quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Crônicas do cotidiano – XIII

Estamos construindo uma varanda aqui em casa e, pela primeira vez, eu percebi que vou perder a vista da minha janela. Sei que parece óbvio, afinal a varanda vai ao redor da casa inteira. Mas é que eu preciso explicar o que é a vista da minha janela. 

Ela dá pro muro e o quintal cheio de mato, só isso. Mas não é o que está embaixo, e sim o que está em cima. Dela eu vejo o céu. Todinho. Eu olho pra cima e minha vista é preenchida pelo azul, ou branco, ou cinza, ou aquele avermelhado que dá nas noites com nuvens de chuva. 

Essa vista foi meu alento quando eu, trabalhando no computador que fica no quarto, podia virar a cadeira e olhar pro céu, ver os passarinhos voando, contemplar o contraste da árvore do vizinho com o azul potente que o sol fortalecia nos dias mais quentes. 

Era dessa janela que, nas noites de cansaço, eu, deitado na rede, podia olhar e ver o céu escuro, negro, iluminado pela minha imaginação, já que as luzes da cidade não me permitiam ver as estrelas. Na verdade, quando faltava energia, eu conseguia ver as estrelas. 

Essa vista não tem nada demais. Não é uma vista do mar, do alto de um prédio ou de um jardim florido. É uma vista talvez muito parecida com a que você tem na sua casa. Mas, e eu não sei explicar por que, ela significa muito pra mim. E não é assim na nossa vida? Aposto que você tem na sua casa algum objeto, algum lugar, algum meandro que, aos olhos do mundo inteiro, não é nada demais, é só mais um entre tantos outros iguais ou até melhores que existem. Mas não pra você. Pra você significa algo mais.

E eu vou perder a vista da minha janela. 

Eis o dilema da vida. Quando temos e nos acostumamos com o que gostamos, a mudança vem e transforma tudo, reiniciando o ciclo de aprendizado e acomodação. 

Mas, por outro lado, que novas vistas eu não vou ganhar? Com a varanda, vou poder estender minha rede na parte de trás da casa, onde tem o ipê amarelo. Será que eu estou me contentando sem saber o que de melhor eu ainda posso ter? E descobri que esse dilema nunca vai ter fim. Assim como os ciclos se renovam, os dilemas se perpetuam, só mudam de nome.

Por isso, eis o que é melhor: aproveitar essa vista enquanto eu tenho. Depois, quando tudo mudar, eu encontro novas vistas que me façam viajar, refletir e sonhar. 

Agora está nublado e tem uns passarinhos no fio do poste. Não é nada demais. Mas é tão belo.

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