sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Resenha - Hamlet

SHAKESPEARE, William. Hamlet. Porto Alegre: L&PM, 2012.


Outro livro que me surpreende. Iniciei sua leitura mais para poder dizer "Já li Hamlet, de Shakespeare" do que pelo inesperado prazer de desfrutar da sua leitura. Percebo que me deixo envolver pela linguagem do livro que é, deveras, sinuosa e bela, cuja forma enobrece ao mesmo tempo que informa e surpreende. Tal é o teor do livro.

A história se resume à trajetória do príncipe Hamlet, numa jornada de vingança contra o tio traiçoeiro, que usurpou o trono. Tendo sido guiado pelo fantasma do falecido pai, ele finge-se de louco para conseguir montar uma armadilha e desmascarar ao rei. Este, por outro lado, percebendo as estratagemas de Hamlet, elabora um plano para matá-lo.

Como disse, não esperava tanta beleza no livro. A seguir, vou colocar algumas das frases que achei tão belas que valiam a pena reproduzir e guardar na memória:
"Os amigos que tenhas, já postos à prova, prende-os na tua alma com grampos de aço;"
"Há algo de podre no Estado da Dinamarca"
"Há mais coisas no céu e na terra, Horário, do que sonha a tua filosofia"
Além dessas, tem uma clássica: "Ser ou não ser ─ eis a questão". Mas essa frase, solta assim, não faz jus ao teor do texto. Essa declamação é bela! Mas tão bela que não pude deixar de voltar nela e declamá-la em voz alta. Abaixo segue só um pequeno trecho dela:
"Ser ou não ser ─ eis a questão. Será mais nobre sofrer na alma pedradas e flechadas do destino feroz ou pegar em armas contra o mar de angústias ─ e, combatendo, dar-lhe fim?"
Mas que mistura de arte e filosofia! Shakespeare é deveras sensacional. Por outro lado, não consigo evitar o revirar de olhos quando lembro das besteiras que têm todos esses dramas clássicos que ─ pelo menos para nós, hoje ─ são de um floreio desnecessário e leso demais. Por exemplo. Tem uma cena que Hamlet está conversando com a Rainha, sua mãe, e em determinado momento ouve alguém escondido atrás de um móvel. Vejam a cena:
"Hamlet: (Puxando um florete). Que é isso? Um rato? Morto! Aposto um ducado; morto! (Dá um lance com o florete através da tapeçaria).
Polônio: (Atrás). Oh, me mataram! (Cai e morre)."
Esse "Oh, me mataram", foi o fim da picada. Não consegui evitar gargalhadas imaginando a cena tão lesa! Mas, além disso, devo confessar que acho que só gostei do livro por causa da tradução do finado Millôr Fernandes que, sendo um crítico do "eruditismo" desses textos, buscou trazer ao nosso idioma não só as palavras rebuscadas, mas a poesia e as construções por trás das cenas. 

Quanto a isso, lembro que quando morava nos EUA, assisti a uma oficina de teatro. O aluno da escola representava uma cena de "Much Ado About Nothing", também de Shakespeare. Ele falava com pompa, fazendo gestos amplos, empinando a cabeça, olhando para o horizonte ─ um "ator" no seu melhor estereótipo. 

Mas em determinado momento, o professor que estava ministrando a oficina diz: "Não, acho que você está se mexendo demais. Reproduza essa mesma cena mas agora sentado em cima das suas mãos." O rapaz obedeceu e reproduziu a cena com a mesma fala pomposa, as pronúncias exacerbadas, a entonação "erudita" e o professor o interrompeu novamente: "Não, ainda não. Faz o seguinte, conta aqui pra plateia o que está acontecendo na cena com suas próprias palavras". Quando o aluno falou com a plateia, conforme ele ia explicando íamos abrindo o sorriso e ao final explodimos em uma gargalhada. O professor então continuou: "Agora sim! Esse é o propósito dessa cena. Ela foi escrita para ser engraçada, mas só agora você conseguiu transmitir isso para a plateia." 

Achei essa sacadas fantástica! A busca pela erudição, ainda mais quando se trata de clássicos, acaba por minar e descaracterizar o propósito inicial do autor e até mesmo a capacidade sublime da arte de transmitir as coisas. Portanto, repito: penso que a tradução de Millôr Fernandes fez toda a diferença. E que livretinho agradável de se ler! Termino, portanto, com as palavras do mestre da literatura:
"Hamlet (avançando): Quem é esse cuja mágoa se adorna tal com violência; cujo grito de dor enfeitiça as estrelas errantes, detendo-as no céu, petrificadas como espantadas ouvintes? Esse sou eu, Hamlet, da Dinamarca" 

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