quarta-feira, 18 de março de 2020

Crônicas literárias - I

Há um limite muito tênue entre a "sinceridade" e o "sincericídio". Mas, o que eu acho mesmo, é que estamos numa era marcada pela amenização generalizada das coisas. Não se pode mais ser direto ou incisivo que lá vem o rótulo prontinho: "radical". A crítica das coisas é mal vista de modo geral. Não importa se ela faz sentido ou não, se tem bons argumentos ou não, se é honesta ou não. Importa que ela é muito dura e eu não gostei dela.

Esta é uma crônica estranha. Desculpa aí pelo começo. Mas comecei assim porque eu escrevo resenhas aqui que às vezes são bem incisivas. Em tempos que as pessoas têm dificuldade de compreender e separar a opinião do fato, temos que desenhar mesmo. Pra que fique bem claro: as minhas resenhas são OPINIÃO, não fato. Espero que isto tenha ficado claro. 

O lance é que tem gente que vê seus textos como preciosos filhinhos, perfeitos e imaculados na sua concepção. Mas todo bom escritor (diabos, todo bom artista!) sabe que não funciona assim. A não ser que você não seja um mero mortal (como um Beethoven da vida), nada vem totalmente pronto. Na verdade, boa parte do desfrute do fazer artístico é justamente este trabalho de lapidação do material.

Se você aplicar estas ideias em outras artes como escultura, fica mais claro. O escultor trabalha por partes, até chegar naquela construção final. Na literatura, todo texto precisa ser revisado e, mesmo assim, ainda corre o risco de não estar pronto! Demora um bom tempo até que a construção esteja plenamente fechada.

Acho que aprendi isso de modo bem evidente no ambiente acadêmico. Veja, quando você faz um TCC ou um texto acadêmico qualquer, a sua ideia (por mais original que seja) precisará ser trabalhada dentro de metodologias, teorias e aplicações específicas até que possa tornar-se um objeto palpável e digno de ser chamado "científico". Do mesmo modo é na literatura.

Quantos textos meus eu já não reli tempos depois e pensei: "Caramba, como foi que eu deixei passar isso?", ou ainda, o mais chocante: "Caramba! Como foi que isso ganhou um concurso?". Ora, ganhou porque julgaram o texto bem escrito, APESAR de todos os problemas (tanto os que eu encontrei quanto os outros que eu sequer vi!).

E aí eu volto ao meu ponto inicial: há uma amenização generalizada quando saímos da academia. É ruim dizer as coisas de modo muito incisivo. Enquanto na academia seu orientador olha pra você e fala: "Isso aqui não tem nada a ver e tá totalmente errado", fora dela a gente tem que passar panos quentes e dizer: "Ah, eu não gostei muito, mas até que está legal." Pff!

Gente, tem muita coisa mal escrita por aí. Caramba, coisa muito ruim mesmo. E não estou falando dos popstars que vendem suas biografias escritas por ghostwriters, não! Estou falando de gente que se julga "escritor" mas cujos textos são quase produções de ensino médio. Aí eu falo isso e o povo já me toma como radical, como exagerado. Não se pode mais fazer crítica!

Olha, uma vez eu mostrei um texto literário meu pra um doutor em Letras. Olha, esse cara me deu mil e uma opiniões, me contorceu todinho, fez várias e várias críticas. Muitas delas eu não gostei, com várias eu não concordei. Mas eu digo sem medo algum: foi o MELHOR revisor que eu já tive. Nossa! Estava a quilômetros de todos os outros.

Mas por quê? Porque mesmo que eu não concordasse com as críticas dele, elas me levavam a pensar. E aí eu precisava justificar não só pra ele, mas para mim mesmo: por qual motivo eu escolhi esta palavra? Por que eu construí meu texto dessa maneira? É verossímil mesmo que meu personagem faça isso? Qual a motivação? Eu precisava pensar para responder estas perguntas de maneira satisfatória. Repito: melhor revisor que eu já tive.

Sobre resenhas de modo geral, como falei lá em cima: tudo que eu escrevo é opinião. Aliás, toda resenha é necessariamente uma opinião (senão é resumo). Ninguém é obrigado a concordar ou gostar. Aliás, tem gente que realmente não precisa escrever melhor. Sério mesmo. Tem vezes que a pessoa não está escrevendo para se tornar um grande escritor, ela escreve porque aquela é uma via de escape necessária para ela. Ela precisa se expressar. E a literatura é a porta para isso. Tudo bem.

Agora o que não pode acontecer é a discussão se tornar ad hominem. O argumento ad hominem é aquele usado por políticos muitas vezes em que o interlocutor ataca a pessoa e não a ideia. Exemplo: "Eu acho que o governo precisa ter mais poder", aí a outra pessoa em vez de combater a ideia, rebate assim: "Vocês não podem dar ouvido a esta pessoa, ele traiu a mulher e se divorciou!".

Logo, não dá pra dizer: "Ah, você escreve dessa forma mas tem só um livro lançado", "Ah, você fala dos outros mas o cara tá lá vendendo livro e você não"; "Ah, você fala assim porque é de tal lugar, ou tem tal coisa, ou cresceu de tal maneira."

É o cúmulo. Na era das redes sociais a gente não pode fazer crítica de verdade, porque não tem quem verdadeiramente queira discutir. Entenda: discutir, não bater boca. "Ah, você faz isso com os outros porque não é com você". Aff, o argumento ad hominem é ad eternum.

Vamos fazer o seguinte: peguem meu livro e dissequem ele. Apontem todos os erros, vejam os defeitos, detonem meus contos, leiam tudo e desaprovem ao máximo. Talvez um escritor imaturo olhe para isso e pense: "Estão atacando meus filhinhos!". Mas eu mesmo se encontrar a pessoa que fizer isso com meus textos, vai ganhar um belo de um abraço.

Critiquem! Embasem seus argumentos, mostrem os erros, proponham soluções para corrigi-los, confrontem-me. Critiquem! Critiquem!


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