quarta-feira, 17 de julho de 2019

Resenha – Steampunk: Extraordinary Tales of Victorian Futurism

ASHLEY, Mike (ed.). Steampunk: Extraordinary Tales of Victorian Futurism. New York: Fall River Press, 2012.


Vou me arriscar e tentar explicar o que é "Steampunk", embora tenha certeza que você encontra definições por aí. A meu ver, trata-se de uma variação de ficção científica, mas com uma base sociocultural da Europa do fim do século XIX. Ou seja, um futuro onde a primeira fase da Revolução Industrial ainda se faz presente. Uma mistura única de engenhocas mecânicas (muitas delas movidas a vapor ou carvão, gerando eletricidade), forças magnéticas ocultas e reações químicas. Tudo isso num contexto vitoriano, com telégrafos, autômatos, carros voadores e aquele chazinho inglês de fim de tarde.

O livro é uma antologia de contos steampunk. Mike Ashley, que já é um editor de ficção científica com uma boa bagagem nas costas, se propõe a reunir autores com essa temática. Pra alcançar esse feito, numa empreitada mais enciclopédica do que literária, Ashley pega autores da época, ou seja, aqueles que são realmente do fim do século XIX e que escreveram a ficção científica do seu tempo num estilo que hoje chamamos de steampunk.


O começo do livro engana, porque o conto até que é bem escrito e interessante. Mas infelizmente esta é uma exceção do livro. De modo bem geral, a escrita dos contos é entediante e mal feita. Olha o caso do conto do autômato enxadrista: já li outro livro sobre este fato (que é deveras bem interessante). Mas no caso do conto no livro, a narrativa me decepcionou. Muito, mas muito mal escrito. Frustração do começo ao fim. Interessante como, depois de ler algumas coisas com olhos de escritor, a gente começa a identificar essas coisas com certa naturalidade.

E a coisa se repete. Acho que o editor, no desejo de reunir contos "verdadeiramente" steampunks, (ou, pelo menos, de autores que estavam mais próximos das ideias do gênero em si) findou por juntá-los sem um crivo de total excelência. Não é que os contos sejam escritos com erros ou falhas grosseiras, é só que fica evidente que não são o melhor que se pode oferecer -- ou será que é?

Por outro lado (não que se justifique) é interessante notar que muitos dos contos, que são necessariamente ficção científica aos nossos olhos, eram tidos como verossímeis na época em que foram publicados. Tal é o caso, por exemplo, da ideia de que a Terra era oca e havia entradas para o centro dela nos Polos. Entendam: está-se falando de uma época em que nenhum explorador sequer havia ainda chegado nesses extremos! (Polo Norte foi visitado pela primeira vez em 1909 e o Sul em 1911).

Tanto é o caso, que alguns autores não têm pena de utilizar linguagem pseudocientífica pra fortalecer seus argumentos. É tudo ficção, evidente, mas aponta para uma marca da época. Quem não lembra de Júlio Verne, cuja explicação de alguns fenômenos, várias vezes, fazia até um bocado de sentido? Falando assim, me pergunto se eu não olhei o livro com olhos contemporâneos demais. (Mas, nesse caso, com que olhos eu o veria?!)
"What the world can sell, Miss Haffkin -- or, in other words, what money can buy -- has very little value beyond the necessaries of life. It is what money cannot buy, what the world has not got to sell, that is really precious." (p. 86, ênfases minhas, conto "From Pole to Pole" de George Griffith)
Naturalmente, a ver a época em que foram escritos, os contos trazem fortes traços românticos em vários momentos. O romantismo ainda é muito forte e evidente, pelo menos na maioria dos contos, embora alguns sejam permeados ainda pelo gótico que a gente viu lá em Shelley (autora de Frankenstein). E, falando nela, no conto da "vivificação" senti a mesma agonia ao ler Frankenstein quando o autor passa por cima do processo de ressuscitação e segue a história (kkkkk), acho que sou muito curioso.

É sempre bem interessante ver o presente com os olhos do passado, enquanto o "agora" ainda era "futuro" (frase bonita, né?). Digo isto porque revela como era diferente a percepção de visionários de dois séculos passados; some-se a isso a impossibilidade de sequer imaginar o mundo tal como ele é hoje (a era das comunicações). De todos os autores do livro, foram George Parsons Lathrop ("In the Deep of Time") e Frank Packard ("An Interplanetary Rupture") quem melhor chutaram na direção certa (embora o primeiro seja exageradamente utópico).
"No machinery, however ingenious, and no amount of invention, however marvelous, will ever take the place of willpower and character." (p. 137, "In the Deep of Time")
Algo peculiar: o conto mais interessante do livro, "The Brotherhood of the Seven Kings", não tem nadinha de steampunk. Me pergunto até o que ele está fazendo no livro. Acho que foi incluso porque é uma história que se passa na Inglaterra vitoriana e tem o uso de uma tecnologia como parte da trama, algo que, pelo menos do meu ponto de vista, não justifica a caracterização de "steampunk". Aliás, não fosse a pequena introdução antes do conto, nem saberíamos do que se trata o título. Ocorre que esta história foi tirada de uma série de aventuras com este título, mas o conto em si não tem nada a ver com "brotherhood", tampouco "seven kings".

E já que estamos falando de favoritos, acho que o mais criativo do livro foi "Plague of Lights" de Owen Oliver, uma praga de "luzes" vindas do céu que infecta pessoas e as leva à loucura. Muito boa abordagem e utilização da narrativa pra criar a atmosfera, embora ainda haja aquele romantismo pegajoso permeando a história e deixando meio entediante. 

Por outro lado, o mais bem escrito, com certeza, foi "What the Rats Brought" de Ernest Favenc, que traz a essência de um bom conto: expressar o máximo, utilizando o mínimo. O conto "The Last Days of Earth" de George Wallis quase alcança a primeira posição também; este último, aliás, parece ter sido um dos preferidos do editor, pelo comentário que ele fez.


Agora, se o livro talvez peca na escolha dos autores para compor a antologia, ele se supera em diagramação. Olha, vou te contar, faz um bom tempo que eu não vejo livro tão bem preenchido. As imagens combinam perfeitamente com o estilo do livro, as bordas bem trabalhadas, o texto (à exceção de um ou outro parágrafo) muito bem distribuído.

Sabe o ditado: "Não julgue um livro pela capa"?, pois é. No meu caso, eu não segui ele nadinha (risos), preciso admitir. Eu vi essa capa bonitona e bem trabalhada , folheei as páginas de gramatura espessa, senti o toque do relevo das palavras tanto na capa quanto na contracapa, e, ainda por cima, bati o olho no preço: 5 dólares. Ah! Aí não teve como resistir.


E, afinal, o que se conclui de tudo isso? É uma leitura recomendada ou não? Olha, a resposta é aquela clássica evasiva: depende. Mas, falando sério, depende mesmo. Sabe, é que depende do que você está procurando numa leitura. Perceba que o editor já tem um histórico de reunir contos de determinados estilos e publicar antologias, muitas vezes para fins de registro mesmo, numa tentativa de agrupar de maneira mais ordenada alguns assuntos.

Mas aí, pra mim, isso não vale. Porque eu não tenho necessariamente interesse em saber como os escritores do século XIX escreviam. Sinceramente, como leitor, eu só quero ler coisas boas. Simples assim. E, sinto dizer, muitas dessas histórias não são boas. Algumas ideias realmente eram, mas o jeito de contar é muito, mas muito entediante. Continuando com o sincericídio (copiei essa palavra do prof. Devair), eu dei foi graças a Deus quando terminei de ler o livro.

Só que aí a gente vai pro outro lado: de repente você realmente quer ler literatura do fim do século XIX; de repente você até gosta daquele romantismo pegajoso, com a donzela em perigo, os arroubos de amor perdidos na eternidade, feitos heroicos espontâneos e por aí vai; de repente você é até um pesquisador da cultura steampunk e quer conhecer as origens! Olha aí, seria um prato cheio.

Mas, para mim, steampunk tem que ser mais do que só mexer com geringonças mecânicas, dínamos, dirigíveis, autômatos, seres criados ou modificados pela ciência, etc. Steampunk tem a ver com o constante equilíbrio entre uma crença e descrença no futuro, seja ele movido à energia elétrica, atômica ou outra que nem conheçamos. Tem a ver com aqueles dilemas que permeiam a própria condição humana, que, em determinado ponto, torna-se para sempre vinculada à tecnologia que o próprio ser humano produziu. Ou seja, tem que ser boa ficção científica.

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