Ele caminhava pelas ruas. O clima estava festivo. Vagava. Devagar caminhava pela extensão negra do asfalto, devagar. Olhava para as pessoas caminhando, vem e vai, mais e mais. A noite estava quente, ninguém olhava para ele. Até que o vento chegou.
Foi quando seu cheiro espalhou-se e alguns olharam para ele, finalmente. Porém os olhares o deixavam ainda mais aflito. Melhor teria sido deixado de lado mesmo. Esquecido. O vento novamente, passa pelos seus cabelos, ele gosta da sensação. Lembrou-se de Bianca.
Bianca.
Sim. Lembrou de sua casa.
Casa.
Palavras que há muito ele não recordava. Cada vez que as mencionava, sua mente sucumbia um pouco mais, perdendo a esperança, vagando devagar na sua própria esquizofrenia. Mas naquele momento, deixou que as lembranças o conduzissem.
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– Acorda, Eustáquio – disse a moça de olhos sorridentes – tá tarde, amor.
– Tá não, linda – ele disse com voz arrastada, mas feliz – Deixa eu dormir um só mais um pouquinho, bobinha.
– Eustáquio, tu vais chegar atrasado no trabalho de novo e... ai! Hahaha!
Ele a puxou para junto de si na cama, abraçou aquele corpo macio, friozinho. Era muito bom estar ali, não queria sair nunca mais. Ela ria, boba, linda. Não precisava de mais nada, era curioso, era simples, era perfeito. Passava a mão em seus cabelos.
Foi para o trabalho e ela pra faculdade; estudava Administração. Saiu do trabalho e foi pegá-la. Saudades. Conduzia seu carro pela avenida que levava ao seu bairro, várias pessoas voltando para suas casas também, dia cansativo, noite agradável, bem que podia sair pra comer. Foi tudo tão rápido.
Era um cruzamento. Na esquina tinha uma pizzaria. Um carro grande tapava a visão de Eustáquio. Ele estava na principal, o cara cruzou de uma vez. Não dava tempo. Ele estava dentro do limite de velocidade, mas não tinha o que fazer. Bianca estava de cinto, mas sentada de mau jeito, o impacto fez com que seu esterno fraturasse. Uma lasca entrou no coração.
A pior parte foi que ela ainda estava consciente. E suas lembranças vagavam em direções agora extremamente perigosas, porque foi ali que sua mente começou a ficar cada vez mais devagar. Foram para o hospital. A ambulância demorou pra chegar. O outro motorista era um jovem, não estava bêbado, só fora imprudente. Sabia que estava errado. Na hora não quis dar o braço a torcer, mas depois propôs um acordo. E cumpriu.
Eustáquio lembrou-se de estar com o dinheiro em mãos na concessionária pra comprar as peças. E começou a pensar do que adiantava. Bianca não estaria mais no carro com ele. Quando voltava pra casa, ela não estava lá. O batom deixado no banheiro. No espelho um bilhetinho, ela fazia isso pra se lembrar dos compromissos.
Como foi que sua vida mudou? Sua mente fizera questão de apagar os detalhes. Aliás, sua mente. Sim. Quanto mais ela vagava, mais ele deixava. Devagar ela o foi levando para longe. E longe era justamente onde ele queria estar. Era melhor fugir da própria mente.
E devagar ele foi deixando os amigos, foi deixando o trabalho de lado. Chegava atrasado, vivia de atestado. No psicólogo não conseguia falar nada. Foi afastado. Vendeu o carro. O dinheiro caiu na conta no mesmo dia. Não fazia diferença, deixou lá mesmo.
Um dia estava em casa. Era de noite. O vento devagar fazia sua mente vagar mais longe. Ele foi seguindo o vento. Aquela noite não estava quente. Caminhou, caminhou. Então era dia. Ele não sabia mais voltar, não queria mais voltar. Tinha dinheiro no bolso. Foi pra rodoviária e pegou um ônibus pra Curitiba. Vagando, vagando.
E devagar ele deixou sua mente vagar cada vez mais longe.
Conto selecionado para o blog literário Enchendo Estantes, em 2017.
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