segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Corrida noturna

Corria todo dia na praça Ayrton Senna. Às 19h saía de casa, estacionava o carro ali perto do cinema, e dava uma boa corrida, desde a Praça das Águas até ao aeroporto. Nunca contou a quilometragem, sempre ficou de baixar o aplicativo no celular e sempre esquecia.

Mas aquela noite não foi igual às outras. Era época de chuva, havia chovido a tarde inteira e poucas pessoas estavam na rua a noite. Mas ele, religiosamente, seguia sua rotina para manter a forma. Já estava na altura do Ginásio “Totozão” quando ouviu um grito. O grito vinha de dentro do ginásio abandonado.

Pensou ser impressão sua. Diminuiu o passo. Ouviu de novo! Uma mulher! E agora? O que fazer? Pensou em ligar pra polícia, mas lembrou que certa vez ligara e eles informaram que só poderiam investigar se houvesse visto alguma coisa concreta: economia de gasolina. Olhou para os dois lados da rua, não vinha ninguém. Os poucos carros estacionados indicavam que ali estavam apenas os donos dos quiosques. E agora? Ouviu de novo o grito!

Não teve outra escolha: pulou as grades e correu para dentro do ginásio. O matagal escondia alguns buracos antigos. O pé já calejado de tanto correr nem sentiu a diferença do terreno quando conseguiu alcançar a entrada do ginásio. Lá dentro um silêncio. 

– Tem alguém aí? – ele falou alto, ouvindo apenas o seu eco em resposta.
De repente uma risada bem atrás dele e uma voz no seu ouvido que o fez arrepiar-se:
– Agora tem você.

Ele foi empurrado de supetão por duas mãos frias, desequilibrou-se e rolou arquibancada abaixo. 

Seu corpo nunca foi encontrado. Alguns dizem que na verdade ele fugiu naquela noite com uma mulher, outros dizem que ele foi sequestrado (ainda que nunca tenham exigido o resgate).

Agora outros, especialmente os corredores mais experientes, dizem que se você passar por ali nas noites frias de chuva, aquelas em que as nuvens escondem a lua cheia, é melhor apressar o passo quando chegar perto do ginásio, senão corre o risco de ainda ouvir a voz de um homem dizer:

– Socorro!


Conto premiado, 2º lugar na categoria "Conto", II Concurso Literário Internacional Palavradeiros. Consta na antologia do referido concurso, que pode ser encontrada aqui.

2 comentários:

Aldenor Pimentel disse...

Prêmio merecido. Sucesso sempre!

Gabriel Alencar disse...

Muito obrigado pelo apoio!

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