sexta-feira, 13 de março de 2020

Crônicas do cotidiano VII – O sétimo dia

Meu avô me chamava de "Biel". Ele pedia pra eu pegar coisas pra ele. Infelizmente meu contato com ele foi muito curto. Mas eu gostava tanto de ouvi-lo falar.

Quando havia convidados, ele sentava na porta da sala, bem próximo à entrada da casa. Ele tinha uma cadeira de balanço que o acompanhava. Engraçado que o cantinho da casa que ele mais gostava, também era o meu favorito. 

Se tinha outra cadeira de balanço por ali, eu sentava próximo e a gente ficava num silêncio estranho, como dois desconhecidos. Mas tudo durava pouco. Meu avô me olhava com os olhinhos dele e começava a me contar histórias.

Foi só tarde que eu parei pra ouvi-las com mais atenção. Cheguei a gravar nossa última conversa. Jamais imaginei que a despedida naquela ocasião seria derradeira. E o pior, foi há tempo demais. Sequer falei com ele recentemente. Sequer pude comparecer ao enterro. Acho que ainda me dói muito a dívida de não estar presente. 

Mas sei que não adianta se martirizar pelo "e se". Fazer isso é duvidar da soberania de Deus. E lembrar disso faz com que eu possa chorar e me entristecer, mas não ser dominado por este sentimento.

Acho que foram poucas as vezes que meu avô me viu e não puxou conversa. Havia algo em mim que o convidava? Talvez não. Talvez eu só estivesse mais perto. Consigo ouvir sua voz na última vez que falamos. Ela já estava embargada por conta do infarto, mas ele falava, era lúcido. Era um índio forte, com o melhor do sangue amazônida. 

Eu devo ainda um relato da vida do meu avô. Afinal, eu sou um escritor. Poucas vezes a responsabilidade da arte foi tão evidente. Deus me ajude a cumprir com tudo que é requerido de mim, para o louvor da Sua glória. Sim, para o louvor da Sua glória.

Sete dias que meu avô partiu. E esta semana passou tão rápido. Acho que, afinal de contas, a vida segue. Segue como ondas. Há momentos que posso aproveitar a baixa da maré e lembrar que as coisas continuam; mas tem vezes (como agora) que não dá pra escapar das ondas. Elas vêm mesmo. Podem vir. Porque para enfrentar esta maré, tenho as palavras que meu primo Laerto tão bem lembrou:
– A bênção, vô.
– Deus lhe dê saúde e inteligência, meu filho.
No seu leito de morte – que, aliás, ele já sentia ser o seu leito de morte – minha mãe foi uma das pessoas que esteve ao seu lado. Aliás, foi ela que presenciou o derradeiro momento. Ela lia para ele o Salmo 97. E, apesar de toda a tristeza, havia esperança na voz dela quando liguei para conversar no fatídico dia. Esperança da vida eterna, pois naquela semana meu avô havia recebido Jesus como seu Senhor e Salvador. 

Ah, amigos. Eu não sei o futuro. Eu não sei nem do presente direito e tenho dificuldades de entender o passado. Mas, graças a Deus, a minha finitude não é empecilho nenhum para o Deus Todo-Poderoso, que um dia vai nos levar de maneira definitiva para a sua presença. E lá, livre das amarras do pecado, eu poderei louvar ao Senhor bem do lado do meu avô. O meu Senhor vive. E nele eu posso ter esperança. 
"Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá;" (Jo. 11:25)

1 comentários:

Unknown disse...

Que lindo!

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