segunda-feira, 29 de julho de 2019

Resenha - Writing fiction (I): Reading as a Writer

CASSILL, R.V. Writing fiction. 2nd edition. New York: Prentice Hall Press, 1986.


Continuando minha caminhada pelo estudo da arte de escrever, me deparei com este livro que comprei nos EUA por um valor bem módico. Ele consiste em ensinos muito diretos de Cassill combinado com exemplos práticos. Para isto, ele opta por incluir no corpo do livro 6 contos de diferentes autores. 

Isto, a princípio, me deixou com um pé atrás, porque estas histórias correspondem a 40,22% do livro. Olhei isso e pensei: "Poxa, quase metade do livro são só histórias? Será que esse cara tem mesmo tanto a ensinar?". Mas comecei a leitura. Antes de partir pro conteúdo, o autor sugere que primeiro a gente leia por diversão as histórias que vai analisar depois. Fiz isso e valeu muito a pena, mesmo que não tenha gostado muito de todos os contos.

No caso desta resenha, assim como no anterior, não teve como: virou mais fichamento do que resenha. E não me arrependo. A leitura é tão boa e tão rica, que só no primeiro capítulo já tinha tanta coisa boa de se registrar que rendeu essa resenha toda. Quando o texto é bom assim, vale mais a pena resenhar com calma do que ler tudo de uma vez. Tem muita citação aí pela frente. Coisa boa.


PARTE 1: LER COMO UM ESCRITOR

A essência da ficção é trazer uma premissa inicial que gere questionamentos. E depois responder esses questionamentos. "João ouviu Maria falar algo que o deixou perplexo". Quem é João? Quem é Maria? O que ela falou? Por que João ficou perplexo? Pronto, este é o começo. 

Cassill ensina que a leitura ainda é o melhor caminho para aprender, porque é mais fácil aprender por exemplos do que por definições abstratas. Isto é algo que eu li também em Stephen King ("Sobre a escrita") e uma tônica que é repetida por diversas autoridades no mundo da literatura. Afinal, esta é uma máxima incontestável: a leitura é o combustível criativo e técnico do escritor.

No final das contas, escrever ficção é sobre contar a verdade, como ensinou King. Não importa sobre o que é, basta que o leitor acredite no que está lendo. E eis a dica para o escritor: quando estiver lendo ficção, busque conhecer quais são os elementos que o autor usa para criar essa "verdade" tão real que você sequer consegue escapar enquanto lê. Cassill chama isso de "concreteness" ou "concretude" (numa tradução livre).
"Good writers are your real teachers of how to write fiction, and their novels and stories are the means by which they teach." (p. 5)
A leitura do escritor, portanto, não pode ser a mesma do leitor: "[...] the writer wants to note, beyond anything that concerns even the critic, is how the story, its language, and all its parts have been joined together." (6). Ou seja, o escritor busca entender todo o aparato que monta a própria estrutura do texto.

Cassill ressalta algo muito interessante. Não é só porque o autor escreveu daquela maneira que o texto não possa ser escrito de outra forma. Entender como e o porquê da escolha do autor é que importa. A forma não é algo automático do texto, mas uma escolha que o autor faz, dentre tantas outras possíveis.

Em alguns casos, como no exemplo do conto de Chekhov citado no livro, não é fácil entender porque o autor escolheu certas formas. Mas, pela mera suposição, mesmo que não saibamos com certeza, podemos entender um princípio importante: "[...] no choice of character, action, language, names, or anything else is an isolated one." (p. 8) É o que Cassill chama de "unidade da ficção", ou seja, tudo que for escrito, deve necessariamente considerar o que já foi escrito.

Sobre personagens: não se conhece um personagem na primeira vez. Ele é revelado ao leitor conforme vemos suas reações ou comportamentos a diferentes situações ou circunstâncias. O escritor, então, deve considerar: Como a história amplifica e estende as primeiras impressões do personagem? Houve oportunidades suficientes para revelar o personagem? Estas oportunidades foram adequadas, ou haveria outras que se encaixariam melhor?

No desenrolar de qualquer história, o autor não escreve absolutamente cada segundo ou detalhe de tudo. Isso traz algumas perguntas: Por que o autor escolheu omitir alguns diálogos ou cenas? Como ele cobriu esses intervalos entre cenas? Um bom escritor faz o leitor imaginar algo consistente com o que foi construído. Além disso, ele omite aquilo que não é relevante e o que não é necessário para criar a ilusão da história.

Neste ponto, o autor cita algo que eu achei bem importante. Mas preciso fazer um adendo antes.

Na vida (e aqui parece o começo de uma crônica), não raro, quando nos propomos a fazer alguma coisa, estabelecemos metas tão altas, tão ideais, que esquecemos da nossa realidade e, em vez de garantir pelo menos o básico, nos frustramos quando não atingimos aquilo que esperávamos. Isto se dá quando fazemos dieta, por exemplo, e percebemos que não chegamos onde queríamos (considerando, até!, que tenhamos feito tudo certinho).

Cassill traz uma lição importante neste ponto (e aqui retomo): ler um Ulysses de Joyce seria um tipo de leitura que renderia uns bons meses ou anos de estudo para um escritor interessado em compreender os mecanismos e estruturas do livro. Porém, ele ressalta, é preferível que o escritor gaste alguns dias se debruçando corriqueiramente sobre o texto do que nunca pegar o livro pra ler.
"Read poetry. Nowhere are there such possibilities of language on display as there are in poetry. Not all these possibilities are suitable for fiction, but the fiction writer ought, by all means, to know that they exist." (p. 9)
Um bom artista, sempre será eclético. Mesmo que o compositor de música erudita odeie o sertanejo, ele conhecerá e compreenderá as estruturas que fazem este ritmo ser tão pobre em algum aspecto ou outro. Eu sempre pensei isso na Música, não vejo porque será diferente na Literatura. 

Além da poesia, Cassill sugere que o escritor leia teatro também. E, uma coisa que King mencionou: o escritor aprende muito lendo coisa boa, mas aprende mais ainda lendo coisa ruim -- isto é, quando consegue identificar o que não é bom. E não entenda "bom" como juízo de valor, mas como aquilo que soma quando é lido.


Gente, olha só: esse horror de conteúdo foi só o primeiro capítulo! Que livro rico! Não só traz muito conhecimento, como é bem escrito e, o principal, realmente se preocupa em ensinar e não apenas criar mais uma lista ou checklist de dicas para escritores. Um livro que leva a pensar, isso sim é algo bom. Voltarei com mais capítulos em breve! Acompanhem!

0 comentários:

Postar um comentário