segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Resenha - A jornada do escritor III

VOGLER, Christopher. A jornada do escritor: estruturas míticas para escritores. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.


Então. Dando continuidade ao fichamento desse livro (incrível, por sinal!), vamos falar agora das doze etapas que compõem a Jornada do Herói, aplicada ao processo de escrita. Confesso que algumas vezes o livro parece quase uma autoajuda, aplicando alguns desses conceitos à vida real. Não sei até que ponto dá pra aplicar dessa forma, mas é interessante, não obstante.

Nesse post vou abordar os 4 primeiros dos 12 estágios da jornada. A escolha foi para que não ficasse muito grande e o leitor pudesse aproveitar melhor o conteúdo, que, diga-se de passagem, é muito elucidador. Não obstante, mais de uma vez fiquei me perguntando na leitura: mas isso não é fórmula? Ainda defendo que a Jornada do Herói deve ser conhecida, mas não necessariamente seguida.

Agora um importante elogio à didática de Vogler. O cara não somente explica muito bem os termos, dá exemplos que são acessíveis, oriundos especialmente do cinema de Hollywood, aplicando de maneira excepcional o ensino aos roteiros dos filmes. Não satisfeito, ao final de cada capítulo ele traz o que chamei de "Perguntas da seção", onde ele traz exercícios práticos, em forma de perguntas, para auxiliar o escritor na sua própria jornada.


OS ESTÁGIOS DA JORNADA

#Estágio Um: o Mundo Comum

  • O início de uma aventura tem que ter alguma coisa que prenda o leitor
    • Qual a primeira coisa que o leitor vai ter da história? Qual a primeira imagem?
    • Esse estágio serve para dar um tom e impressão à história
      • Um título bem escolhido serve para deixar o leitor curioso e interessado
      • Isso se aplica também à capa do livro (não vamos ser ingênuos), a publicidade dele e seus anúncios
  • Por isso, o título é um marco para anunciar a natureza da história e atitude do escritor
  • Algumas histórias têm prólogo → precede o corpo principal da história
    • Tem várias funções → pode informar sobre o passado da história ou algum evento impactante para dar o tom da história
      • Pode ser um mecanismo pra desnortear o leitor → deixar confuso pra explicar depois
      • Pode iniciar também com o vilão ou uma ameaça (antes do Herói)
    • Nem sempre o prólogo é necessário ou desejado → a história que vai dizer
  • Nesse primeiro momento se estabelece o Mundo Comum
    • O Mundo Especial só vai ser "especial" quando em contraste com o Comum
    • Muitas vezes o Comum pode parecer calmo e chato
      • Mas as raízes da aventura já estão nele → algumas vezes nos acostumamos com o Mundo Especial que ele se torna um Mundo Comum
      • Nesse ponto, muitos escritores salpicam ideias do Mundo Especial, com indiretas
  • Toda boa história levanta uma série de perguntas que serão respondidas na trama
    • Esse primeiro momento tem que levar a isso 
    • O Herói vai conseguir? Como ele vai fazer isso?
  • Na apresentação do Herói → ele deve ter um problema interno e um externo
    • Muitos escritores se concentram só no problema externo
      • Mas ele deve ter alguma dificuldade interna → falha moral ou de personalidade 
      • Isso dá mais profundidade ao Herói e torna ele mais crível
    • O leitor deve estabelecer um vínculo com o Herói → ele tem que ser relacionável
      • Isso não quer dizer que o leitor deve simpatizar com o Herói
      • Mas que o leitor vai se identificar com alguma coisa no Herói
    • Algo que ajuda nisso é revelar uma carência (interna ou externa) do Herói
      • Isso ajuda a criar uma solidariedade com o Herói → gera o desejo de que ele se torne completo no final
      • Um jeito de fazer isso é colocar o Herói numa situação simples e mostrar que ele tem dificuldade de lidar com isso
    • Na mitologia grega → mesmos os melhores heróis tinham falhas trágicas
      • O Herói pode ter uma ferida (externa ou interna)
      • Ele até tenta esconder isso, mas é evidente na sua personalidade
  • Nesse momento também surge a questão → como o Herói entra em cena?
    • Esse primeiro contato com o Herói já informa sua atitude, estado emocional, contexto, forças, problemas, e por aí vai
      • Uma maneira interessante de revelar isso é por meio do diálogo → fazendo outros personagens revelar essas informações do Herói ao leitor
  • Desde o começo da história → o leitor precisa ter noção do que está em jogo
    • O escritor é que estabelece essas regras do jogo
    • Para o Herói, tem que ter alguma coisa em jogo → senão a história não é interessante
  • Outra coisa que pode haver nesse primeiro momento é a História Pregressa
    • Às vezes é necessário conhecer algo do passado do Herói para seguir em frente
      • A ideia é revelar essas coisas com elegância no decorrer da trama
      • A exposição não pode nem congelar a história nem ser o foco dela
    • Muita coisa é revelada pelo que o Herói não faz ou não diz
  • Facilita que nesse momento se revele o tema
    • Não é uma afirmação explícita → mas uma demonstração subjacente do teor da trama
    • Uma hora ou outra, porém, ele deve ser trazido à tona → pois vai influenciar nas escolhas e atitudes do Herói
  • Perguntas da seção
    • Como o Herói da sua história é incompleto?
    • Qual a história pregressa desse Herói?
    • Até que ponto você conhece o Herói?

#Estágio Dois: Chamado à Aventura
  • Geralmente o Mundo Comum é uma coisa estática → mas ali estão as sementes para que algo aconteça
    • Por isso, depois de apresentado o Herói, é preciso colocar as engrenagens em movimento → alguma coisa acontece ou uma mensagem é trazida à tona
      • Isso significa que o Chamado pode ser causado tanto por fatores externos como internos (pode ser o descontentamento do Herói com o Mundo Comum)
      • O Chamado pode até ser uma tentação sobre o Herói
  • O Chamado não precisa ser um evento único → pode ser um encadeamento de fatores
    • Um desses fatores pode ser o Arauto → um personagem que apresenta ao Herói um convite ou desafio ao desconhecido
      • Esse Arauto pode ser tanto Aliado como Inimigo
      • Os Arautos podem abrir os olhos do Herói mostrando que há algo errado → muitas vezes o que há de errado no Mundo Comum já foi apresentado ao leitor no prólogo
  • Esse Chamado provavelmente será perturbador e desorientador para o Herói
    • Em alguns casos, o Herói pode simplesmente não ter opção senão aceitar o Chamado
    • Em alguns casos, pode até haver mais de um Chamado durante a história
  • Perguntas da seção
    • Você já recebeu Chamados a aventuras? Como reagiu a eles?
    • Você consegue pensar em alguma história sem um Chamado ao Herói?
    • Onde está o Chamado na sua história? É possível protelá-lo? Isso é viável?
    • Dá pra passar sem o Chamado?
    • Como você pode apresentar o Chamado sem transformá-lo num clichê?

#Estágio Três: Recusa do Chamado
  • Quando nos colocamos na posição do Herói, vemos que diante do Chamado é plausível hesitar e ter medo da nova situação
    • Essa é uma parada importante → mostra ao leitor que a aventura tem riscos e perigos
      • Além disso, essa pausa garante que a escolha do Herói será pensada
  • A maioria dos Heróis recusa ou hesita
    • Algumas vezes é por experiência anterior → já passaram por algo assim e não querem se submeter de novo
    • O Herói pode dar uma lista de desculpas
  • Essa Recusa Persistente por parte do Herói pode trazer consequências terríveis (eu estou olhando pra você, Peter Parker! Cadê o Tio Ben??)
  • Há outros casos, porém, que a recusa é algo bom 
    • Quando o Chamado é para o mal, por exemplo
    • Quando é um tipo de renegação → o Chamado era para algo que até poderia ser bom, mas o Herói abre mão disso em prol do bem comum
  • Por outro lado, há o caso dos Heróis Voluntários
    • Estes, quando recebem o Chamado, o aceitam prontamente e quase impetuosamente
      • Nestes casos, é comum haver outros personagens que alertam o Herói quanto aos perigos que podem haver na aventura
  • O Herói ainda pode ser posto à prova pelo Guardião do Limiar → eles eriçam o medo
    • Em alguns casos o Mentor pode exercer essa função também
    • Mas há o caso da Lei da Porta Secreta → se há uma porta e o Herói é impedido ou desencorajado a passar por ela, então, em algum momento, ele vai passar por ela.
      • Então, mesmo que o Mentor ou o Guardião do Limiar tentem impedir, o Herói vai em frente
  • Na história, essa Recusa pode ser um momento sutil
    • E também uma boa oportunidade para redirecionar o foco da aventura, torná-la mais profunda
  • Perguntas da seção
    • Do que o Herói da sua aventura tem medo? Esses medos são reais? Como ele expressa isso?
    • O Herói recusou o Chamado à Aventura? Como ele fez isso? Quais as consequências?
    • Se o Herói é voluntário, há personagens ou situações deixando claro ao leitor que a aventura incorre em perigos?
    • Você já aceitou Chamados à Aventura? Você já aceitou Chamados à Aventura que preferiria ter recusado?

#Estágio Quatro: Encontro com o Mentor
  • Muitas vezes não é má ideia recusar um Chamado até estar pronto
    • E na maioria das vezes é o Mentor que vai ajudar nesse preparo
      • Nesse Encontro com o Mentor, o Herói recebe ensinos, provisões e até equipamentos para dar segurança na jornada
      • Mesmo que na história não haja um personagem como Mentor → haverá alguma fonte de sabedoria ou segurança que ajude o Herói a aceitar o Chamado
  • Para o escritor esse é um excelente momento para criar tensão, envolvimento, humor ou drama
    • O Mentor é importante para ajudar a desencadear a história
    • Um bom Mentor é entusiasmado em ensinar o que sabe
      • De qualquer forma, o Mentor age principalmente na mente do Herói, para dar confiança
  • É importante evitar os clichês → mude o tipo de Mentor ou talvez tire ele da história, veja como o Herói se comporta sem um auxílio maior
    • Outra técnica é usar o Mentor como um engano ao leitor → pode ser uma máscara usada pela Sombra ou um Guardião, atraindo o Herói para o perigo
  • O escritor pode usar a relação Mentor-Herói como uma fonte de conflito que pode escalar até gerar morte
    • Às vezes o Mentor se torna um vilão ou trai o Herói
    • Em alguns casos a lealdade do Mentor é dúbia → leva o Herói a questionar
    • Pode ser até que o Mentor seja superprotetor → atrapalhe o Herói
    • Há casos em que a história se desenrola em torno do Mentor
  • De qualquer modo é comum que o Herói passe por treinamentos e testes para ajudar na sua caminhada → e geralmente quem faz isso no primeiro momento é o Mentor
    • Ele é importante para ajudar o Herói a quebrar a barreira do medo e falta de confiança
    • Ele serve para desempacar a história
      • Praticamente em qualquer história há algum personagem ou situação que usa essa máscara para ajudar o Herói
  • O escritor é um tipo de Mentor para os leitores → e o escritor também tem Mentores
  • Perguntas da seção
    • Pense em 3 seriados de TV. Quem são os Mentores na história?
    • Existe alguma história em que o personagem é integralmente Mentor, sem exercer nenhuma outra função?
    • Ajudaria a uma história sem Mentor que houvesse um?
    • Quem é o Mentor na sua história? 
      • Seu Herói precisa de um?
      • Seu Herói tem um Mentor interno, como código de honra ou ética?
    • Na sua história, como é a relação Mentor-Herói?
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Confesso que dá vontade de escrever logo sobre os outros estágios, mas vou seguir meu plano inicial, mesmo que isso gere um pouco mais de posts. É importante que a gente consiga absorver bem o que Vogler está querendo ensinar. Há muita coisa pra aprender, especialmente pra depois quebrar com a ideia. De qualquer modo, há muita coisa pra aprender. E segue a jornada.

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