quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Adeus, Marte.


Tudo aconteceu muito rápido. Eu estava saindo do apartamento quando senti algo estranho, sei lá, uma sensação ruim. Desci, caminhei pela Via Martiana em direção ao Espaço-Porto. Naquela época eu trabalhava como estivador.
Quando já estava perto da entrada do Espaço-Porto, passei a ter certeza de que algo estava errado. Eu e todas as outras pessoas. O gerador gravitacional começou a dar problema. De repente, ficamos mais leves — foi uma sensação engraçada. Todos na rua se olharam confusos, algumas crianças pularam alto, sorrindo.
Durou só uns cinco segundos. Então, a gravidade voltou de uma só vez. Sentimos nosso peso sendo puxado para baixo. Ninguém entendeu nada. Nesse momento, alguém apontou para o céu, a voz denotando preocupação:
— O que é aquilo?
Grandes nuvens escuras se formavam no céu límpido de Marte. Pequenos objetos disformes e escuros rompiam a atmosfera e impactavam o chão no horizonte. Sentíamos tudo tremer. Foi quando vimos o pior que tudo ficou claro: uma grande nave, acho que era um cruzador intergaláctico de carga — alguma coisa estava errada com ele —devia ter o tamanho de uma estação espacial, e o pior: estava em queda livre em direção à Marte.
O desespero bateu em todos. Pessoas gritaram, umas correram e outras simplesmente ficaram paradas, estupefatas. Todo mundo entendeu que, quando aquilo atingisse o solo, haveria uma grande onda de choque e nós provavelmente morreríamos no impacto.
— Não fique aí, parado! — Zedequias passou gritando, segurou meu braço e deu um puxão. — Vem, rápido!
Acordei do meu transe e percebi a besteira que era ficar parado ali. Zedequias correu na direção do Espaço-Porto, e eu atrás dele. A multidão se dividia entre os que queriam entrar no Porto e os que queriam sair; alguns eram pisoteados, crianças choravam aos berros em meio à confusão.
— Zedequias, para onde a gente está indo? — Perguntei, em desespero.
— Cala a boca e me segue, rápido!
Nadamos no mar de gente e alcançamos as docas. Naquele momento, entendi. Zedequias nunca fora flor que se cheirasse, — Meu Deus, ele ia roubar uma nave. Quando o vi correndo em direção a uma dessas lanchas de passeio, hesitei ante o que estava para fazer. Senti de novo o gerador gravitacional dar problema. Olhei na direção do cruzador intergaláctico quando ele rompeu o limite da troposfera. No meu instinto, segui Zedequias.
Ele nocauteou um borgon que estava dentro da nave e o jogou no cais. Fingi que nem vi e entrei na nave.
— Liga o propulsor de estibordo que eu vou para bombordo! Rápido, vai! A gente deve ter só alguns segundos!
Eu corri para o lado direito do barco, ativei o desengate da nave e liguei os propulsores. Zedequias estava no outro lado preparando os motores de curva, e eu desativei as travas de âncora na cabine de comando. Enquanto ele terminava de atarraxar os zenilóguios, eu ligava os motores.
— Zedequias, ela já está aquecida! Só me diz quando! — Gritei para ele, que, de repente, apareceu na cabine:
— Vai, vai, vai!
Manobrei a nave e decolamos.
— Assim não, Barajós! Sai daí, tu é lerdo demais!
Ele me empurrou e tomou o manípulo de controle, descendo-o de uma só vez. Zarpamos numa arrancada em diagonal tão rápido que eu caí. Zedequias gritava para a nave:
— Vai, vai, vai! Força, danada!
Enfim, a nave estabilizou. Reuni forças e alcancei a poltrona mais próxima, colocando o cinto de segurança.
Pelos painéis, pude ver a hora que o cruzador caiu. As favelas de Orenan foram as primeiras a serem atingidas, na periferia da cidade. Vi a hora que a onda de choque alcançou o prédio onde eu morava, fazendo ele desabar. Vi as bases do Espaço-Porto sendo destruídas e a Ala Oeste desmoronando. Fogo se espalhava por diversos lugares de Verílion, a capital de Marte.
Zedequias caiu de joelhos. Com as mãos no rosto, ele soluçava. Naquele momento, entendeu que tinha perdido a esposa e as duas filhas.
 [...]
Para ler o conto na íntegra, acesse a 2ª edição da Revista Literomancia, disponível aqui.

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