segunda-feira, 8 de julho de 2024

Resenha — Ultima: The Technocrat War I — Machinations

ANDREWS, Austen. Ultima: The Technocrat War, Book I of III, Machinations. New York: Pocket Books, 2001.


Comprei o livro deveras desconfiado, porque não é sempre que gosto de me aventurar em séries e tenho muito pé atrás com livros que já de cara se propõe a ser uma trilogia. Febres de trilogia, especialmente entre autores desconhecidos, é uma desgraça. Ainda bem que, pelo menos nesse caso, eu estava errado.

No primeiro livro desta série, somos apresentados a um mundo clássico da fantasia. Temos cavaleiros, uma raça humanóide com traços bárbaros, homens-felinos, e humanos. Temos reinos em guerra ou em tentativas de diplomacia; tramas políticas, espiões, artefatos, vilões, mocinhos que não sabemos se são vilões ou não, e, como não podia faltar, magia.

Acompanhamos a história do cavaleiro Sir Gabriel Montenegro, e sua jornada em busca da Virtude e do reestabelecimento do seu título de comandante. Paralelo e concorrente a isso, temos a guerra entre reinos, espiões enviados em missões secretas para sabotar uma tentativa de diplomacia, e personagens que têm segundas intenções com suas atitudes e palavras.

O autor segue a cartilha dos livros de fantasia, com ricas descrições de cenários e personagens. Pra mim até rica demais em alguns momentos, beirando o clichê; mas entendo que isso é parte das regras do jogo da fantasia e provavelmente algo que o público alvo espera de uma obra desse gênero

O enredo do livro foi uma boa surpresa. É uma história sólida, que carrega a gente até o fim, com boas reviravoltas. As cenas são interessantes e bem trabalhadas, mas em algumas ocasiões me pareceu que as arestas delas ficaram muito rudes, poderia ter polido mais algumas transições.

Na verdade, pra mim esse foi o único ponto negativo do livro. É que deveras em mais de uma ocasião as cenas transitam entre fatos de maneira tão desconexa que fica evidente que é forçada do enredo pra fazer a história progredir numa determinada direção. Me parece que o autor queria forçar a conexão entre dois pontos e não se deu ao trabalho de construir uma boa ligação entre eles.

Ao mesmo tempo em que admiro a capacidade do autor em tecer uma teia com várias tramas ao mesmo tempo, me pergunto se ele não exagerou em alguns momentos. Tenho a impressão de que quando estamos investidos em uma linha narrativa, ele coloca outra no caminho e isso mais atrapalha do que ajuda. Todavia, novamente, isso é bem clássico do gênero, então pode ser que a maior parte do público-alvo não se incomode com isso.
"'I ask for nothing,' said Montenegro. 'Rather the Virtues ask something of me. Let us serve Valor and Sacrifice. They are the footsteps of a warrior.'"
O livro é honesto com a gente. O autor diz desde o começo que é parte de uma trilogia, mas não corta a história bem no meio de uma grande revelação. Na verdade, ele prepara bem o terreno pra nos incentivar a continuar a leitura. Senti que houve mesmo honestidade intelectual com o leitor.

Eu teria algo a falar sobre o sistema de magia do livro, mas talvez isso seja algo a ser dito em outra resenha, quando tiver conhecido mais sobre a obra. Por enquanto, talvez basta dizer que estamos diante de um sistema de magia soft e que tenho a impressão de que a magia vai fazer ainda mais diferença nos próximos capítulos da trama.

Acho que só vou conseguir comprar os próximos exemplares em Janeiro/2025. Não obstante, não vou esquecer dessa série. Acho que tive a boa sorte de encontrar algo bom pra ler. 

sábado, 22 de junho de 2024

Resenha — Hidden child of the Holocaust

CRETZMEYER, Stacy. Hidden child of the Holocaust. New York: Scholastic, 2004.


Outro livro que comprei por apenas 1 dólar. Meu Deus, um único dólar que me trouxe tanta tanta coisa... A gente não tem escolha senão aprender a colocar coisas em perspectivas depois que lê livros como esses. Vamos ao livro.

A obra traz a história real de judia Ruth Kapp, quando esta tinha apenas entre 5 e 6 anos, vivendo na França ocupada pela Alemanha nazista durante a Segunda Guerra. A narrativa é em primeira pessoa e Stacy Cretzmeyer fez um trabalho sensacional em narrar os acontecimentos do ponto de vista de uma criança. Meu Deus, ela era só uma criança.

Acompanhamos Ruth, agora chamada Renée, fugindo com seus pais para o sul da França, onde foram auxiliados por membros da "Resistance", um grupo formado por não-judeus que arriscaram suas vidas para ajudar este grupo que foi injustamente perseguido. 

Segundo a própria Ruth Kapp, este foi o grande motivo que a incentivou a reviver memórias tão horríveis e registrá-las: para que o mundo conhecesse a história desses heróis anônimos aos quais ela deve sua vida

De todos os acontecimentos que o livro traz, acho que o que mais me impactou foi a própria atmosfera de distopia que a Segunda Guerra traz. Não poder sair na rua, ter medo de falar alguma palavra errada, não saber se seu vizinho ou mesmo familiar é amigo ou inimigo, ter que subornar pessoas para conseguir se manter vivo, sobreviver a torturas, passar por mortes horríveis só por ser judeu...

É inacreditável que na história da humanidade uma perseguição tão cega e cruel tenha acontecido, é quase como se não fosse possível, como se não fizesse sentido... e ainda assim aconteceu. 

Esta é uma resenha bem curta porque não tem como eu passar aqui o que o livro traz, simplesmente não tem. É preciso lê-lo. Minha maior tristeza no momento foi descobrir que este livro não foi traduzido para português e muita gente no Brasil talvez nunca chegue a ter conhecimento da vida de Ruth Kapp, uma das muitas crianças escondidas do Holocausto.

sábado, 15 de junho de 2024

Resenha — Incidente em Antares

VERÍSSIMO, Érico. Incidente em Antares. São Paulo: Globo, 1997.


É chocante como um livro permanece o mesmo, mas a gente muda tanto. Devo ter lido Incidente em Antares a primeira vez na adolescência e lembro de ter gostado. Hoje, na vida adulta, ainda gosto muito do livro, mas de uma maneira muito mais profunda.
Há conversa fiada em torno de tudo. Até (e principalmente) de Deus. (p. 144)
Em termos de qualidade literária, neste livro temos Veríssimo mais mordaz que nunca, as ironias não param. Ainda que O tempo e o vento seja considerado o magnus opum de Veríssimo, talvez seja em Incidente em Antares que o autor esteja no ápice da sua capacidade descritiva-narrativa. Consegue construir capítulos inteiros sem nenhum diálogo e ainda assim não temos escolha senão ficar com os olhos grudados porque é simplesmente interessante demais.

Haveria vários, vários momentos no livro que eu poderia transcrever aqui pra mostrar a capacidade descritiva de Érico Veríssimo, mas opto por só duas palavras. Em determinado momento, Veríssimo descreve que o personagem tem uma "voz atenorada". Que maneira elegante de dizer que alguém tem voz de tenor e, por consequência, que o timbre de sua voz é mais agudo. Tá loco, Érico Veríssimo é um exagero de bom.

Em termos de estrutura, no lugar de longos capítulos com várias cenas, Érico Veríssimo opta por fazer vários capítulos de uma única cena. Fico em cima do muro quanto a essa decisão. Se por um lado torna o texto mais dinâmico, por outro o cara é tão bom em fazer cenas que posso facilmente fechar o livro depois de um capítulo sem que pareça que estou interrompendo o ritmo da leitura. Em outras palavras, a decisão do autor ajuda o ritmo e atrapalha o ritmo. Por outro lado, quantas vezes se consegue escrever um livro com exatos 100 capítulos?

Érico Veríssimo destrói todas as máximas da escrita criativa. Tchekhov ficaria decepcionado em ver um capítulo inteiro que não contribui diretamente para a trama, um capítulo que meramente mostra a cena de uma empregada doméstica. Deveras a cena seria totalmente descartável para a trama; mas, meu Deus, que bom que ela está ali. É genial. Os críticos literários que critiquem, eu amo o fato de está cena estar aqui. Traz uma humanidade ao livro que é difícil de explicar.

Além disso, achei muito interessante como depois que o "incidente" acontece, Érico muda o protagonista da história de tal forma que aquele que antes era o herói pelo qual nós acompanhamos o desenrolar dos fatos agora se torna o vilão, de repente o personagem que nos fazia dar pequenos sorrisos com suas aventuras agora se torna alguém que rapidamente identificamos como decaído.

Ainda no quesito estrutura, a primeira parte do livro poderia ser facilmente lida como um ensaio sobre o que é o Brasil. Se em "Um lugar ao sol" eu argumento que Érico Veríssimo descreveu com maestria o espírito da vida; aqui ele fez o mesmo com a alma do Brasil.
— O P Gerôncio me disse que a Matriz está precisando duns consertos e duma pinturinha.
— O Brasil também, Tibé, o Brasil também. (p. 57)
O grande tema do livro não é outro senão o Brasil e suas incongruências. Nesse livro Veríssimo descreve com força o que é a política partidária brasileira desde a sua origem: confusão e discursos pra inglês ver. Como sempre, brilhante descrição do que é o Brasil verdadeiro.

Além disso, ler a história do Brasil sob a narrativa de Érico Veríssimo talvez tenha sido o que me fez gostar tanto de ficção histórica. Li uns 5 capítulos seguidos em que tudo era só narrativa de Getúlio Vargas e seu fim. Pura história do Brasil e eu vidrado em tudo, incapaz de parar de ler.

Veríssimo escreveu o livro em 1971, quando o regime militar ainda estava em vigor (ainda que numa descrescente, deveras), e hoje, já mais maduro, percebo como foi um ato de coragem. O livro não tem pena nenhuma em comentar sua história recente, sobre 1964, sobre atos institucionais... Rapaz, o bicho foi corajoso mesmo.

Aliás, em Incidente em Antares Veríssimo põe pra fora tudo que estava na ponta da língua há anos. Depois que a torrente começa, ele não tem escolha senão deixar ela inundar tudo. O posicionamento do autor perante a realidade da sociedade em que vive é muito clara.
Não, não voltes mais, Tibé. O fim de um homem não é nenhum espetáculo bonito. (p. 106)
[...] se por um lado o homem jamais se habitua à ideia da própria morte, por outro aceita sempre, e com admirável facilidade, a morte alheia. (p. 341)
Como pode um ser humano ser capaz de explicar tão habilmente a vida do brasileiro, quem sabe até mesmo o tão eludido conceito de "brasilidade"? Ele não fala da brasilidade como perspectiva externa, mas a verdadeira brasilidade que está no âmago do que chamamos de Brasil; aquele segredo de família que todo mundo sabe mas ninguém fala e quando chega alguém de fora fazemos de tudo para que não vejam ou descubram.

Enfim, o livro é um admirável conjunto de sátira, ironia, drama, e (veja só) até humor. Em vários momentos gargalhei de rir. No futuro, esse livro ainda me trará novas reflexões. É fácil pra mim ver que ainda haverá um futuro que vou reler isso aqui e ver as coisas sob outra perspectiva, trazendo ainda mais sabor pra história. Sei disso, porque já está acontecendo agora. Mal posso esperar pela próxima vez.
— Você também por aqui?
— Pois é. Coisas da vida. Depois eu explico. Me ajude a abrir os outros quatro caixões. (p. 234)

domingo, 2 de junho de 2024

Crônicas do cotidiano — XV


Veja só, algumas pessoas vão afirmar (e acertadamente, eu imagino) que dentre as tantas opções de lugares nos Estados Unidos, Chicago não é uma cidade boa para se morar. Como disse, elas provavelmente estão certas... mas eu gostei tanto de lá.

É que Chicago é uma cidade americana, não há dúvidas: ela é organizada, limpa até, bem histórica no contexto americano, com todas as lojas, culturas, pessoas tipicamente americanas. Por outro lado, ela é meio zoada. As pessoas que a gente encontra na rua são das mais variadas. O trânsito é meio doido, em alguns pontos ela é mal-cuidada, meio suja. E nisso ela me lembra o Brasil.

Falei isso pro meu amigo George e ele ficou pistola, que Brasil não pode ser sinônimo de desorganização. Mas ele já morou fora e sabe que é verdade, só se recusa a concordar. E fiquei pensativo se o que me lembrou o Brasil foi mesmo a desorganização. Cheguei à conclusão de que não era isso.

Acho que não é a bagunça. Por que viver nos EUA é tão chato? Porque a vida parece artificial. A vida não é limpa e organizada, toda cheia de estrutura, pelo menos não sempre (ou quase nunca). Uma cidade que é sempre "perfeita" não parece humana. Acho que foi isso que me conquistou em Chicago: ela me parece mais humana.


E aí veja você o contraste que faço dela com Minneapolis (na foto acima). Minneapolis é uma cidade "perfeita". Até o mato das esquinas é podado na régua. As árvores todas plantadas com espaçamento perfeito, não se vê um fio de poste nas ruas. Tudo é limpo, organizado. Mas eu nunca vi tanta contradição numa cidade americana como em Minneapolis.

Peguei o metrô e um ônibus ontem pra passear. O tanto de cracudo que eu encontrei tanto no metrô quanto nos ônibus fez eu me sentir inseguro. As pessoas falando alto, rudes, sem nenhuma empatia ou consideração pelos outros. O grama nos canteiros era verdinha, mas o cheiro dentro do ônibus me fez lembrar outro país que não os EUA. 

E fiquei pensando que talvez Minneapolis seja ainda mais humana que Chicago, que ali estão realidades que demonstram mais quem é uma boa parcela dos americanos. Mas enquanto Chicago não quer (ou, mais provavelmente, não consegue) esconder isso, Minneapolis faz um esforço colossal e mascara, maquia, toda uma realidade que é palpável. 

Chega a ser ridículo. Uma parada de ônibus com um letreiro luminoso, indicando quantos minutos faltam para o próximo ônibus. E logo abaixo dela um homem fumando, carregando um saco de tecido com, o que presumo, tratava-se da totalidade de seus bens.

Às vezes, creio que prefiro estar num lugar onde os problemas são visíveis e escrachados do que num lugar onde as pessoas fingem que está tudo bem. No primeiro, talvez ainda haja quem queira olhar para os problemas e resolvê-los, enquanto no segundo muitos vão só fazer vista grossa e olhar para a grama cortada na régua.

sábado, 11 de maio de 2024

Resenha — O segredo do best-seller

ARCHER, Jodie; JOCKERS, Matthew L. O segredo do best-seller. Bauru: Alto Astral, 2017.


Comprei o livro já pensando que seria ruim. Afinal, não tem como um título desse estar certo, né? Mas devo confessar que o livro foi surpreendentemente útil. É que os autores não estão querendo vender uma ideia, eles estão só apresentando resultados de uma pesquisa de doutorado.

Os autores criaram um modelo compuacional para analisar os best-sellers da lista do The New York Times e, a partir da análise, tirar conclusões e tentar responder à pergunta: "O que faz de um best-seller... um best-seller?"

Como esse livro é praticamente acadêmico, não vou fazer uma resenha completa, mas vou destacar aqui os tópicos que achei essenciais:

#Cap. 1
  • O best-seller não é escolhido pela crítica, mas pelo público. Sucesso de vendas.
  • O sucesso não é aleatório, há um conjunto de características que os tornam best-sellers
#Cap. 2 – Tópico
  • Não há um tópico de sucesso maior, o que há é maior foco
    • Todos os best-sellers tem um único tópico componto 30% do livro
    • Os outros 70% ficam divididos entre outros 2 ou no máximo 3 tópicos
      • Esses outros tópicos necessariamente dialogam com o primeiro e o reforçam
      • Escritores não-best-sellers colocam 6 tópicos ou mais nos seus livros
  • Análise dos autores
    • Tópicos mais presentes em best-sellers: casamento, morte, impostos, tecnologia, enterros, armas, médicos, trabalho, escolas, presidentes, jornais, crianças, mães, imprensa. Mercado financeiro, laboratório, espiritualidade (mas não igreja), faculdades, cachorro. Pessoas reais.
    • Tópicos que quase nunca se tornam best-sellers: sexo, drogas, descrições de corpo que não seja em contexto de dor ou crime, cigarros, álcool, deuses, emoções exageradas, revoluções, negociatas, viagens existenciais/filosóficas, jogos de cartas, danças, jantares.
    • O local preferido é a cidade, de preferência casas comuns.
      • Lugares que não emplacam: deserto, mar, floresta, rancho
#Cap. 3 – Trama
  • Os best-sellers tem reviravoltas constantes e um ritmo acelerado de trama
    • Na minha contagem, os best-sellers tem pelo menos 8-9 grandes reviravoltas
    • E todas elas com espaçamento mais ou menos igual
  • As tramas seguem o básico de preparação, confronto, resolução
  • 7 linhas narrativas principais, cada uma com um gráfico que aponta o tipo de história
  • As tramas sempre se relacionam com o leitor fisicamente ou emocionalmente
    • Não apenas intelectualmente
    • Muitos críticos dizem que best-sellers não são bons porque estão acostumados a uma experiência intelectual com livros, não emocional ou física
#Cap. 4 – Estilo
  • Estilo é o DNA do escritor (não tem como mudar, individualidade do autor)
    • Se traduz em hábitos (uso de expressões, substantivos, pronomes, etc.)
  • Característica do estilos estilos mais presentes em best-sellers
    • MAIS IMPORTANTE é o uso da "linguagem diária do homem comum"
    • A voz do narrador sempre parece de uma pessoa real
    • Uso de contrações é bem forte (n't ou -d)
    • Pontos de interrogação são bem mais preferíveis a pontos de exclamação
    • Reticências são bem-vindas
    • Frases curtas, sem palavras desnecessárias
  • Estilo que permita a compreensão do público
#Cap. 5 – Personagens
  • Bons personagens são ativos, sempre estão fazendo alguma coisa
    • É isso que leva a trama pra frente e faz a gente se envolver com eles
    • Personagens estão ligados a verbos (especialmente os que tenham a ver com estados mentais ou emocionais
      • "Precisar" e "querer" são os dois principais
      • "Sentir", "amar", "fazer", "pensar", "perguntar", "olhar", "segurar", "contar", "gostar", "ver", "saber", "começar", "trabalhar", entre outros
    • Por contraste, personagens ruins são muito passivos
      • Geralmente acompanhados de verbos como "parar", "largar", "parecer", "esperar", "interromper", "hesitar", "murmurar", "protestar", "perder", entre outros
#Conclusão

O livro é sensacional por sua abordagem. Foram mais de 2500 livros analisados, compreendendo os últimos 30 anos da lista de best-sellers do The New York Times. No fim do livro, os autores explicam com mais detalhes qual foi a metodologia de pesquisa deles e não temos escolha senão ficarmos admirados com o trabalho que isso deve ter dado.

Vou deixar o livro na estante, porque no futuro quero consultar de novo essa lista de verbos e substantivos. Não garanto que um dia terei um best-seller, mas não vejo motivo pra não me esforçar em consegui-lo. 

quinta-feira, 9 de maio de 2024

Resenha — Vidas secas

RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Jandira: Principis, 2024.


Sei nem por onde começar. É que tenho algumas opiniões bem formadas sobre a obra e ainda não entendi como organizar os pensamentos direitos. Vamos ver o que sai.

Vidas secas é um marco da literatura brasileira e quando o vi por R$10 eu sabia que deveria comprar. Ainda não tinha lido Graciliano Ramos e precisava desse nome no meu currículo de leitor. Eu queria realmente aprender um pouco mais e conhecer melhor o cara.

Neste livro, estamos diante de uma obra em que fica bem evidente o espírito modernista. O livro é facilmente comparado a Macunaíma de Mário de Andrade. Não só o uso de regionalismos ou termos próprios a uma etnia, mas especialmente a narrativa não-linear e cheia de rododendros que parece refletir a mente do personagem e das situações que ele enfrenta. 

Até as repetições por parte dos personagens, o jeito que eles se comportam refletindo de modo muito forte a caboquice, o jeito bruto e até mesmo obtuso do estereótipo sertanejo, está tudo aqui. 

Assim, eu compreendo as escolhas do autor, o estilo... mas não gosto. Já vou dar o teor da minha resenha logo de cara aqui: Vidas secas é um excelente livro para estudo da literatura, mas não para se divertir com a literatura. Pra mim ele está muito próximo de A moreninha neste sentido.

O livro tem um quê de romance, mas a organização da história e a divisão me faz pensar que este livro está mais próximo de uma antologia de contos. Embora no primeiro capítulo tenhamos de fato uma apresentação da temática e dos personagens (coisa que vemos repetida no último), no meio o que temos de fato é uma coletânea de causos e estudos de personagem.

(Aliás, que primeiro capítulo! Nosso coração vai lá em baixo e sobe de novo. Graciliano realmente nos conquista, nós torcemos para o Fabiano, para sinha Vitória, pela Baleia... ficamos com medo da seca, torcemos pela sobrevivência dos nossos heróis... talvez o erro de Graciliano foi ter gastado muita munição nessa abertura, e o resto sofre um pouco em comparação).
Comparando-se aos tipos da cidade, Fabiano reconhecia-se inferior. Por isso desconfiava que os outros mangavam dele. Faziam-se carrancudo e evitava conversas. [...] Todos lhe davam prejuízo." (p. 58)
Certamente estamos diante de uma obra realista, não há dúvidas. Aqui o autor faz questão de mostrar o sertão nordestino tal como ele é. Com direito a sertanejos fugindo da seca e urubus rondando eles nos céus, só esperando eles definharem e morrerem. 

Agora, falando de personagens, de longe e sem medo de errar, a personagem mais interessante é a cachorra Baleia, porque ela simplesmente vive. Nós conhecemos as suas vontades, os seus desejos, e até nos identificamos com eles. Ela é simples. É uma personagem na qual o autor não sente a necessidade de incluir algum regionalismo ponto ela foge da premissa de usar nomes ou expressões regionais que tornam a narrativa cheia de lombadas.

Isso é um problema que vejo nos capítulos que funcionam como estudo de personagem. A necessidade da regionalização sem apresentação dela ao leitor, torna o texto desnecessariamente truncado. Me parece que o objetivo do autor não é deveras envolver o leitor, senão fazer uso de uma terminologia pouco explorada na literatura e dizer "Olha como seu diferentão". O que, se pararmos pra pensar, é bem o espírito do modernismo mesmo.

Some-se a isso que o livro quase não tem diálogos, isso torna a narrativa pesada. Não temos a oportunidade de desvendar os personagens por nós mesmos. Quando muito, conhecemos sua psiquê, mas sempre de fora. Além disso, somos sempre apresentados a uma sucessão de narrativas e descrições que englobam cenas e diálogos inteiros que poderiam ter sido explorados para dar lugar aos próprios personagens. 
Se pudesse economizar durante alguns meses, levantaria a cabeça. Forjara planos. Tolice, quem é do chão não se trepa. (p. 70)
Sei que deveria elogiar o livro por ser um marco da literatura brasileira. Mas a verdade é que ele é só muito chato. E não creio que a premissa do livro fosse ser legal mesmo, acho que ele foi feito para ser um estudo de literatura. Não nego a originalidade disso, mas pra mim o real valor está na exploração acadêmica do assunto, não no conteúdo em si.
(embora o capítulo sobre a cachorra Baleia me faça reconsiderar essa posição — não sei, quem sabe no futuro reconsidere tudo).

Enfim, concluo dizendo que está no meu currículo de leitor, mas não ficará na minha estante.

domingo, 5 de maio de 2024

Resenha — Corra, Alex Cross

PATTERSON, James. Corra, Alex Cross. São Paulo: Arqueiro, 2014.


Comprei num sebo por R$10. Na contracapa há uns dizeres característicos do marketink: "As páginas viram sozinhas!". Eu li isso e torci o nariz. Besteira. Aí eu li o livro. E descobri que era verdade.

Não conhecia a obra extensa de James Patterson, tampouco que Alex Cross é um personagem recorrente e tem uma série de livros só sobre suas histórias. Nem por isso aproveitei menos o livro. Aqui acompanhamos a história de Alex Cross, um policial de Washington, que tem três serial killers atuando ao mesmo tempo e agora tem que resolver os casos enquanto lida com questões familiares.

A estrutura do livro me pegou um pouco de surpresa. O autor optou por fazer de cada cena um capítulo. Isso nos traz capítulos de 1 página, às vezes. Por um lado entendo que isso torna o livro mais dinâmico, o que corrobora com a premissa de alguém sendo perseguido. 

Por outro, é como assistir um filme com muitos cortes de cena. Quando a gente começa a se ambientar, PAM, já estamos em outro lugar e fazendo outra coisa. Deixa o ritmo meio prejudicado. 

Do meio pro fim, porém, preciso confessar que isso já não me incomodava mais. Pelo contrário, me forçava a seguir em frente, sempre pensando "Ah, mas é só mais um capítulo". O miserável é um gênio.

Essa estrutura reflete bem a narrativa, que vai se afunilando e ficando cada vez mais frenética. A primeira impressão que tive não foi das melhores, achei o começo do livro meio confuso. O autor apresenta muitos personagens e a gente não sabe em quem investir nossa atenção, mas logo a gente se familiariza com quem é mais relevante e a história caminha bem.

Há algo a ser comentado, porém. É normal os autores acelerarem o ritmo no fim do livro, mas há uma linha tênue entre um ritmo frenético e uma narrativa corrida demais. Acho que o autor oscilou entre essas duas e houve trechos que, a meu ver, poderiam ter sido explorados mais e não sido resolvidos tão rápido. O clímax ficou meio apagado por causa disso.
Mas, algumas vezes, a vida é um ciclo, não é? Aquilo que você pensa que foi resolvido pode voltar até estar bem ali diante de você. (p. 215)
Esse livro é de 2013, publicado no Brasil em 2014 e consegui notar nele já um aspecto da mudança do nosso Zeitgeist. Acontece que só no capítulo 74 o autor menciona que o personagem principal é negro. Sensacional. A história é sobre pessoas, não sobre raças. Saudade dessa época.

Eu não categorizaria o livro como uma literatura adulta, mas também não o chamaria de juvenil. Há cenas um pouco pesadas e insinuações meio complicadas para um leitor mais novo. De qualquer forma, o autor sabe dosar as coisas e vê-se a maturidade que ele tem na sua escrita.

Enfim. Eu curti.