terça-feira, 9 de julho de 2019

Resenha - 2001: A Space Odissey

CLARKE, Arthur C. 2001: A Space Odyssey. London: Orbit, 1998.


Dando continuidade a alguns clássicos da Ficção Científica, foi a vez dessa belezura aqui. Uma coisa que me chamou a atenção pra começar: uma pequena Googlada mostrou que o filme e o livro não são a mesma coisa. Fato interessante, porque dessa vez o livro veio depois do filme (embora tenha sido escrito concomitantemente). Clarke ajudou a escrever o roteiro do filme que se tornou um clássico e depois publicou a obra com adaptações que ele achava melhores.

E vamos começar logo falando do autor. Esse cara era realmente um visionário. Imagine nos anos 60 falar sobre uma tela onde se poderia ler qualquer jornal do mundo em questão de segundos. Impossível! Coisa de ficção científica! Viajar até a lua? Estabelecer uma base em pleno espaço? Que cara louco! Coisa de ficção científica. Um computador capaz de operar sozinho diversas funções? Pff. Só em filme mesmo. 

Como persona de escritor, o autor também é interessante. Por exemplo, ele cita outros colegas da época e dá a devida honra a seus trabalhos. Embora aqui eu fale especificamente da pequena menção que ele faz H. G. Wells, achei válido destacar, porque não é algo que se vê sempre. Além disso, a lista de compositores clássicos citados parecer ser uma jornada mais do autor do que do personagem.

Passando ao enredo, fiquei muito satisfeito em ver uma leitura muito clara e real de uma situação política no futuro. Nada de Estado Único ou distopias. Ainda há governos, presidentes, e a ONU com maior relevância no cenário internacional (essa ainda é uma possibilidade). Isso é bom pra manter um certo realismo da obra em relação à geopolítica global.

Clarke é bem mais detalhista do que os outros dois autores de ficção científica que li. Talvez por conta dessa comparação, em alguns momentos, o texto pareceu muito infodump. É legal ambientar a história e o universo dela (especialmente quando se fala de bugigangas do futuro!), mas penso que quaisquer objetos ou processos deste novo mundo têm que influenciar diretamente na história; caso contrário, melhor fazer um atlas daquele mundo fictício e aí, se eu quiser conhecer, eu compro.

Por outro lado, embora tenha muito infodump, em alguns momentos a descrição é absolutamente fascinante. Naquela cena da reposição do AE-35, fica evidente o que Stephen King falou: nós, por algum motivo desconhecido, somos fascinados com o trabalho. Escreva uma história sobre viagem no espaço. Tá, ok. Agora escreva uma história sobre um encanador fazendo manutenção de uma nave espacial. Uau! Já ficou bem mais interessante. É um mistério: nós gostamos de ler, ouvir e assistir coisas sobre o trabalho.

O miserável do escritor é bom em cliffhangers: deixa pontas soltas nas últimas linhas de alguns capítulos e não tem a menor pressa em desenrolar isso. Como falei, é um mizerávi. Falando em escrita, a conexão entre as diferentes partes do livro é feita de um modo exímio, com naturalidade que só incentiva a continuar a leitura. Aliás, o último 1/4 do livro é tão eletrizante que a leitura passa num tapa. O sangue frio do autor, em chegar no clímax sem pressa, é de causar inveja. Constrói o enredo com cautela, pra deixar bem amarrado.

Pensando no que está no substrato do texto, percebo verdades cristãs no livro, especificamente, o problema do pecado, bem claro no personagem Hal. Ele, ainda que teoricamente incapaz de cometer erros, tem um erro inserido no seu código fonte. Isso necessariamente leva ao conflito interno e, depois, ao externo. Esse trecho é bem revelador: "He was only aware of the conflict that was slowly destroying his integrity -- the conflict between truth, and concealment of truth." (162).

E o Hal é com certeza um dos personagens mais interessantes. Sua participação tem grande relevância, mas ele nem tem tantas falas ou ações assim. O que me interessa mesmo são as reflexões que sua própria existência trazem e como, invariavelmente, elas refletem a natureza humana. No fundo, penso que o autor aponta a curiosidade como o maior instinto humano (pensando ali no final com Bowman).

E, ao que parece, isso interessa também ao autor, uma vez que ele gasta alguns bons parágrafos questionando naturezas, modos de existência (tanto biológica quanto sociologicamente) e não tem medo de entrar na Física para abordar algumas perguntas que tem quebrado a cabeça de cientistas por mais de um século já.

Novamente, tem muita coisa no livro que já faz tanto parte do nosso imaginário, que tomamos por óbvio. Mas, se pensarmos numa imaginação capaz de criar tudo isso, ficamos absolutamente assombrados! O que talvez mais assuste é ver como várias das intuições de Arthur C. Clarke se provaram corretas e como a tecnologia tem se desenvolvido e refletido algumas de suas predições.

Por fim, acho que aquele final -- e a óbvia relação com o começo -- funcionam apenas pelo bem da narrativa. Mas, penso eu, seria bem pouco verossímil. Não tenho certeza de que a mente humana aguentaria algo daquela magnitude e funcionaria tão bem logo após o impacto. Mas aí também já é um preciosismo grande demais, né? Se fosse pra questionar desse modo, eu não leria ficção científica.

Ao final, meu parecer é que a leitura engana. Começa devagar, sem grandes novidades, quase chato. Vai ganhando velocidade bem devagar, sem pressa. Mas, a certa altura do campeonato, o leitor já está engatado numa descida em alta velocidade e fica sem escolha: não tem mais como voltar, agora ele precisa terminar de ler o livro. Se isto não é uma boa leitura, então eu não sei o que é.

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