terça-feira, 30 de julho de 2019

Resenha - Writing fiction (III): Description, narrative passages, scenes, and dialogue

CASSILL, R.V. Writing fiction. 2nd edition. New York: Prentice Hall Press, 1986.


A vida acadêmica me preparou para muita coisa. No começo da vida de artista (especialmente nas composições musicais e agora com os textos) o medo do julgamento sempre foi constante. Mas, como falei, a vida acadêmica ajudou demais: depois de um mestrado, você se acostuma a ter seu texto criticado e constantemente posto em dúvida.

Porém esta é uma etapa essencial do amadurecimento: você entende que as críticas vêm para melhorar o que você está fazendo. O ataque não é à pessoa, mas ao conteúdo produzido. Isso se torna tão comum e natural que, quando entregamos um texto para alguém e a pessoa não tem crítica nenhuma, logo desconfiamos: ou ela não leu ou não leu com o devido afinco.

Isso não tem nada a ver com a resenha (risos), mas foi algo que Cassill trouxe à tona e eu achei interessante registrar. A resenha mesmo é sobre o que ele chama de partes "mecânicas" do processo da escrita: a descrição, narração, cenas e diálogos. Vamos falar individualmente de cada um.


PARTE 3: AS MECÂNICAS DA FICÇÃO


A DESCRIÇÃO contemporânea não é igual àquela do século XIX onde se fazia um relato fotográfico de absolutamente tudo que estava na cena. Em vez disso, a descrição atual utiliza elementos externos para criar a ambientação necessária, que não a descrição direta de cada objeto ou item da cena. Cassill classifica-a em três tipos: concreta, figurativa ou abstrata.

A concreta, como o nome diz, é a mais direta, onde se abordam os itens. Ela tem a vantagem de ser a mais segura e estável de todas, porém, traz o risco de deixar o texto monótono e rígido. A abstrata, em contraponto, é a mais perigosa, porque: "[...] they may pass judgments on characters without allowing the reader to make up his own mind on the basis of evidence. This is called 'author intrusion' and can very gravely weaken the sense of reality in fiction." (p. 21)

A descrição, via de regra, utiliza os sentidos (tato, olfato, paladar, visão e audição) para criar no leitor a ilusão da realidade. Ela também serve para mostrar o estado emocional dos personagens: se no começo tudo parecia "vivo e colorido", em determinado momento um bom escritor utiliza o cenário "cinza e frio" para espelhar o estado de espírito do personagem. Claro que isso é um clichê: é aí que entra a habilidade do escritor em fazer isto sem ser notado.

Uma técnica que pode facilitar muito é usar um personagem para descrever outro, numa descrição indireta. Com isso, o escritor ganha um pouco mais de liberdade, sem se intrometer tanto no texto. Além disso, quando um personagem fala de alguém, isso revela um pouco dele mesmo. Ou seja, você descreve dois personagens de uma vez, matando dois coelhos numa cajadada só. Some-se a isso: a descrição indireta cria expectativa sobre o outro personagem, e você pode usar isso a seu favor.

Para manter uma textura consistente por toda a ficção, o escritor deve se atentar para as TRANSIÇÕES. A técnica clássica de transição é descrever um objeto e logo em seguida fazer alguém interagir com ele (você descreve uma maçã e logo depois alguém a come, e este alguém se torna o centro de interesse da cena). As transições podem ser de lugar pra lugar, de um tempo para outro, entre um objeto visível e uma metáfora, e por aí vai. Algumas transições na literatura foram emprestadas do Cinema e outras da Poesia. Mas tudo é válido se for bem construído.

A NARRAÇÃO, que é considerada por Stephen King um dos três pilares da escrita, "[...] are those parts of fiction which condense action into its largest movements." (p. 24). Há uma infinidade de possibilidades nesta categoria. Por isso, o bom escritor deve estar atento em suas leituras para identificar as diferentes manifestações da narração.

No caso de contos, "Since economy is nearly always an issue in the short story, we can see why the compression of time and action into narrative passages may often be useful." (p. 25). Mas, via de regra, isto não se aplica só ao conto, é apenas um pouco mais restrito neste caso. O que é interessante, muitas vezes, é utilizar esse recurso para uma abordagem macro até chegar no ponto onde o escritor pode focar na abordagem micro.

Essa "abordagem micro" a que me refiro, nada mais é do que as CENAS. Nelas, o escritor tenta ao máximo trazer um senso de realidade ao mesmo tempo que procura economizar nas palavras, num constante malabarismo entre esses extremos.

Cassill diz que iniciar a história com uma cena tem suas vantagens e desvantagens: por um lado, imediatamente captura a atenção do leitor para algo dinâmico e específico, num encontro direto com os personagens; por outro lado, o leitor não estará familiarizado com o texto para captar nuances da cena e pode ficar perdido. Do meu ponto de vista, as vantagens superam, até porque:

"Every reader knows a story can't be blurted out as instantaneous revelation. If you have roused his interest by a dramatic opening, he is usually content to read on and see what the encounter meant." (p. 27)

No caso de cenas, tem-se que falar do recurso "flashback": "[...] while the flashback represents a movement backward in time, it actually advances our knowledge of the characters introduced in the preceding scene." (p. 27). Eu já vi gente falando desse recurso e o condenando com veemência -- deduzo que seja porque ele tenha se tornado um clichê.

Mas Cassill dá uma dica que achei válida: se você usar o flashback, crie algum suspense antes. A ideia é: por que o leitor precisa saber desse flashback pra continuar? Aliás, o leitor quer saber disso? Ou seja, antes de fazer o flashback, o escritor deve construir o texto para que se faça questão de ver esses fatos passados e isso contribua para a história no presente.

Ainda sobre cenas, há o que Cassill chama de cenas obrigatórias, ou seja, cenas que são absolutamente essenciais e não se pode abrir mão delas. O exemplo que ele dá são os clássicos do faroeste onde alguém diz: "Esta cidade não é grande o suficiente para nós dois" e isto acarreta, necessariamente, uma cena de duelo em algum momento da história. Via de regra, estas cenas estão no final da história, mas não é absoluto.

Voltando à ideia de ler como escritor (e até na hora que você estiver escrevendo mesmo), Cassill ressalta que não é má ideia comparar a quantidade de cenas, tamanhos e suas relações com as transições. Não há uma forma ou mecânica ideal, mas estas noções devem ser pesadas.

O autor traz uma caracterização que eu ainda não tinha ouvido falar. Cassill explica que as MEIAS CENAS ("Half Scenes" -- desculpa a tradução, foi o melhor que consegui) são aquelas cenas que não têm intuito de carregar algo, mas servem como um alívio depois de uma narração longa ou são utilizadas como meio para reforçar algo que a narração já trazia:

"It is a momentary shift from a distant view of the subject to a close-up, not designed to present a dramatic resolution but to borrow some of the qualities of the scene for a sample -- as if to show what the narrative is really talking about." (p. 29)

Estas cenas dificilmente levarão a história pra frente, mas elas têm uma função muito útil e prática para trazer insights sobre os personagens ou mesmo a situação em que eles se encontram. Servem em muitos casos para explicar o contexto sem precisar recorrer à narrativa, o que deixa bem mais intuitivo e natural para o leitor.

Por fim, o DIÁLOGO, ainda que seja parte essencial das cenas e meias cenas, é um elemento tão importante e essencial que merece um estudo à parte. O diálogo é, talvez, o elemento que mais traz "concretude" ao texto, porque nele o leitor "ouve" as personagens falando e assim consegue captar outras nuances além da palavra escrita.

Por outro lado: "Poor dialogue, on the other hand, gives away the writer's ineptitude more quickly and more devastantingly than any other fumbled passages of his story." (p. 31). Isto acontece por causa da capacidade do diálogo em revelar a personalidade de quem está falando. Logo, a grande regra do diálogo é que ele seja o mais natural e verossímil possível em relação a quem está falando.

A dica que Cassill dá não difere em nada do que ele já deu antes: você pode até aprender mais sobre diálogo lendo algumas passagens que tratam dele, mas é ouvindo que você vai captar melhor a naturalidade da fala e transmitir isso no texto escrito. Isto pode ser mais fácil do que parece e aí tem outra dica: ouça você mesmo. Você não soa da mesma forma quando está com sono ou quando está num show. Essas nuances devem aparecer nos diálogos.

Cassill alerta que, quando você estiver escrevendo sotaques ou dialetos, não tente traduzir isso na palavra escrita: é mais fácil demonstrar as características do personagem por meio da fala do que do registro escrito do sotaque. Se for usar, ele alerta, faça com parcimônia pra não exagerar, porque irrita o leitor ter que "traduzir" o que está lendo pra poder entender.

Uma dica que achei fantástica sobre diálogos é usar respostas indiretas. Por exemplo, duas amigas conversam:
-- Esse seu vestido não está frouxo?
-- Na verdade eu queria era uma saia que combinasse com a blusa.
A resposta da segunda personagem poderia ser direta: "Sim", "Não", "Talvez". Mas, na vida real, dificilmente duas mentes estão tão em sincronia que conversem de maneira tão direta. Nossas conversas, não raro, são dois monólogos distintos com pontos tangenciais em comum. Quando isto é retratado na ficção, reforça a ilusão da realidade:

"Indirect response reveals the mental gulf between speakers when each is busier with his own thoughts than with the superficial subject of the conversation." (p. 33)

Claro que há cenas onde o diálogo direto é o apropriado (em situações de ação ou tensão, principalmente). Cassill está só reforçando a utilidade das respostas indiretas. Além disso, uma oscilação entre respostas diretas e indiretas pode ajudar a estender uma percepção que varia entre superficial e profunda de maneira mais natural.


A resenha foi longa? Foi. Mas, por outro lado, teve muita coisa interessante? Teve. Eu vou continuar resenhando capítulo por capítulo? Vou. Vou porque este material é rico demais. Algo semelhante a isso só vi em "Sobre a Escrita" de Stephen King. Aliás, serve até como paralelo interessante porque estamos vendo um livro da década de 1970 (a segunda edição que é dos 1980s) cujos ensinos são úteis e completamente atuais, ao ponto de praticamente 50 anos depois ainda serem válidos.

Eu vou é ler com calma mesmo e tentar aprender o máximo que conseguir. Esse fichamento deixará registrado lições que podem me ser úteis no futuro. Essas ferramentas são valiosas demais pra deixar passar assim. Quem sabe, fazendo bom uso delas, eu realmente não me torne um Escritor ao Acaso.

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