quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Resenha - Grito de alerta

JUNGES, João Euclides; DANIEL VELHO, Édison Eroquês. Grito de alerta. Boa Vista: MGM, 2017.


Este livro representou um desafio pra mim. Não pelo conteúdo ou a escrita, mas pelo simples fato de que conheço os autores. Tive que refletir bastante sobre fazer uma resenha de gente que conheço. Especialmente porque não necessariamente vou falar bem do livro. Isso tem que ser livre! A crítica vem para o bem da arte. Jamais falei mal da pessoa de algum autor, mas critico sem medo a técnica, vocabulário, seja o que for – qualquer coisa que eu não goste.

Mas dá pra fazer isso falando de alguém que conheço? Especialmente quando sei do trabalho e do empenho que esses autores tiveram pra fazer esse livro? Poxa. Dá pena. Mas porque dá pena? Pelo simples fato de que não gostamos de ouvir a verdade às vezes. A crítica tem que existir, pelo bem da arte. Aí depois disso tudo me toquei que meu blog é só uma piaba num Rio Amazonas de gente muito mais experiente e que é levada mais a sério. Então eu pensei: "Ah, que se lasque" (risos).

Esse livro tem um propósito social. Isso tem que ser destacado desde o começo, porque é o que vai nortear o livro como um todo. O propósito dele é fazer uma campanha de conscientização contra o suicídio. Para alcançar esse objetivo, os autores reúnem uma série de relatos de histórias de pessoas que passaram por isso e superaram, com direito a um poema perdido no meio do livro.

Acho que, no fundo, eu não gostei do livro por causa da expectativa. Eu sabia que o livro tinha esse propósito, mas não esperava que ele fosse fazer isso como se fosse uma roda de conversa. Pensava que o tema seria trazido por meio de contos, não meros relatos, que muitas vezes beiram as crônicas ou ensaios. Digo isso porque em alguns momentos não há narrativa, o texto é quase de autoajuda.

Novamente: questão de expectativa. O livro reúne uma série de relatos (que não chamo de contos) e muitos deles não achei interessantes. Cada história é uma história, mas como o autor vai passar isso ao leitor é que faz a diferença. Por exemplo: tanto no texto Viajante Solitário quanto o que fala do cachorro, em vários momentos o texto é excessivamente enciclopédico. Esse tipo de informação eu coloco no Google, uai, de graça. Além disso, o texto O beijo da dependência química nada mais é que uma resenha de outro livro! E nem é dos mesmos autores. Não acho que isso é texto para se compor antologia, é algo a se postar no Facebook. 

Várias introduções de textos podem ser retiradas, deixaria o texto mais denso e envolveria melhor o leitor. Falando nisso, penso que algumas dessas histórias poderiam ser melhor aproveitadas. O último conto, por exemplo, é absolutamente lindo! Mas é um desperdício (por falta de palavra melhor) deixar ele no fim do livro. Ele teria que ser um livro por si. E seria lindo, maravilhoso, ao estilo Um lugar ao sol de Érico Veríssimo. A história (que é real!) tem altos e baixos bonitos de se ler. 

O trabalho de revisão também deixou a desejar. Há diversos erros de grafia crassos como "skipe" e algumas construções infelizes, por exemplo: "elo de ligação", "literalmente, para o fundo do poço"; pontuações estranhas também se fazem presentes como o uso desnecessário de três pontos de exclamação em seguida (!!!) – esse uso exacerbado faz com que o sinal perca sua eficácia; além dele, há uma inversão de ponto de exclamação com interrogação (!? em vez de ?!).

Mas falando de editoração e revisão, o que mais mata mesmo é ler o livro com aquele espaçamento. Nossa, poderia pelo menos ter aumentado um pouco o espaço entrelinhas. A leitura fica cansativa, algumas vezes até me perdi nas linhas e tive que voltar pra acertar. O trabalho da MGM Gráfica foi triste. É ruim falar isso, porque os autores até têm um conto muito bonito sobre os donos da empresa – mas mesmo assim não dá pra perdoar esse espaçamento, temos que defender a verdade.

A capa e a contracapa poderiam ser um pouco mais felizes. Na capa há uma foto da Praça das Águas (até que vai, embora não tenha tanto a ver), mas na contracapa uma figura obscura contra uma janela embaçada? Nossa, isso foi de matar. O livro é de terror ou pra prevenir o suicídio? Achei bem infeliz essa escolha. 

Só que nem tudo na vida são os espinhos: junto a eles estão belas flores. O conto do aposentado, mesmo com alguns problemas, é muito envolvente, a gente se sente realmente na pele do personagem. Agora, o primeiro conto, o que foi aquilo? Foi tão lindo, mas tão lindo, que tinha que parar no meio pra segurar as lágrimas. A escrita não é só envolvente, mas a gente sente a tristeza, o senso de perdição do personagem que – talvez uma das principais razões pra gostar do conto – é o próprio autor. 

Talvez tê-lo colocado no começo do livro não tenha sido a melhor escolha, porque ele é tão bom que depois dele tudo sofre em comparação, é um decrescendo. Por outro lado, entendo que ele introduz a temática do livro. Não obstante, talvez desse pra inverter algumas coisas e esse conto deveria fechar o livro, ou pelo menos a primeira parte dele. 

No fundo, é como eu disse: o livro cumpre um propósito social, não literário. Além disso, tem muito a questão da expectativa junto. Dá uma coisa ruim falar essas coisas, porque os próprios autores foram os revisores, seus amigos foram os diagramadores, o livro é todo fruto de colaboração, num universo triste e árido que é a publicação literária, especialmente em Roraima. Tudo que falo não é para criticar os autores, mas sim o trabalho deles, não com vistas a denegrir, mas para fazer crescer a nossa boa arte roraimense.

Esses homens já têm inspirado a muitas pessoas (jovens, adultos, crianças, mulheres, homens) e o trabalho deles, ainda que não perfeito literariamente (Ah! E quem sou eu pra dizer algo assim?), tem cumprido sua função social de alertar quanto aos perigos da depressão e suicídio, numa sociedade que cada vez mais negligencia esses perigos. Só por isso, já são homens dignos de honra.

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