quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Resenha - O homem de Barlovento

B. C. GARMATZ. O homem de Barlovento. Curitiba: Artes & Textos, 2013.


Mais uma vez é necessária a distinção entre o autor e sua obra. Se critico, e sei que a crítica é vital para arte, é tão somente a obra. E, olha, dessa vez não dá pra amenizar. Que obrazinha ruim. Há várias coisas que assustam na leitura, algumas tantas que o leitor mal consegue se recuperar, dá vontade de lançar o livro longe e parar de ler. Aliás, sabia que isso é algo que Stephen King recomenda? Não é pra ler coisas medianas, é pra ler coisas boas! Mas vamos lá. 

O primeiro problema, que me salta aos olhos, é o problema da grafia. Cara, há coisas e coisas. Eu que não sou da área de Letras entendo muito bem que a linguagem tem uma função primordial de comunicação. Ora, se temos um idioma escrito que permite essa comunicação, ele então que será usado. Há casos, porém, em que o texto escrito com palavras apenas não é suficiente, nesse caso usamos outros mecanismos. Aí temos a linguagem corporal, por exemplo, entonação, por aí vai. 

Na internet muito se usam os emojis ou outros sinais visíveis para expressar algumas emoções de maneira mais eficaz, especialmente num suporte em que a agilidade é o principal. Daí nós usarmos expressões do tipo: "Como assim???" ou ainda "Não acreditoooooo". Isso ocorre dessa forma porque estamos num meio que imita a fala e a letra precisa ser lida com velocidade para transmitir bem o sentido da comunicação proposta. Ok. Mas num livro, não dá pra aceitar isso sem um contexto.

Ah, se isso acontecesse num contexto de internet, seria tão bom. Se isso ocorresse apenas uma vez no texto, seria maravilhoso. Mas nada disso. Isso apenas demonstra uma incapacidade do escritor em transmitir aquilo que deveras gostaria. Primeiro que o uso excessivo desses sinais de exclamação só faz diminuir ainda o mais a utilidade dele! Paradoxal, porém verdadeiro. É como repetir uma palavra diversas vezes sem cessar até ela não fazer mais sentido nenhum e virar apenas sons. Fora isso tem erros de digitação e de soletração que simplesmente não consigo perdoar. Como assim ninguém viu essas coisas, gente? Sem esquecer das quebras de parágrafo mais estranhas e incongruentes que já vi.

Por outro lado, o excesso de descrições prolixas é exasperante. Há muito "show" (mas muito mesmo) e pouco "tell". Em diversos momentos as coisas poderiam ser mais diretas, construídas de maneiras mais interessantes. O que vejo, porém, é ainda a mesma técnica de "relato" por trás de tudo, assim como vi nos outros textos desse autor. A história de amor no livro, por exemplo, não é construída, mas simplesmente relatada ao leitor. 

Ah, e os diálogos, oh boy. Não consigo ouvir duas pessoas conversando do jeito que está escrito. Há em muitos momentos um formalismo exacerbado que se usa mal com seu chefe, em outros há diálogos fúteis, sem contribuição para o enredo da história. Isso somado ao caráter enciclopédico (wikipédico?) de alguns parágrafos é de dar ganas de parar de ler. E o que dizer dos relatos de viagem mal contados? Quanta riqueza narrativa perdida em páginas, podendo descrever e recriar o cenário venezuelano que eu mesmo já visitei tantas vezes.

Isso sem falar no pior do livro (pois é, tem mais): nada acontece. Quer dizer, até acontece, né? Mas demora pelo menos 85 páginas, e ainda assim se resume a uns dois parágrafos. E continua acontecendo mas meio de canto de olho sabe?, como se fosse algo pra ficar em segundo plano. Sinceramente, o livro de história de Ensino Médio retratado entre as páginas 100-107, 111-113 foi um insulto ao leitor. É só na página 147 que o livro dá uma próxima guinada e revela seu verdadeiro âmago: incitar sobre a filosofia espírita. 

Entre tantas coisas eu pergunto: por que alternar entre espanhol e português na mesma fala? Porque não se opta por um ou outro, ou apenas permeia com pequenas expressões? Só aumenta a sensação de bagunça do livro. Saca só essa impressão fenomenal na página 236 do livro, veja se identifica alguma coisa na imagem ao lado.

Olha, não é que não tem nada no livro que se aproveite. É só que ainda precisava tirar muita gordura pra deixar só o filé. E ainda teria que dar um trato nesse filé. O que o livro traz é deveras uma sensação de nostalgia para todos aqueles que já viajaram Venezuela adentro, mas isso é tudo que ele é: um relato de viagem. E bem chato ainda.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Resenha - Os Mundos de Crestomanci

JONES, Diana Wynne. Vida Encantada: Os Mundos de Crestomanci. São Paulo: Geração Editorial, 2001. 
_______. As vidas de Cristopher Chant: Os Mundos de Crestomanci. São Paulo: Geração Editorial, 2001.
_______. Os magos de Caprona: Os Mundos de Crestomanci. São Paulo: Geração Editorial, 2001.
_______. A semana dos bruxos: Os Mundos de Crestomanci. São Paulo: Geração Editoral, 2003.


"Os Mundos de Crestomanci" é uma série fantástica de livros da escritora inglesa Diana Wynne Jones. Essa mulher inspirou autoras como a própria J. K. Rowling e é a mãe do filme "O Castelo Animado" (dirigido por Hayao Miyazaki). Basta dizer que é uma autora de fantasia que conseguiu inspirar muita gente e deixou um legado magnífico. Li seus livros a primeira vez quando ainda era criança e resolvi redescobri-los por esses tempos. No Brasil nem todos os da série Mundos de Crestomanci estão publicados em português e eu mesmo só tive acesso aos quatro primeiros, sobre os quais vou falar. 

Pra começar, basta dizer que Crestomanci é o título do mais importante mago de um mundo. Este mundo está interligado a outros, geralmente numa série de 9 Mundos. A viagem entre os mundos é um dos feitos mais poderosos de Crestomanci, mas outras pessoas também o fazem (especialmente para fins ilícitos). Não obstante, Crestomanci é um mago que trabalha para o governo inglês e tem como função regular a magia dos mundos que encontra. 

Tendo essa pequena introdução em mente. Em "Vida Encantada", somos apresentados ao jovem Gato Chant, que, com a sua irmã malvada Gwendolen, veem-se no Castelo Crestomanci como aprendizes do famoso mago. Mas as coisas não são tão simples, uma vez que Gwendolen tem planos malignos e Gato não tem ideia da dimensão do seu poder. No fim, tudo era uma grande conspiração e Gato ajuda Crestomanci a manter as coisas em dia. 

Neste livros nos fascinamos com a introdução a todo esse universo de possibilidades. Onde a magia é algo comum e há diferença entre bruxos, magos, necromantes, feiticeiros e toda sorte de seres mágicos. Pra uma criança como eu, na época, foi absolutamente hipnotizador e não pude evitar a alegria em reler um livro que com certeza ajudou também a me inspirar no universo da fantasia literária. 

No livro seguinte, "As vidas de Cristopher Chant", somos apresentados à história do atual Crestomanci. Todos os fatos se dão pelo menos 25 anos antes de "Vida Encantada". Esse livro é deveras eletrizante. Somos desde o começo apresentados à habilidade de Cristopher em viajar entre os diferentes mundos com uma facilidade tamanha que ele também mal tem noção das encrencas e possibilidades que isso pode lhe dar. 

Cristopher (assim como Gato no primeiro livro), não tinha ideia da dimensão de seus poderes e quando menos espera, vê-se no centro de uma grande armadilha e tem que usar de toda sua sagacidade para conseguir escapar e impedir que o mal domine. De maneira também hipnotizadora, a autora consegue criar situações que não nos deixam em paz enquanto não descobrimos o que vai acontecer em seguida. 

"Magos de Caprona", a princípio, foi uma grande decepção para mim quando criança. Ora, pensem comigo. Nos dois primeiros livros eu sou apresentado à figura de Crestomanci, do Castelo, dos seus poderes e as possibilidades que o cercam. Só que neste livro, a autora deixa Crestomanci lá na Inglaterra e vai retratar uma história que se passa em Caprona, na Itália. Poxa! Lembro que, quando criança, não gostei desse livro.

Mas agora relendo-o com novos olhares, percebo que também é uma obra muito bem escrita e digna da série de Crestomanci. Nesta história o grande mago tem um papel apenas secundário, eu diria. Lendo hoje, eu percebo como isso foi uma sacada genial da escritora: os livros não ficam resumidos a Crestomanci. Ele certamente aparece e tem sua relevância, mas há muitas outras histórias que podem se desenrolar à parte dele. Isso é muito importante para dar consistência ao universo de possibilidades dentro da veia literária que ela criou.

Por fim, confesso que não sabia o que esperar de "A Semana dos Bruxos". Certamente eu o lera quando criança, mas, verdade seja dita, eu não lembrava de nada da história. Isso foi bom porque me deu uma impressão verdadeira da leitura, ainda que com uns resquícios de déjà vu. Algo bem interessante dessa história: ela não se passa no mesmo mundo de Crestomanci! Ela se dá em um mundo onde a magia não apenas não é comum, mas também é ilegal. 

Tudo se desenrola dentro de um internato para crianças, onde aos poucos alguns bruxos se revelam e ao final Crestomanci tem que aparecer para resolver a situação inteira. O que achei mais interessante desse livro: há uma personagem chamada Dulcinea Wilkes, descendente de uma poderosa arquibruxa. Essa menina é tímida, não se encaixa bem na escola, tem dificuldade de fazer amigos. No final do livro (pequeno spoiler alert aqui) ela vai deixar de ser bruxa, mas não tem problema, porque ela descobre que gosta muito de escrever sobre diversas coisas, sobre magia, sobre mundos... Quando tudo acaba ela se descobre num mundo sem magia, mas ainda com uma capacidade inata de escrever sobre ela. Dulcinea Wilkes... Diana Wynne... 


Esta é a capa do livro que ainda não li, mas que ainda vou arranjar para ler. Diana Wynne Jones é realmente um marco para toda essa literatura que gira em torno de feitiços, bruxos e tudo o mais. Os livros da série Crestomanci são absolutamente obrigatórios para os apreciadores desta linha de publicação. 

Por outro lado, ouso fazer pelo menos duas críticas: no terceiro livro em peso e um pouco no quarto livro há um excesso da expressão "de um modo ou de outro". Não, pera aí. Esse termo é uma falta de descrição sem tamanho, que não cabe pra uma escritora como Jones. É quase uma preguiça ou incapacidade de explicar as coisas direito (espero que não tenha sido culpa do tradutor também, mas acho que não). Esse aí foi um pecado difícil de deixar passar (risos). 

Outra coisa que menciono, que nem é tanto crítica, é a presença do esoterismo como explicação para tudo. Os bruxos, magos, feiticeiros trabalham com cristais, encantamentos, tintas mágicas, criaturas misteriosas, ingredientes para poções, etc. Esse foco no esoterismo cria uma aura (por falta de expressão melhor) em torno de todos os livros que não me agradou tanto. 

Por fim, é muito bom que em todos os livros os personagens principais são crianças, na transição entre pré e a adolescência. Em quase todos os casos, elas não têm noção de seus poderes e são atraídas por armadilhas ou conspirações e se metem em enrascadas. Ah! Também é notório o fascínio da escritora por gatos. À exceção do quarto livro, em todos os outros os bichanos aparecem e não são tão acessórios à história quanto alguém poderia imaginar. 

Por fim, Os Mundos de Crestomanci é uma leitura mais do que recomendada. Se nos três primeiros livros não pude deixar de ser tomado pela adrenalina das coisas acontecendo e a curiosidade do desenrolar delas, no quarto livro não pude evitar emocionar-me com o final dele, apontando para uma realidade tão próxima a qualquer um de nós. Que beleza de livros! Jones já se foi, mas deixou um excelente legado para várias gerações de leitores e escritores ao acaso que ainda virão.