Tudo
aconteceu muito rápido. Eu estava saindo do apartamento quando senti algo
estranho, sei lá, uma sensação ruim. Desci, caminhei pela Via Martiana em direção ao Espaço-Porto. Naquela
época eu trabalhava como estivador.
Quando já
estava perto da entrada do Espaço-Porto, passei a ter certeza de que algo
estava errado. Eu e todas as outras pessoas. O gerador gravitacional começou a
dar problema. De repente, ficamos mais leves — foi uma sensação engraçada.
Todos na rua se olharam confusos, algumas crianças pularam alto, sorrindo.
Durou só
uns cinco segundos. Então, a gravidade voltou de uma só vez. Sentimos nosso
peso sendo puxado para baixo. Ninguém entendeu nada. Nesse momento, alguém apontou para
o céu, a voz denotando preocupação:
— O que é
aquilo?
Grandes
nuvens escuras se formavam no céu
límpido de Marte. Pequenos objetos disformes e escuros rompiam a atmosfera e
impactavam o chão no horizonte. Sentíamos tudo tremer. Foi quando vimos o pior que
tudo ficou claro: uma grande nave, acho que era um cruzador intergaláctico de carga
— alguma coisa estava errada com ele —devia ter o tamanho de uma estação
espacial, e o pior: estava em queda livre em direção à Marte.
O desespero
bateu em todos. Pessoas gritaram, umas correram e outras simplesmente ficaram
paradas, estupefatas. Todo mundo entendeu que, quando aquilo atingisse o solo, haveria
uma grande onda de choque e nós provavelmente morreríamos no impacto.
— Não fique
aí, parado! — Zedequias passou gritando, segurou meu braço e deu um puxão. —
Vem, rápido!
Acordei do
meu transe e percebi a besteira que era ficar parado ali. Zedequias correu na
direção do Espaço-Porto, e eu atrás dele. A multidão se dividia entre os que
queriam entrar no Porto e os que queriam sair; alguns eram pisoteados, crianças
choravam aos berros em meio à confusão.
—
Zedequias, para onde a gente está indo? — Perguntei, em desespero.
— Cala a
boca e me segue, rápido!
Nadamos no
mar de gente e alcançamos as docas. Naquele momento, entendi. Zedequias nunca
fora flor que se cheirasse, — Meu Deus, ele ia roubar uma nave. Quando o vi
correndo em direção a uma dessas lanchas de passeio, hesitei ante o que estava para fazer. Senti
de novo o gerador gravitacional dar problema. Olhei na direção do cruzador intergaláctico
quando ele rompeu o limite da
troposfera. No meu instinto, segui Zedequias.
Ele
nocauteou um borgon que estava dentro da nave e o jogou no cais. Fingi que nem
vi e entrei na nave.
— Liga o
propulsor de estibordo que eu vou para bombordo! Rápido, vai! A gente deve ter
só alguns segundos!
Eu corri para o lado
direito do barco, ativei o desengate da nave e liguei os propulsores. Zedequias
estava no outro lado preparando os motores de curva, e eu desativei as travas de âncora na
cabine de
comando. Enquanto ele terminava de atarraxar os
zenilóguios, eu ligava os motores.
—
Zedequias, ela já está aquecida! Só me diz quando! — Gritei para ele, que, de
repente, apareceu na cabine:
— Vai, vai,
vai!
Manobrei a
nave e decolamos.
— Assim
não, Barajós! Sai daí, tu é lerdo demais!
Ele me
empurrou e tomou o manípulo de controle, descendo-o de uma só vez. Zarpamos
numa arrancada em diagonal tão rápido que eu caí. Zedequias gritava para a nave:
— Vai, vai,
vai! Força, danada!
Enfim, a
nave estabilizou. Reuni forças e alcancei a poltrona mais próxima, colocando o
cinto de segurança.
Pelos painéis,
pude ver a hora que o cruzador caiu. As favelas de Orenan foram as primeiras a
serem atingidas, na periferia da cidade. Vi a hora que a onda de choque
alcançou o prédio onde eu morava, fazendo ele desabar. Vi as bases do
Espaço-Porto sendo destruídas e a Ala Oeste desmoronando. Fogo se espalhava por
diversos lugares de Verílion, a capital
de Marte.
Zedequias
caiu de joelhos. Com as mãos no rosto, ele soluçava. Naquele momento, entendeu
que tinha perdido a esposa e as duas filhas.
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