terça-feira, 4 de setembro de 2018

Resenha - A arte de escrever

SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de escrever. Porto Alegre: LP&M, 2009.


Então, né. Mas outro livro com título misleading. É uma pena começar assim, mas é verdade. Que Schopenhauer é ferino e vai direto ao ponto não me era novidade, na verdade é um dos poucos filósofos que dá gosto de ler diretamente, porque ele fala. Isso é muito bom. E nisso o livro não peca, a leitura é surpreendentemente fluida para um livro de filosofia. Sim, porque o livro é filosofia.

"A arte de escrever" é um compêndio de excertos de textos de Schopenhauer, organizados em cinco partes: "Sobre a erudição e os eruditos", "pensar por si mesmo", "sobre a escrita e o estilo", "sobre a leitura e os livros", "sobre a linguagem e as palavras".

Não é que não se aprenda nada com o livro. O lance é que é tudo muito ensaístico e certa parte do que ele fala se aplica mais ao texto científico do que ao literário. Em determinados momentos achei-o muito elitista, em especial na sua crítica e até mesmo desprezo por certos idiomas e defesa de clássicos como latim, grego e sânscrito. 

Isso é expresso no texto dele quando ele condena textos no idioma do povo, pois esses idiomas são baixos, não expressam direito as palavras. Ele tenta defender seu ponto de vista dizendo que quem escreve para o povo só escreve pensando em dinheiro.

Também me assusta a crítica que ele faz à própria leitura. Eu entendo o que ele quis dizer, mas ainda é meio estranho: ele está falando que quem lê demais só reproduz o pensamento alheio. Ele estabelece bem essa diferenciação entre ler e pensar, sendo este último ato mais nobre que o primeiro. Está muito ligado com a defesa que ele faz de ter conhecimento e aparentar ter conhecimento.

Uma crítica, porém, que ele tece repetidamente ao longo do livro e que acho salutar é: leia os clássicos. Ele busca desconstruir a ideia de que aquilo que é mais recente é o mais correto, ou é um avanço, ou significa "progresso". Não raro, Schopenhauer afirma que há até retrocesso nas novas ideias, daí a necessidade de se ter uma base firme nos clássicos.

Mas é claro que há grandes verdades a se retirar do livro. Nem todas têm a ver com escrita ou literatura ou algo do tipo. De qualquer forma, condensei-as aqui:

#As verdades
  • Só escreve de verdade quem o faz por amor: quem faz pelo dinheiro nunca será bom 
  • A conteúdo é superior à forma, mas ambos se complementam
  • A pessoa que ensina ciência não é necessariamente a que faz ciência
    • A boa formação da humanidade deveria ser holística
    • Na erudição, muitas vezes só se quer ter a aparência de conhecimento 
  • Há 3 tipos de escritores
    • O que escreve sem pensar
    • O que pensa enquanto escreve
    • O que primeiro pensa, depois escreve (esse é o mais raro)
  • Ler os clássicos!
    • Cuidado com as "modas": poucas se sustentam
  • O pensamento só existe até antes de chegar na fronteira das palavras
    • Quando vira palavra, então se cristaliza, se enrijece
    • Mas também, fica imortal
  • Revistas literárias
    • Seu papel deveria ser filtrar a literatura e impedir que maus escritores cresçam 
    • A crítica deveria ser o mais comum; o elogio, a exceção
      • Isso porque a maioria dos livros é ruim, são poucos os que se destacam
      • Schopenhauer condena o politicamente correto (em especial porque usam isso para ganhar dinheiro à custa da literatura)
  • O estilo é a fisionomia do espírito do escritor
    • Deve-se reconhecer falhas ou problemas no estilo dos outros para evitar no seu
    • Evitar estilos truncados, com raciocínios longos: pode ser apenas aparência de erudição
      • Deve-se evitar a prolixidade: permanece no texto sua quintessência
      • Permanece apenas os assuntos que o leitor não consegue deduzir sozinho 
  • A regra maior é que se tenha algo a dizer
    • Isso também foi dito pelo Stephen King!
  • Quem escreve de maneira displicente está dizendo que não atribui valor aos próprios pensamentos
    • Ele cita que poucos escrevem como o arquiteto constrói: primeiro desenha, pra depois realizar a obra.
    • Confesso que não sei se ele defende isso, ficou meio dúbio
  • Frase marcante: É comum confundir a compra dos livros com a sua assimilação

#Conclusão

O livro é de filosofia e nem fala tanto, tanto assim da "arte de escrever". Esse assunto é deveras o centro do compêndio, mas são muitos assuntos conexos que o foco se perde. Não sei se isso é por causa da edição ou foi o autor mesmo. De qualquer forma, o título é misleading, ainda que se possa aprender boas verdades com o texto. 

Penso que, de certa forma, esses livros estão sofrendo em comparação com King, cujo ensino foi precioso demais e parece abarcar tudo que os outros já tinham dito. De qualquer forma, são boas leituras pra complementar. 

Só queria ressaltar algo: Schopenhauer defende tanto a escrita objetiva, que se tenha o conhecimento e não apenas aparência disso, et cetera e tal. Mas o lance é que muitas verdades que ele disse poderiam ser discorridas em poucas linhas. Irônico ou o fardo do filósofo? Lê aí e me diz. Porque eu, sei lá.

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