segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Resenha - Mil Tsurus

KAWABATA, Yasunari. Mil Tsurus. São Paulo: Estação Liberdade, 2006.


Então. Não tenho ideia de como esse livro veio parar comigo (risos). Simplesmente o vi e pensei "Ué, por que não?". E deparei-me com um tipo de narrativa para a qual não estava preparado. Não porque tenha grandes reviravoltas, cheia de emoção, drama ou adrenalina. Pelo contrário, é justamente pela ausência dessas características.

"Mil Tsurus" relata a história do jovem Kikuji Mitani e a relação dele com pelo menos três mulheres bem significativas na trama: Chikako Kurimoto, Sr.ª Ota e Srta. Ota. Embora o tradutor Paulo Hecker Filho destaque a Sr.ª Ota como uma personagem de destaque de Kawabata, para mim é a desprezível Chikako que sempre está em evidência na trama. 

A trama, de maneira ampla, desenvolve-se no Japão pós-Segunda Guerra Mundial. Todos os acontecimentos estão orbitando em torno do chanoyu, ou "arte do chá", uma tradição japonesa em torno não apenas da bebida, mas também os elementos dela, como preparação, utensílios utilizados, vestimentas, e por aí vai. 

O pai de Kikuji, um amante desta arte, envolve-se com Chikako, uma mestre da arte do chá. Depois descobrimos que ele também se envolve com a Sr.ª Ota, uma praticante desta arte. A narrativa, porém, está em torno de Kikuji e seus relacionamentos. Já mais velho, ele se relaciona com a Sr.ª Ota e depois desenvolve sentimentos por sua filha, Srta. Ota. 

É muito estranho para um ocidental acompanhar a narrativa. Ela é tão poética, tão tênue... somos envolvidos pela ideia de contemplação, que parece percorrer todos os personagens, passamos a identificar em certos detalhes uma significância que, em outras narrativas, não perceberíamos. Acho que foi isso que mais me chamou a atenção no livro.

A temível Chikako importuna a vida de Kikuji até mesmo depois de adulto. Adentra sua casa, envolve-se em suas preferências e relacionamentos, dá ordens como se fosse a dona do lugar. Argh, como é incômoda essa personagem, sempre envolvendo-se, com seus propósitos escusos, na vida de Kikuji. 

No fim das contas, o livro traz mesmo é uma espécie de meditação. A trama desenrola-se com tanta tranquilidade, mas é contrastada com momentos de grandes emoções. Pergunto-me se isso não traduz o ethos da época: um Japão tradicional e milenar x um Japão militar e ocidentalizado. Penso que isso estava acontecendo naquele momento e é traduzido na literatura da época também. 

Recomendo a leitura, ao mesmo tempo que fico com poucas palavras para traduzir a ideia de serenidade do livro, misturada com acontecimentos inesperados. Kawabata traz uma narrativa diferente, inesperada, até. É uma boa porta de entrada para conhecer a literatura japonesa.

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