segunda-feira, 30 de março de 2020

Relato 013/2020 - Dona Clotilde

Senhora Delegada, Senhor Inspetor,

Era outubro de 44, digo, 1644, quando tive contato pela primeira vez com Dona Clotilde. Ela é um ser no mínimo... interessante. Viaja muito por aí num canhão (ela mesma se lança) e tem 58 anos de idade desde que a conheço. Foi casada com um amigo meu (senador Chururu da seção JXN do Senado Intergalático – o de tentáculos roxos, lembra?), e hoje resolveu aparecer aqui em casa. Enquanto escrevo estas linhas, ela está na sala comendo o reboco da parede. Pediu-me um pouco de sal. Verdade seja dita, Delegada, ela não é perigosa; mas reporto a aparição porque vou ficar mal falado na vizinhança. E, pra piorar, ainda estou pagando a reforma da casa. Droga, acabou o sal.


Publicado originalmente nos Relatórios de Criaturas Domésticas Extraordinárias da Mafagafo, em 30/03/2020.

sábado, 28 de março de 2020

Resenha - Guerra dos Mundos

WELLS, H. G. War of the Worlds. E-book. AmazonClassics, 2017.


Consegui este livro de graça na Amazon. Ele foi liberado por conta da quarentena que o mundo enfrenta devido ao avanço do Corona vírus (COVID-19). Sei que o pessoal que ler isto vai achar óbvio, mas fica aqui um registro de em que condições eu adquiri o livro. Isto será relevante para algo que eu tenho a dizer no final da resenha. Seguimos.

Veja bem, Guerra dos Mundos é um clássico da ficção científica, mas ele foi escrito no final do século XIX, ou seja, em outra época, para outro público. É inegável que o conteúdo dele é décadas à frente do seu tempo. Uma narrativa bem verossímil de fatos que a humanidade naquela época nem cogitava ter a capacidade de desvendar. Não obstante, era outra época. Tendo dito isto: o livro é muito chato.

Desculpe pela franqueza (e olha que eu sou um nerd desde a infância!). Talvez eu tenha sido contaminado pelo filme e sua dinâmica. Mas, em minha defesa, eu vi o filme há muito tempo. Eu era criança e, pra vocês terem ideia, eu sequer lembro quem eram os atores do filme. A lembrança que vem clara na mente são os tripods e o barulho ensurdecedor que eles emitiam.

Para mim o problema fatal do livro é apenas um: ele é lento e tem um excesso de descrições. Stephen King ensina que uma boa narrativa repousa em cima de três pilares: narração, descrição e diálogo. Em Guerra dos Mundos, nós temos bastante narração, descrição e pouquíssimo diálogo. Nossa, é chato demais ter que ver as coisas acontecendo sem interações de personagens!

Pra ter uma ideia, a história só vai começar a ser mais ativa a partir do capítulo quatro, quando o primeiro cilindro (que as pessoas achavam ser um meteoro) começa a se abrir e dali saem os primeiros marcianos. Pena que os bichinhos não estavam prontos para a atmosfera da Terra e precisam voltar para seus tripods que soltam raios de calor e fumaça venenosa. Nada demais.

Olha, não sei se é porque li em inglês, mas algumas descrições parecem confusas para mim. Penso que, se não tivesse visto o filme, não teria compreendido totalmente o que acontecia na cena. Eu sinceramente achei a leitura muito, muito cansativa e lenta. Eu sei que isso é uma marca do meu tempo, onde a velocidade da informação é uma norma. 

Bom, de qualquer forma, está aí um clássico que estava muito à frente do seu tempo. Ah! E pequeno spoiler (embora eu acho que todo mundo saiba como os alienígenas morrem no final). Achei legal a citação que cita a ocasião em que o Narrador vê os alienígenas mortos em Londres: 
"[...] and a dozen of them stark and silent and laid in a row where the Martians–dead!–slain by the putrefactive and diseas bacteria against which their systems were unprepared; slain as the red weed was being slain; slain, after all man's devices had failed, by the humblest things that God, in his wisdom, has put upon this earth." (p. 184, grifo meu) 
Sabe por que eu achei interessante citar isso? Porque, vejam só!, é exatamente isto que está acontecendo nos dias atuais! Eu estou de quarentena em casa porque uma das criaturas mais desprezíveis da Terra está nos fazendo de reféns. Não apenas eu, mas o mundo inteiro. 

Neste quesito, parece que Wells realmente acertou na mosca e foi um visionário incrível. Pena que, no caso atual, não são os alienígenas que estão à mercê destas criaturas. Só podemos pedir que Deus tenha misericórdia de nós. Afinal, mesmo com toda a tecnologia do mundo, o ser humano não é e nunca será indestrutível.

quarta-feira, 25 de março de 2020

Resenha - Barrabás

BEKESSY, Emery. Barrabás: o homem que foi trocado por Jesus. Rio de Janeiro: Central Gospel, 2006.



Encontrei esta pérola em uma das estantes do Shopping da Bíblia, em Manaus. E isto me levou a pensar quantos livros bons não estão por aí esquecidos nas estantes. Livros que têm alguma coisa a passar, mas que não chegam nas mãos dos leitores. Será que um dia este será o destino do meu? (Quer dizer! Isto se ele tiver alguma coisa a passar, né?). Mas divago.

De qualquer forma, antes de eu começar a falar desse livro que -- de antemão já afirmo -- é maravilhoso, preciso dedicar algumas linhas pra falar do autor. Isto pelo simples fato de que eu não consigo descobrir quem é esse cara! Pense num cidadão com informações difíceis de encontrar. A biografia na orelha do livro se limita a dizer que era um húngaro que emigrou para os EUA. Mas... que mais?

A verdade é que não há muita informação além disso. Encontrei na Wikipédia uma página sobre um Imre Békessy, que parece ser um personagem da mesma época do autor deste livro -- uma vez que o livro foi lançado em inglês no ano de 1946 --, mas não há referência à migração para os EUA e tampouco a autoria de um livro sobre Barrabás. 

Por outro lado, há um comentário bem mordaz numa revista... de 1947! Quando li o comentário achei um pouco exagerado, mas aí entendi a época. Pense bem, a Segunda Guerra tinha acabado de terminar. Logo, num livro onde judeus (fariseus, principalmente) são mostrados como cheios de ódio pelo Messias, fica fácil para os críticos o colocarem na categoria "anti-Semita".

Mas o livro está beeeem longe disso. Aquela era uma leitura da sua época. Hoje, não se tem como negar o ódio que os fariseus e a multidão tinham de Jesus. Não é de hoje que se sabe da crueldade que tiveram com ele. Tampouco é segredo que os fariseus e sacerdotes tinham controle político naquela época e temiam perdê-lo. Ou seja, havia muita política e politicagem envolvidas sim.

Bom, e já que estamos falando de coisas ruins do livro, eu vi alguns sérios problemas com a edição em português -- pelo menos essa à qual tive acesso. Há muitas falhas na digitação. Não é que se encontre várias; mas quando eu pego um livro publicado assim, espero encontrar zero falhas. Assim, encontrar mais de 10 é um bocado sim.

Por outro lado, também vejo problemas na técnica do autor. Há um exagero grande nos advérbios de modo, beira o limite da irritação. E falando em irritação, no começo do livro o autor tinha a mania de iniciar os capítulos com descrições geográficas que, até onde eu pude ver, foram totalmente irrelevantes para a história. Ah, mas está aí uma questão.

Como eu também escrevi ficção história (até certo ponto), e como já comentei isto em outra resenha, há um grande perigo nesse tipo de escrita: o autor acaba se deixando levar pela informação e imprime no texto uma qualidade não só literária, mas também pedagógica. Em outras palavras: depois de ler tanto sobre o assunto, o autor acaba querendo ensinar aquilo que aprendeu, em vez de só destacar o que é diretamente relevante para a história.

Porém, porém, porém. Apesar de tudo isso, eu vi neste livro aquilo que eu considero a marca de uma boa história: imersão. Em determinado momento da leitura, eu já estava mergulhado na história, cogitando o que fariam os personagens e como os eventos de desenrolariam. 

Enquanto no começo do livro a história se desenrola com passos tímidos, a partir do momento que Barrabás é preso, tudo fica ainda mais interessante. Ele se torna um personagem mais humano e admiração de Esdras (seu companheiro de luta revolucionária) concede mais densidade à história. Ah, sim, talvez fosse bom dar um panorama dos personagens.

Além de Barrabás, que carrega o título do livro, a história inicia-se (e termina de certa forma) com Esdras, um companheiro de luta de Barrabás. Este, por sua vez, era um ladrão e assassino que começou a ter pensamentos ultranacionalistas, pregando e tentando uma possível subversão armada contra o domínio romano -- a quem ele muito odiava. 

O tema "ódio" tem bastante relevância no livro, conforme é contrastado com o "amor", pregado pelo Profeta de Nazaré. E o ódio de Barrabás é até justificável aos olhos humanos. Como o livro retrata bem, para os romanos, a vida era só mais uma commodity. Se não fosse cidadão romano, então era descartável. Isto fica claro não apenas pelos tratamentos cruéis, mas até pelas falas. 

Voltando aos personagens, temos ainda José de Arimateia (que tem papel bem central na história), Lázaro e suas irmãs Marta e Maria, além de um personagem que está sempre presente mas se torna o centro da narrativa já mais perto do final: Pôncio Pilatos. Além disso, há alguns secundários como Cláudia, a esposa de Pôncio e o cego Eleazar, que ajudou Barrabás no começo.

Mas, meus amigos, não jeito. É impossível você fazer uma história ambientada no Novo Testamento e ter outro personagem principal. O título do livro é "Barrabás", mas logo fica evidente quem é o grande Personagem. Conforme a gente vai chegando no clímax, nosso pensamento não consegue deixar Ele de lado, ainda que vendo os fatos pelos olhos de outra pessoa.

E falando em clímax, os acontecimentos em torno daquele dia fatídico são tão cheios de significado (a multidão, a decisão jurídica, a morte, o véu do templo, os terremotos, a reação das pessoas) que é praticamente impossível falar deles sem que estejam repletos de símbolos que apontam para o Messias. 

No final, ficamos abismados como um livro escrito em 1946 consegue captar tão bem a essência daquela época, ou melhor, daquela história. Mas logo voltamos à razão e fica claro o motivo: porque a história de Jesus não se limita a uma época. É uma história que tem marcado e ainda marcará muitas gerações por vir. 

Sinto muito, Barrabás. Este livro vale a pena ser lido sim. Mas não por causa de você; mas porque é um livro que aponta para Jesus.

quinta-feira, 19 de março de 2020

Crônicas literárias - II: um desabafo

Acho que nem se pode chamar isso de crônica, porque não é. Isto é um desabafo. Isto é um memorial. Porque hoje faleceu Devair Fiorotti. Essa notícia veio como um baque pra mim. Não esperava. Não mesmo. Devair era novo, um cara cheio de vida, cheio de energia. Devair era uma coluna para a arte roraimense. Eu não fui tão próximo dele quanto gostaria, mas ainda assim quero deixar registrado aqui o respeito que tinha por aquele homem.

Conheci o professor Devair quando ambos trabalhávamos na UERR. Ele morava em outra cidade (Pacaraima) e comparecia à Pró-Reitoria de Pesquisa (onde eu trabalhava) uma vez por mês para entregar alguns relatórios. Eram as poucas ocasiões em que eu mantinha algum contato pessoal. O que eu não sabia, na verdade, é que já admirava o homem sem saber.

No Facebook, Devair postava uma coletânea de fotos em preto e branco feitas com o lixo que ele encontrava jogado em Pacaraima. Achei aquele trabalho de uma singularidade ímpar. Eu via ali os reflexos de um grande artista que eu mal conhecia. E se eu admirava seu trabalho na fotografia, qual não seria minha surpresa ao descobrir nele um dos maiores poetas de Roraima.

Meus encontros com o prof. Devair sempre foram esporádicos, mas sempre significativos. Ele foi o mentor de um dos maiores eventos culturais de Roraima, o Yamix, que acontecia na fronteira Brasil-Venezuela. E, vejam só como são as coisas, foi o evento que despertou em mim uma fagulha de ideia que depois resultou... no meu mestrado.

Durante minha pesquisa, tive a honra de entrevistar o professor Devair, que me contou parte de sua história e me apresentou todo o trabalho que teve com o Yamix. Ah, eu reconhecia ali não apenas traços do artista, mas do guerreiro. Porque eu vou falar pra vocês: fazer arte no Brasil significa batalha, quiçá guerra. Contra a burocracia, contra a falta de interesse (político), contra a apatia e descaso. Devair era um guerreiro.

Não só na vida artística, como na vida acadêmica. O cara não era apenas criativo, ele sabia o que estava fazendo. Ele tinha domínio da técnica, da teoria e da prática. Caramba, ele foi até parte da banca de qualificação da minha dissertação de mestrado! Não tenho como negar: Devair fez parte da minha história.

Devair foi até citado na crônica que eu escrevi ontem (meu Deus! Ontem! Ontem ele vivia!), quando falei daquele doutor em Letras que foi, de longe, o maior revisor que eu já tive. Era ele. Era o professor Devair Fiorotti. Eu sinto muito não ter ficado mais tempo perto dele. Com sua morte se vai um grande ser humano que prezava pelo bem e lutava pela arte. 

Que Deus console o coração da família e dos amigos enlutados. Você deixou saudade, Devair. 

Devair com a esposa Sony e a filha Amora no lançamento do meu livro (2019)

quarta-feira, 18 de março de 2020

Crônicas literárias - I

Há um limite muito tênue entre a "sinceridade" e o "sincericídio". Mas, o que eu acho mesmo, é que estamos numa era marcada pela amenização generalizada das coisas. Não se pode mais ser direto ou incisivo que lá vem o rótulo prontinho: "radical". A crítica das coisas é mal vista de modo geral. Não importa se ela faz sentido ou não, se tem bons argumentos ou não, se é honesta ou não. Importa que ela é muito dura e eu não gostei dela.

Esta é uma crônica estranha. Desculpa aí pelo começo. Mas comecei assim porque eu escrevo resenhas aqui que às vezes são bem incisivas. Em tempos que as pessoas têm dificuldade de compreender e separar a opinião do fato, temos que desenhar mesmo. Pra que fique bem claro: as minhas resenhas são OPINIÃO, não fato. Espero que isto tenha ficado claro. 

O lance é que tem gente que vê seus textos como preciosos filhinhos, perfeitos e imaculados na sua concepção. Mas todo bom escritor (diabos, todo bom artista!) sabe que não funciona assim. A não ser que você não seja um mero mortal (como um Beethoven da vida), nada vem totalmente pronto. Na verdade, boa parte do desfrute do fazer artístico é justamente este trabalho de lapidação do material.

Se você aplicar estas ideias em outras artes como escultura, fica mais claro. O escultor trabalha por partes, até chegar naquela construção final. Na literatura, todo texto precisa ser revisado e, mesmo assim, ainda corre o risco de não estar pronto! Demora um bom tempo até que a construção esteja plenamente fechada.

Acho que aprendi isso de modo bem evidente no ambiente acadêmico. Veja, quando você faz um TCC ou um texto acadêmico qualquer, a sua ideia (por mais original que seja) precisará ser trabalhada dentro de metodologias, teorias e aplicações específicas até que possa tornar-se um objeto palpável e digno de ser chamado "científico". Do mesmo modo é na literatura.

Quantos textos meus eu já não reli tempos depois e pensei: "Caramba, como foi que eu deixei passar isso?", ou ainda, o mais chocante: "Caramba! Como foi que isso ganhou um concurso?". Ora, ganhou porque julgaram o texto bem escrito, APESAR de todos os problemas (tanto os que eu encontrei quanto os outros que eu sequer vi!).

E aí eu volto ao meu ponto inicial: há uma amenização generalizada quando saímos da academia. É ruim dizer as coisas de modo muito incisivo. Enquanto na academia seu orientador olha pra você e fala: "Isso aqui não tem nada a ver e tá totalmente errado", fora dela a gente tem que passar panos quentes e dizer: "Ah, eu não gostei muito, mas até que está legal." Pff!

Gente, tem muita coisa mal escrita por aí. Caramba, coisa muito ruim mesmo. E não estou falando dos popstars que vendem suas biografias escritas por ghostwriters, não! Estou falando de gente que se julga "escritor" mas cujos textos são quase produções de ensino médio. Aí eu falo isso e o povo já me toma como radical, como exagerado. Não se pode mais fazer crítica!

Olha, uma vez eu mostrei um texto literário meu pra um doutor em Letras. Olha, esse cara me deu mil e uma opiniões, me contorceu todinho, fez várias e várias críticas. Muitas delas eu não gostei, com várias eu não concordei. Mas eu digo sem medo algum: foi o MELHOR revisor que eu já tive. Nossa! Estava a quilômetros de todos os outros.

Mas por quê? Porque mesmo que eu não concordasse com as críticas dele, elas me levavam a pensar. E aí eu precisava justificar não só pra ele, mas para mim mesmo: por qual motivo eu escolhi esta palavra? Por que eu construí meu texto dessa maneira? É verossímil mesmo que meu personagem faça isso? Qual a motivação? Eu precisava pensar para responder estas perguntas de maneira satisfatória. Repito: melhor revisor que eu já tive.

Sobre resenhas de modo geral, como falei lá em cima: tudo que eu escrevo é opinião. Aliás, toda resenha é necessariamente uma opinião (senão é resumo). Ninguém é obrigado a concordar ou gostar. Aliás, tem gente que realmente não precisa escrever melhor. Sério mesmo. Tem vezes que a pessoa não está escrevendo para se tornar um grande escritor, ela escreve porque aquela é uma via de escape necessária para ela. Ela precisa se expressar. E a literatura é a porta para isso. Tudo bem.

Agora o que não pode acontecer é a discussão se tornar ad hominem. O argumento ad hominem é aquele usado por políticos muitas vezes em que o interlocutor ataca a pessoa e não a ideia. Exemplo: "Eu acho que o governo precisa ter mais poder", aí a outra pessoa em vez de combater a ideia, rebate assim: "Vocês não podem dar ouvido a esta pessoa, ele traiu a mulher e se divorciou!".

Logo, não dá pra dizer: "Ah, você escreve dessa forma mas tem só um livro lançado", "Ah, você fala dos outros mas o cara tá lá vendendo livro e você não"; "Ah, você fala assim porque é de tal lugar, ou tem tal coisa, ou cresceu de tal maneira."

É o cúmulo. Na era das redes sociais a gente não pode fazer crítica de verdade, porque não tem quem verdadeiramente queira discutir. Entenda: discutir, não bater boca. "Ah, você faz isso com os outros porque não é com você". Aff, o argumento ad hominem é ad eternum.

Vamos fazer o seguinte: peguem meu livro e dissequem ele. Apontem todos os erros, vejam os defeitos, detonem meus contos, leiam tudo e desaprovem ao máximo. Talvez um escritor imaturo olhe para isso e pense: "Estão atacando meus filhinhos!". Mas eu mesmo se encontrar a pessoa que fizer isso com meus textos, vai ganhar um belo de um abraço.

Critiquem! Embasem seus argumentos, mostrem os erros, proponham soluções para corrigi-los, confrontem-me. Critiquem! Critiquem!


domingo, 15 de março de 2020

Resenha - To kill a mockinbird (O sol é para todos)

LEE, Harper. To kill a mockinbird. New York: Harper Perennial Modern Classics, 2006.


Acho que eu não deveria escrever essa resenha agora. Talvez eu precise de um pouco mais de tempo pra digerir. Mas sei que é melhor fazer logo enquanto a coisa ainda tá fresquinha na cabeça. Por outro lado, talvez ganhar distância valesse à pena pra colocar as coisas em perspectiva. Ah, mas aí se deixar pra depois minha preguiça ganha. Vamo lá.

Comprei esse livro num sebo nos EUA pelo simples motivo de ele ser um clássico da literatura norte-americana. Uma vez que eu estava nas terras Yankees, que eu procurasse os autores que tornaram aquele povo famoso. Daí eu me deparei com esta belezura aí.

Pra ser bem honesto, pegando o livro na mão agora, eu vejo que é uma edição bem fulerinha, sabe? As páginas são mal cortadas, embora a qualidade do papel seja boa. Mas o livro tem aparência bem frágil e a gente percebe que é uma daquelas edições pra vender barato mesmo. Mas eu entendo: quando um livro desse que nasceu em 1960 permanece até hoje um clássico da literatura, os editores já estão num nível que: "É, vai assim mesmo. Tem problema não." Tanto é que eu comprei um. Oh well.

Bom, eu não sabia o que esperar do livro. O título em si não me ajudou muito [(no português de Portugal a tradução ficou "Por Favor, Não Matem a Cotovia", que é mais literal e ainda melhor do que a tradução para o português brasileiro "O sol nasce para todos" (???)], mas eu segui a leitura, na esperança de que o livro se provasse bom.

Provou. 

A melhor maneira de explicar é fazendo um paralelo, nem tão injusto eu diria. A autora Harper Lee é como um Érico Veríssimo dos EUA. "To kill a mockingbird" é uma história carregada de símbolos que apontam para diferentes temas como racismo, classes sociais, moralidade e, principalmente, a preservação da inocência (aqui representada pela "cotovia" ou "mockingbird").

A história é toda contada do ponto de vista da menina Jean Louise (apelidada de Scout -- confesso que este apelido me causou confusão no começo do livro), irmã de Jem e filha do advogado Atticus. Não vou falar tanto da trama, uma vez que já tem até filme sobre isso. Mas o que me interessou foi como a autora fala de uma história tão simples e ao mesmo tempo tão profunda. Tal como Érico Veríssimo o faz.

Veja bem, a história se passa numa pequena cidade do interior do Alabama. Lá não acontece muita coisa, é um lugar paradão. Logo, quando aparece algo fora do comum, isso ganha proporções enormes. E mostrar uma criança narrando tudo isso torna ainda mais interessante. Porque enquanto a narradora não compreende com profundidade o que se passa -- e, portanto, tem dificuldade para explicar, -- o leitor por outro lado entende perfeitamente e se assusta com a profundidade da coisa quando finalmente a compreende.

Apesar de um cenário e trama simples, o livro tem algumas reviravoltas que deixam a gente pensativo. Foi assim até o final (talvez especialmente o final). Eu não quero registrar tanto o enredo porque eu quero esquecer os detalhes. Aí no dia que eu esquecer, vou reler e desfrutar -- ainda que só um pouquinho -- do prazer de conhecer novamente a história e os personagens.

Mas tem alguns detalhes que talvez não tenham me agradado tanto. Como logo no começo da história a gente não sabe direito o que vai acontecer, nem qual é o destino dos personagens na história, cada capítulo se torna uma exploração. Isso aí, dependendo da expectativa do leitor e da sua imersão, pode ser prejudicial à leitura, já que após as pausas na leitura, a gente nem sempre está tão atraído a voltar, porque não tem aquele ímpeto que nos fisga.

Mesmo assim, no fim das contas, a unidade temática da obra é que a torna tão brilhante. A preservação (ou perda) da inocência, com este simbolismo tão singelo com o "mockinbird", é expressa em diferentes momentos do livro, por meio de diferentes acontecimentos, que são apenas reforçados no final. Neste ponto, o livro impressiona pela sua elegância -- e olha que foi o primeiro romance da autora.

Leitura super indicada mesmo. Este livro nunca sairá de moda, porque seu tema perpassa toda a história da humanidade. Espero que não chegue o dia em que as pessoas deixarão de preservar o que é bom. Fica a mensagem:
"Shoot all the bluejays you want, if you can hit 'em, but remember it's a sin to kill a mockingbird." (p. 103)

sexta-feira, 13 de março de 2020

Condição biônica

Os dedos encaixaram na entrada da máquina e, ainda que por pouco tempo, tudo estava bem. Tudo era som, tudo era luz... não... tudo era energia. E ali, naquela máquina velha, no beco com fedor de esgoto, tudo era esquecido. Não havia dois homens brigando no barzinho da esquina; não havia duas enfermeiras na porta de uma casa convidando: “Vem, hoje é promoção”; não tinha um verme nas suas correntes sanguíneas. Não. Tudo era energia.

– Tá bom, animal! – o homem suado o cutucou nas costas, tinha um bafo de cachaça. – Já acabou, bora que tem gente na fila!

Então os dedos se desencaixaram da entrada da máquina e, por muito tempo, tudo não esteve mais bem. Ele cambaleou pra trás, sendo logo empurrado. Mas o que estava fazendo ali? Quem eram aquelas pessoas? Por que estavam roubando a sua energia? Hum... mas agora o cheiro da rua voltava, e os sons, e a luz. Sentiu um aperto no peito, uma vontade terrível de chorar, mas não podia. Porque não tinha mais olhos.


• • •

Amanheceu no sofá-cama do apartamento. Não tinha a menor ideia de como chegara lá. Acordou com o barulho do cytron tocando. Quem ligava? O sol entrava pela janela. Sentiu cheiro de vômito. Sua camisa estava empapa da de suor e ele tinha um gosto amargo na boca. Levantou trôpego e pegou o cytron na mesa da cozinha. Sentou-se na única cadeira e com a testa apoiada na mão, levou o cytron ao ouvido:

– Que é? – ele disse, quase num latido.
– Ah, olá, bom dia...

[...] 

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Crônicas do cotidiano VII – O sétimo dia

Meu avô me chamava de "Biel". Ele pedia pra eu pegar coisas pra ele. Infelizmente meu contato com ele foi muito curto. Mas eu gostava tanto de ouvi-lo falar.

Quando havia convidados, ele sentava na porta da sala, bem próximo à entrada da casa. Ele tinha uma cadeira de balanço que o acompanhava. Engraçado que o cantinho da casa que ele mais gostava, também era o meu favorito. 

Se tinha outra cadeira de balanço por ali, eu sentava próximo e a gente ficava num silêncio estranho, como dois desconhecidos. Mas tudo durava pouco. Meu avô me olhava com os olhinhos dele e começava a me contar histórias.

Foi só tarde que eu parei pra ouvi-las com mais atenção. Cheguei a gravar nossa última conversa. Jamais imaginei que a despedida naquela ocasião seria derradeira. E o pior, foi há tempo demais. Sequer falei com ele recentemente. Sequer pude comparecer ao enterro. Acho que ainda me dói muito a dívida de não estar presente. 

Mas sei que não adianta se martirizar pelo "e se". Fazer isso é duvidar da soberania de Deus. E lembrar disso faz com que eu possa chorar e me entristecer, mas não ser dominado por este sentimento.

Acho que foram poucas as vezes que meu avô me viu e não puxou conversa. Havia algo em mim que o convidava? Talvez não. Talvez eu só estivesse mais perto. Consigo ouvir sua voz na última vez que falamos. Ela já estava embargada por conta do infarto, mas ele falava, era lúcido. Era um índio forte, com o melhor do sangue amazônida. 

Eu devo ainda um relato da vida do meu avô. Afinal, eu sou um escritor. Poucas vezes a responsabilidade da arte foi tão evidente. Deus me ajude a cumprir com tudo que é requerido de mim, para o louvor da Sua glória. Sim, para o louvor da Sua glória.

Sete dias que meu avô partiu. E esta semana passou tão rápido. Acho que, afinal de contas, a vida segue. Segue como ondas. Há momentos que posso aproveitar a baixa da maré e lembrar que as coisas continuam; mas tem vezes (como agora) que não dá pra escapar das ondas. Elas vêm mesmo. Podem vir. Porque para enfrentar esta maré, tenho as palavras que meu primo Laerto tão bem lembrou:
– A bênção, vô.
– Deus lhe dê saúde e inteligência, meu filho.
No seu leito de morte – que, aliás, ele já sentia ser o seu leito de morte – minha mãe foi uma das pessoas que esteve ao seu lado. Aliás, foi ela que presenciou o derradeiro momento. Ela lia para ele o Salmo 97. E, apesar de toda a tristeza, havia esperança na voz dela quando liguei para conversar no fatídico dia. Esperança da vida eterna, pois naquela semana meu avô havia recebido Jesus como seu Senhor e Salvador. 

Ah, amigos. Eu não sei o futuro. Eu não sei nem do presente direito e tenho dificuldades de entender o passado. Mas, graças a Deus, a minha finitude não é empecilho nenhum para o Deus Todo-Poderoso, que um dia vai nos levar de maneira definitiva para a sua presença. E lá, livre das amarras do pecado, eu poderei louvar ao Senhor bem do lado do meu avô. O meu Senhor vive. E nele eu posso ter esperança. 
"Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá;" (Jo. 11:25)

terça-feira, 3 de março de 2020

Resenha - The shining (uma resenha bilíngue)

KING, Stephen. The shining. New York: Anchor Books, 2012.


CA-RAM-BA!


Now in English:
HO-LY CRAP!