Resolvi que já estava na hora de revisitar livros sobre o processo da escrita. Não é porque sou um escritor ao acaso que não devo, de vez em quando, tentar dar uma aperfeiçoada no que faço. Tanto é que já resenhei outros livros que falam sobre escrever. Este aqui, porém, pareceu-me mais um livro acadêmico do que... sei lá... é praticamente um livro acadêmico mesmo. Justamente por conta disso, a resenha também vai ser bem acadêmica. Na verdade, entenda essa resenha como um fichamento.
#INTRODUÇÃO
Nesta primeira parte, o autor tem uma pegada bem filosófica/teórica, mas que é bem eficaz em traduzir os princípios que ele quer trazer pro livro. Ele propõe dar definições mas não ficar só nisso e usar exercícios práticos também. Bom, ele até dá alguns, mas são a exceção; e algumas dicas não funcionam em português, naturalmente. Abaixo trago algumas citações.
"Technical knowledge, divorced from what it is supposed to be knowledge of, yields only the illusion of understanding." (19)
Achei essa citação bem importante, porque foge da técnica pela técnica. Nos meus estudos de música, muitas vezes se estudava mil e uma técnicas mas não se sabia direito como aplicá-las. Logo, a técnica precisa estar vinculada ao conteúdo e não somente à aparência deste. Na verdade, esse dilema entre forma e conteúdo é uma luta com a qual o autor se digladia o livro todo: "It is true that you can't get from form to content, but it is also true that without form, content cannot emerge." (27)
"But if one understands that a sentence is a structure of logical relationships and that the number of relationships involved is finite, one understands too that there is only one error to worry about, the error of being illogical [...]" (20, grifo meu)
Logo, entender uma frase ou sua construção, não é só entender a gramática que estar por trás, mas, principalmente, sempre buscar a relação lógica entre os termos que a compõem. Neste ponto, ele sugere um exercício: treine com frases de 3 palavras.
"[...] the first step in producing good sentences is to decide what style you will use to communicate your message, a decision that sends a message of its own." (43)
Aqui ele já adianta um pouco do que vai falar quando tratar dos dois estilos que elenca. O que ele está fazendo na verdade, é afirmando que a forma se sobrepõe em alguns momentos ao conteúdo. Isso se encaixa em algumas noções sociológicas como a "teia de sentidos" de Weber, em que a mera escolha inicial já aponta para algum significado próprio. Mas divagamos.
#ESTILO SUBORDINATIVO
Basicamente neste estilo, cada termo da frase é pensando e estruturado de um jeito que ela, por sua coesão, funciona como um sistema de engrenagens. É um estilo mais fechado, planejado, encaixado. Neste, se encaixariam frases como provérbios: empacotadas certinhas, quase montadas, menos espontâneas. Passam ideia de segurança.
Também entrariam aí algumas frases longas que deixam o verbo principal pro final (quando a água cair; quando o vento soprar; quando o horizonte ceder; quando.... Então sabereis que....). Modo de trazer mais importância pro verbo final e, ao mesmo tempo, torná-lo suspenso. Isso sugere planejamento da frase.
O autor tem uma paixão por frases que eu não consigo compartilhar com tanta profundidade. Se pensar na música, é como se ele tivesse uma paixão por sons, ao ponto de querer esmiuçá-los até a frequência mais precisa possível. Mas aí eu já não é tanto minha praia. Entre sons e suas propriedades, prefiro a música.
#ESTILO ADITIVO
Em contraste com o subordinativo, este é um estilo mais descontraído, mais orgânico: "In this essay style, successive clauses and sentences are not produced by an overarching logic, but by association; the impression the prose gives is that it can go anywhere in a manner wholly unpredictable." (62)
Nestes termos, cada palavra da frase tem grande significância, em vez de reservar isso pro final dela. O mesmo vale para parágrafos: as frases não são subordinadas diretamente umas às outras, mas todas tem importância equivalente, quase um "stream of consciousness" .
"Sterne, Salinger, Stein, Hemingway -- the additive, non-subordinating style is obviously versatile; it can be the vehicle of comedy, social satire, philosophical reflection, realism, and something approaching photography.” (76)
Isto é: "[...] in fact, the more difficult style to master; for the relative absence of formal constraints means that there are no rules or recipes for what to do because there are no rule or recipes for what not to do.” (84)
O autor traz aqui a mesma lógica de muitos compositores e estudiosos da teoria musical: para desconstruir, você tem que primeiro ser capaz de construir, ou, pelo menos, compreender bem as estruturas com as quais você está mexendo. Mas não sei até que ponto concordo com isso. Retomo isso na conclusão.
#FRASES INICIAIS E FINAIS
Sobre frases iniciais:
"The category of first sentence makes sense only if it is looking forward to the development of thematic concerns it perhaps only dimly foreshadows. […] First sentences have what I call ‘an angle of lean’; they lean forward, inclining in the direction of the elaborations they anticipate. First sentences thus have content in prospect, [...]" (99)
Sobre frases finais, que, por onde estão localizadas, já têm uma ressonância:
"They do have one advantage: they become the heirs of the interest that is generated by everything that precedes them; they don’t have to start the engine; all they have to do is shut it down." (119)
Estas citações são praticamente o princípio geral que ele traz para cada um destes termos. A frase inicial se inclina para frente, ela precisa trazer moção ao texto. A frase final, por sua vez, não tem essa preocupação. Ela não precisa iniciar nada, ela pode resolver algo ou não; ela pode afirmar algo ou não; ela detém a vantagem de ter todo o peso do texto pra impulsioná-la.
A meu ver, porém, essa parte do livro é só um compilado de análises de frases iniciais e finais de livros famosos. Ainda que traga aprendizado, não achei tão útil, porque não traz necessariamente os princípios por trás. Parece ser mais um professor se divertindo do que ensinando. Pra piorar, alguns exemplos eram de inglês arcaico, o que ultrapassou minha já limitada capacidade.
Não deixam de serem interessantes as análises, mas como é o autor que faz pra mim e não me ensina a fazer, eu não consigo reproduzi-las. Agora mesmo eu estou lendo minhas frases e não tenho ideia de como começar a analisá-las. No fundo, eu só aprendi a ver como o autor faz a análise, mas eu não consigo captar quais foram os passos que ele tomou até chegar nesse ponto. Seria mais um daqueles casos onde algo é óbvio para o autor, mas não para o leitor?
#CONCLUSÃO
O livro é muito bom, mas é um pouco areia demais pro meu caminhãozinho. Sinto que ainda não cheguei num nível onde consigo apreciar e realmente aprender tudo o que ele tem pra me ensinar. Há uma analogia que o autor usa, dizendo que aprender a usar frases é como treinar escalas e técnicas na Música. Pode até ser, mas aí mora a um estreito limiar entre um músico com alta técnica e pouco coração e um músico com pouca técnica e muita paixão.
Além disso, um fato interessante: eu comecei a compor muito cedo na música, antes mesmo de entender escalas, tons, cadências, campos harmônicos, etc. O desejo de criar sempre foi latente em mim. Mas, antes de eu conhecer esses termos todos eu já compunha de uma maneira que poderia ser considerada "contemporânea". Quando eu aprendi essas definições, porém, meu estilo mudou muito. Para alguns teóricos, é como se eu tivesse retrocedido em termos composicionais.
O que quero dizer é que sinto que aqui estou num terreno perigoso, porque saí da Música pela falta de paixão que vi perpassar as diferentes atividades musicais nas quais me metia. Até que ponto escrever é um exercício de prática de uma arte refinada ou um mecanismo de criatividade? A literatura começou na minha vida como este segundo. E disso não quero abrir mão.
O que vale mais: escrever com estilo e precisão ou simplesmente escrever? Talvez você não produza nada que os críticos aclamem, talvez não escreva nada que ganhe um prêmio Nobel. Mas, e daí? O que é escrever afinal de contas? Se for pra ser que nem a música, melhor parar logo então, enquanto ainda gosto do que estou fazendo.
Inegável é que a técnica precisa ser aperfeiçoada, mas quando ela deixa de lado o princípio maior, perde sua função. Pergunte a qualquer músico profissional que passou horas sentado tocando escalas e estudos o quanto ele gosta de tocar. Agora compare a resposta dele com um músico que não tem toda essa capacidade, mas grava vídeos no Youtube se divertindo, mesmo tocando mal.
Novamente, o livro é bom. Talvez eu só o tenha lido no momento errado. Consegui vislumbrar muita coisa que nem imaginava, mas também serviu pra mostrar que enxerguei apenas a ponta do iceberg. A verdade, no entanto, é que ainda não estou pronto para mergulhar em águas mais profundas, vamos com calma.
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