A rua estava lotada. Era gente demais. Mas também pudera, né? Oito horas da manhã, todo mundo querendo chegar no trabalho e todos atrasados. Ponto de ônibus lotado. Ele olhou para aquela situação com uma coragem danada... Mas era o jeito, segunda-feira é o dia.
Depois de meia hora em pé na fila, após o menino ter espirrado no seu sapato mocassim, a mulher atrás dele ter tossido umas três vezes no seu cangote e ainda o jovem com aquela música de celular nas alturas, conseguiu finalmente entrar no ônibus. Não conseguiu lugar pra sentar, é claro, mas eis que seu telefone toca. “Ai, ai. Não consigo uma folga.”, pensou.
Olhou para a tela: “Número desconhecido”. Ficou intrigado. Resolveu que não atenderia, não gostava dessas coisas. O ônibus estava tranquilo no engarrafamento, não movera quase nada. O calor humano começava a aumentar, sua camisa de mangas compridas não auxiliava em nada sua refrigeração corporal.
O celular tocou de novo. “Número desconhecido”. Não atendeu, não estava tão seguro de atender o celular bem no meio daquela multidão, mesmo por questões de segurança. Mas agora o danado do celular não dava descanso. O jeito foi atender:
– Alô?
– Aristovaldo? É você?
– O quê? Como você sabe meu nome?
– Ari, seu bobo, aqui é a Joélia!
Ari pensou, num milésimo de segundo: “Quem?”
– Ah... sim... – disfarçou Ari – Como você conseguiu meu número?
– Ué, a Fê me passou depois da balada, lembra? Mas deixa eu te perguntar, vamos sair de novo, né?
O ônibus começou a se mexer, Aristovaldo precisou se segurar rapidamente, enquanto raciocinava furiosamente para tentar entender o que estava acontecendo, respondeu por reflexo:
– Claro, vamos sim, é que agora não dá pra conversar, mais tarde te ligo.
– Tá bom! Té mais.
– Até.
Desligou o celular. Olhou para o relógio. Nove e uns quebrados. Quem liga pra outra pessoa antes das onze? E ainda mais pra falar de sair? Aristovaldo não teve dúvida: a mulher era louca e ele tinha era que dar um jeito de não sair com ela. Com alguns rápidos deslizes do indicador, bloqueou o número dela no celular. Por mais que tentasse, não conseguia lembrar em que balada conhecera a tal “Joélia”.
O ônibus parou, ele desceu. Mal começou a andar e um carro passou sobre uma poça de lama próxima, respingando água na sua calça social preta. Segunda-feira era o dia. Era um carro escuro, vidro fumê, freou rapidamente, alguns metros à frente de onde estava Aristovaldo.
Este andou um pouco mais, quando passava ao lado do carro, uma porta se abriu, era um Fusion, de lá dois braços musculosos agarraram o homem e puxaram-no para dentro do carro, rapidamente o encapuzaram e amordaçaram. Pronto. Segunda-feira era o dia.
Sentiu o carro sacolejar durante um bom tempo. Ele sem o celular não tinha a menor ideia de tempo, se bobear não saberia dizer nem que dia do mês era. Quando finalmente conseguiu enxergar de novo, estava numa cadeira de ferro, algemado por trás e com os pés firmemente amarrados à cadeira.
– Preste bem atenção – disse um homem vestido de terno, mãos enormes e olhos pequenos, bem à sua frente – Eu vou lhe perguntar só uma vez. O que você sabe sobre esta pessoa?
Na mesa à sua frente (só agora Aristovaldo reparou que havia uma mesa ali), o homem depositou uma foto que ele reconheceu ser a tal Joélia. A forte luz branca (a única iluminação do ambiente escuro) fazia reflexo na foto e no metal da mesa. Aristovaldo não conseguiu raciocinar direito. Babuciou nada e alguma coisa.
POW! O homem desceu a pesada mão fechada na mesa.
– TU ACHA QUE EU TOU BRINCANDO AQUI, MANO VELHO?
– De-de-desculpe! Eu só saí com ela numa balada e…
– Como é que é? Balada?
– Pois é, nem conheço essa Joélia direito!
– “Joélia?” Do que você tá falando? Tu num tem medo de morrer não é? Tá começando a me irritar de novo, camarada.
– Pela mor de Deus! Não faça nada comigo! Eu nem conheço ela direito, ela me ligou hoje de manhã, foi só isso.
O homem afastou-se da mesa para confabular com duas outras pessoas na penumbra. Uma mulher aproximou-se da mesa, tinha uma cara linda de morrer, só não combinava com a voz de homem que saía da boca:
– Olha, parceiro, qual é teu nome?
– A-a-ristovaldo.
– Hum… Tu trabalha com o quê?
– Sou técnico de TI, trabalho no centro.
– Pois é, rapaz, houve um engano aqui ó. – parou um instante para pensar e continuou – Vamo fazer o seguinte. A rapaziada vai te deixar lá nesse teu trabalho e tu vai ficar pianinho sobre isso aqui, tá ligado?
– Claro, claro!
Encapuzado mais uma vez, Aristovaldo sentiu o sacolejar do carro diminuir conforme ele parava. Tiraram o capuz, desceu do carro que logo partiu em disparada. Estava na porta do trabalho.
Subiu as escadas sem pressa, pensando no que falaria pro chefe pra justificar estar chegando tão atrasado. Bem podia culpar o trânsito, mas sabia que não ia dar muito certo; a justificativa podia ser boa como fosse, Seu Francisco não ligava, só queria saber de serviço feito. Segunda-feira é o dia.
– Eita, Aristovaldo, bonito hein?
– Olha, Seu Francisco, deixa eu explicar…
– Olha, nem vem, não quero saber. Conserte a impressora do financeiro, aproveita e já vê com a Fernanda quem é essa tal de Dalila que passou aqui perguntando por ti.
Aristovaldo caminha para a sala desconfiado. Fernanda o vê:
– Oi Ari! Mas que cara é essa?
– Hunf! Você nem imagina.
– Ah, deixa eu te apresentar. Essa aqui é a Dalila, gêmea da Joélia.
Uma das 5 menções honrosas no IV Concurso Literário Icoense (CLIC) Poeta José de Oliveira Neto (2017). O resultado ficou salvo aqui.
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