quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Resenha - Dois irmãos

HATOUM, Milton. Dois irmãos. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.


Não sei nem como falar desse livro. 2019 começou com grande estilo. Não sei como falar, mas é pra falar bem, já adianto. Poucos livros me surpreenderam no último ano, céus, poucos livros me surpreenderam nos últimos anos! Esse aqui foi diferente, bem diferente. Não é que tenha trazido nada novo, sério, mas é só que... ele conseguiu. O cara conseguiu. A fantasia do cotidiano está viva!

Eu comecei a leitura como quem pensa: vou ler um autor brasileiro e tal, o cara ainda é manauara, vamo dar essa colher de chá pra ele. E fui lendo. Aí quando menos esperava o narrador se tornava personagem também, um personagem que ouviu alguém dizer, mas depois já era um narrador mesmo, e aí contava a história e, quando menos percebi, a história não era nada demais, só que eu já estava de tal forma enredado pelos acontecimentos que simplesmente não conseguia parar de ler!

Milton Hatoum é o Érico Veríssimo da contemporaneidade. Para quem me conhece e já leu algumas das minhas resenhas entende que essa afirmação, para mim, é praticamente um dos maiores elogios que eu poderia fazer a um autor. Hatoum conta, tão somente, a história de uma família. É a história que gira em torno de dois irmãos, descendentes libaneses estabelecidos em Manaus. É só isso.

Mas é impressionante como a gente não consegue evitar se deixar emocionar, ver os personagens à distância e pensar: "Poxa, não faz isso" ou ainda "Ah, espero que ela consiga". O jeito como Hatoum encadeia as coisas me lembra demais Érico Veríssimo. É uma capacidade descritiva invejável. Consegue ser longa sem ser cansativa, consegue trazer à tona elementos suficientes para que minha imaginação complemente o que falta. E acaba não faltando nada!

Aliás, pra um romance histórico (porque se passa no começo do século XX), achei sensacional como ele consegue contar a história sem precisar situar demais o leitor. Ele não fala de anos nenhuma vez! Não menciona datas, faz menções muito distantes a acontecimentos históricos, tanto que eles mal influem na história. E ainda assim a gente consegue ter noção de quando a história se passa e como era a cidade, os costumes. 

Achei também sensacional o modo como ele descreveu o casarão da família. Praticamente não descreveu! Ele ia dando detalhes conforme contava a história que permitia a gente mesmo construir a imagem que quiséssemos do lugar. Claro que me deixei contaminar um pouco pelo que conheço da cidade, mas mesmo isso não é suficiente: ele narra lugares que nem existem mais e, ainda assim, é capaz de falar com naturalidade.

A trajetória dos gêmeos Yaqub e Omar é cheia de altos e baixos; a mãe Zana e o pai Halim, a empregada Domingas e a filha mais nova do casal, Rânia, também fazem parte do elenco. Mas ouso dizer que, embora a história seja sobre essa família, o personagem principal não é nenhum destes. É o narrador. E, sim, o narrador está envolvido nos acontecimentos também. E é genial. Não vou revelar mais do que isso senão vou estragar as surpresas do livro. 

Realmente 2019 começou me surpreendendo. Depois das crônicas ferinas sobre Manaus, esse livro novamente ressaltou o componente humano que há em todos os lugares, mesmo que independente deles. Sabe o que é o mais interessante disso tudo? Milton Hatoum ainda vive! Ele tem Facebook e tudo. Aí eu, cara de pau, mandei um inbox pra ele, e com isso encerro:
Boa tarde! Sei que seu tempo deve ser bem corrido. Estou passando apenas para dizer que li seu livro "Dois irmãos", que me foi presenteado por uma amiga manauara (cidade também da minha mãe e minha esposa, sendo eu mesmo roraimense) e achei absolutamente maravilhoso! Parabéns!
Desde Érico Veríssimo, autor que tenho em mais alta estima e cuja coleção de livros tenho quase completa, não tinha visto ainda na literatura brasileira um nome que se pudesse comparar. Gosto de chamar esse estilo de "fantasia do cotidiano", que mostra que a verdadeira magia está no dia a dia, nas coisas simples da vida.
Minha única lástima é que eu não tenha conhecido seu trabalho mais cedo. É um incentivo para jovens escritores como eu conhecer a boa literatura viva.
Obrigado e parabéns novamente!

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