quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Crônicas do cotidiano - III

Essa é uma crônica não muito agradável de escrever. Não é porque temo o que vão pensar depois que lerem (Aff, como se o que eu escrevesse tivesse algum alcance), mas, especialmente, porque sei que o que penso está recheado de pré-conceitos e experiências dos quais não consigo me desvencilhar, eles simplesmente correspondem demais ao meu entendimento da situação como um todo. Desculpa, gente, mas não gosto de Manaus.


Até que ponto realmente somos livres ou podemos nos libertar das amarras sociais que nos constrangem? Somos afinal apenas um conjunto de metanarrativas sobrepostas? Porque não consigo evitar crer que há um núcleo que reúne isso tudo. Seria, afinal, mais uma ficção? Mas, se é, como pode funcionar tão bem para algo não real?

Começo bem filosófico, né? Culpa das leituras. Há uma ruptura e um novo paradigma filosófico se consolidando aos poucos no mundo atual. Sem me alongar muito, o que defendo afinal é: tanto gregos quanto troianos estão certos em parte. Enquanto os modernos privilegiam a razão acima de tudo, os pós abrem espaço para as emoções, as impressões, para a alma. Ambos estão certos, em partes.

Aqui acho que me cabe apontar as explicações para a minha afirmativa (a primeira). No melhor estilo dos meus pensamentos pós+modernos (não foi erro de digitação, quis grafar assim mesmo), acho que há explicações racionais e emocionais. Vamos a elas.

Sujeira, bagunça, furdunço, buzinas, falta de educação, vendedores parecem que estão te fazendo um favor, pessoas te empurram na rua sem nem se desculpar, buzinas (mesmo atravessando na faixa), sinais vermelhos parecem ser só uma sugestão ao motorista em vez de obrigação, pichações em quase todos os prédios, esgoto na rua, fedor, calor sem vento, fios (ai, tantos fios) que não consigo sequer enxergar um prédio direito, descaso, mas descaso tal que há prédios do século passado em ruínas com plantas crescendo de dentro das paredes, e na base deles o cheiro de urina (quase onipresente), ah, e o tédio supremo das obrigações sociais familiares. Que excesso de verdades, Deus me ajude.

O problema é que eu não aprendi, eu simplesmente não aprendo. Toda vez é a mesma coisa e o problema mesmo é que eu não mudo, não aprendo, não me esforço pra realmente mudar. E, nisso, eu sou deveras o maior culpado.

A bagunça, a sujeira e o fedor são apenas exacerbados pelo calor, furdunço e desorganização que parece latente em todo o território urbano. É muito, mas muito triste ver prédios lindos do século passado totalmente abandonados e deixados ao relento. Não deixa de ser bonito ver a natureza retomando alguns desses espaços: "Vocês invadiram, destruíram e sequer se deram ao trabalho de manter, pois então me devolva que eu sei o que faço."

Por favor entendam que muitos desses argumentos são racionais. Quem gosta de várias das coisas que elenquei? Quem gosta de calor, desorganização, sujeira, barulho? Em sã consciência não são experiências prazerosas do dia a dia.

Mas ao mesmo tempo há elementos que citei que são frutos da minha experiência pessoal, da minha percepção, do meu azar (risos). Esses são fatos peculiares à minha percepção, que, vinculados à minha experiência, terminaram por moldar minhas impressões finais sobre tudo.

Eu amo turismo histórico. Amo passear no Largo, visitar os prédios e praças da Paris dos Trópicos, ver as grandes embarcações que ainda hoje trafegam pra cima e pra baixo no maior rio do mundo. Há um contraste entre o passado e o presente na cidade que tinha tudo para ser seu maior charme (como é Madrid, por exemplo). Mas como aproveitar isso com sobriedade quando são permeados por tantos elementos negativos? Como se desfruta da beleza do Teatro Amazonas com os olhos enquanto minhas narinas são recheadas pelo odor pungente da urina? E meus ouvidos são azucrinados por vendedores impertinentes que roubam meu sossego? Não dá pra simplesmente desvincular as coisas e tentar racionalizar, nós somos seres inteiros, não compartimentalizados.

Alguém pode ler isso e argumentar que eu estou destacando apenas os aspectos negativos da minha experiência e minhas percepções racionais. E a isso eu respondo: você está certo. Alguém pode ler isso e comentar, "ad hominem": "Mas e aquela tua cidade? Que é assim, assim e assado?". E a isso eu respondo: você está certo. Alguém pode dizer: "Como você pode falar isso da cidade, se conheceu só o centro e, quando muito, passou por apenas alguns bairros?". E a isso eu respondo: você está certo.

O problema é que essa é minha percepção. Como mudar? Como posso ver as coisas de outra maneira? Por favor me mostrem. Não quero ser negativo, queria ser igual ao motorista do Uber que disse que ama Manaus, que não vê razão pra sair da cidade, exaltando os interiores do Amazonas também. Mas como fazer isso quando me deparo apenas com essas condições? Não digo que não há o que experimentar, mas digo que não tenho tido boas experiências.

Tudo pra mim é uma pena, que, misturada à sensação de impotência do descaso (que vai além dos prédios públicos e se estende a muitas casas), só aumenta mais o desgosto pelo espaço urbano. Que crônica que nada, o texto é apenas um grande desabafo.

Em minha defesa, se é que há alguma, a próxima crônica trará um olhar diferente que em muito vai contrastar com essa. Enquanto aqui eu foco no espaço, na próxima pretendo abordar o aspecto humano que em muito faltou nessa.


Crônicas do cotidiano. Gabriel Alencar. Publicado originalmente no Facebook em 02/01/2019.

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