quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Um dia de chuva

Era mais um dia de chuva. Rosana olhava pela janela desanimada, a louça pra lavar, a casa pra arrumar. Ai, que vontade de não fazer nada. Ela senta de novo no sofá, olhando para a televisão desligada, com uma louca vontade de... sei lá...
A campainha toca.
– Oi Rosana!
– Mar-Mar-Marluce?!
– E então, menina! Quanto tempo né, vai dando licença.
Rosana olha atônita a outra entrar na sua casa limpinha (mentira, que ela nem tinha limpado), toda molhada, jogando o casaco em cima do sofá e se fazendo sentir em casa.
– Mas, Marluce, como é que você veio parar aqui?
– Ué, mulher, porque essa surpresa toda?
– Você não estava no Marrocos?
– E daí?
– Como assim “e daí”, Marluce! E os meninos, cadê?
– Deixei no Marrocos.
– Tu tá louca? Tu te separou do Carlitos?
– Eu mesma não, tu não sabe que o velho tem grana? Ele ficou no Marrocos com os meninos. – Rosana, sem reação, olhos ligeiramente arregalados, contemplava aquela gorda mulher espalhafatosa que já havia sujado até seu tapete da sala. Marluce continua:
– Olha, Rosana, é o seguinte. – Ela pausa e bebe um pouco da água que Rosana tinha trazido para si e deixado na mesinha de centro – Vamos falar sério, teu aluguel já tá muito atrasado, e eu tenho levado isso de boa, mas o Carlitos já tá por aqui, sabe? Pois é, né, vamos ter que dar um jeito.
– Eita, Marluce, vamos dar um jeito sim, não queres mais água?
– Não, tá bom.
– Mas, Marluce, olha, eu tenho aqui o desse mês, a gente deu uma economizada e...
– E compraram um carro novo, né? Tô vendo.
– Não, não! Esse aí o Rosinaldo ganhou da empresa e...
– E aí vocês gastaram o dinheiro reformando essa cozinha, né? Tô só vendo o armário.
– Ai, é que esse foi uma herança da tia Vera, nem sabes, partiu faz uns três meses.
– Hum.
– Mas, Marluce, tu não queres um cafézinho, um pão? Nem preparei nada, mas faço rapidinho.
– Nesse caso, me faz aí um misto quente, com mais queijo do que presunto.
– Opa! Só um momentinho.
A chuva aumenta la fora. Um carro para na varanda coberta, estacionando ao lado da Saveiro que já estava lá. A porta se abre.
– Rosinaldo! Como é que tá, homi?
– Mar-Mar-Marluce?!
– A própria, meu querido.
– Uai, mais você não tava no Marrocos?
Marluce responde apenas com um sorriso enigmático. Rosinaldo:
– Olha, sobre o aluguel, já vou te adiantar que as coisas tão melhorando e...
– Rosinaldo, não tem nada a ver com isso.
– Uai, mas...
– Rosinaldo, é sobre nós dois.
– Para com isso, Marluce! – ele olha para os lados desconfiado.
– Paro nada, presta atenção. Tu vais embora comigo. Tô grávida.
– Não faz essas palhaçadas comigo, Marluce! Fala a verdade.
– Rosinaldo, é o seguinte. A gente vai ter que ir embora, e eu tenho que ficar perto do Carlitos, pra ele não desconfiar e achar que é dele.
– Marluce, tá aqui teu misto, olha só, quentinho. Oi, amor!
Beijos. Abraços. Sorrisos.
– Oi querida! Então, Rosana, vou ter que dar uma saída.
– É?
– Pois é, a Marluce tá precisando de ajuda pra resolver umas coisas no banco.
– Ah, sim, sim! Sem problemas, pode ir lá com ela.
– Pois é, amiga, vou emprestar ele um pouco, tá bom?
– Pode ficar tranquila, Marluce!
– Então tá bom, estamos indo. Até logo, minha flor. Vamos, Rosinaldo?
– Vamos. Tchau, querida. Vou ali e já volto.
– Tudo bem, onde é mesmo o banco que vocês vão?
– No Marrocos.


Conto premiado em 3º lugar no I Concurso Palavradeiros (Concurso Literário Aldenor Pimentel - 2016)
Originalmente publicado na coletânea "Palavradeiros".


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