de chuva. 

    Essa vista foi meu alento quando eu, trabalhando no computador que fica no quarto, podia virar a cadeira e olhar pro céu, ver os passarinhos voando, contemplar o contraste da árvore do vizinho com o azul potente que o sol fortalecia nos dias mais quentes. 

    Era dessa janela que, nas noites de cansaço, eu, deitado na rede, podia olhar e ver o céu escuro, negro, iluminado pela minha imaginação, já que as luzes da cidade não me permitiam ver as estrelas. Na verdade, quando faltava energia, eu conseguia ver as estrelas. 

    Essa vista não tem nada demais. Não é uma vista do mar, do alto de um prédio ou de um jardim florido. É uma vista talvez muito parecida com a que você tem na sua casa. Mas, e eu não sei explicar por que, ela significa muito pra mim. E não é assim na nossa vida? Aposto que você tem na sua casa algum objeto, algum lugar, algum meandro que, aos olhos do mundo inteiro, não é nada demais, é só mais um entre tantos outros iguais ou até melhores que existem. Mas não pra você. Pra você significa algo mais.

    E eu vou perder a vista da minha janela. 

    Eis o dilema da vida. Quando temos e nos acostumamos com o que gostamos, a mudança vem e transforma tudo, reiniciando o ciclo de aprendizado e acomodação. 

    Mas, por outro lado, que novas vistas eu não vou ganhar? Com a varanda, vou poder estender minha rede na parte de trás da casa, onde tem o ipê amarelo. Será que eu estou me contentando sem saber o que de melhor eu ainda posso ter? E descobri que esse dilema nunca vai ter fim. Assim como os ciclos se renovam, os dilemas se perpetuam, só mudam de nome.

    Por isso, eis o que é melhor: aproveitar essa vista enquanto eu tenho. Depois, quando tudo mudar, eu encontro novas vistas que me façam viajar, refletir e sonhar. 

    Agora está nublado e tem uns passarinhos no fio do poste. Não é nada demais. Mas é tão belo.