sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Resenha - Como contar um conto

GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel. Como contar um conto. Rio de Janeiro: Casa Jorge Editorial, 1997.


Pois é. Prosseguindo com a leitura de metalivros. Livros sobre livros. Na última resenha falei do maravilhoso livro de Stephen King. Resolvi continuar com a leitura dos mestres e fui pro meu xará García Márquez. Como, a princípio, só escrevi contos até hoje, pensei que esse título bem sugestivo pudesse ser diretamente mais útil. 

O livro em si não é sobre contos. Na verdade é uma compilação de uma oficina que García Márquez dava para alunos de cinema. As aulas, na verdade, são para escrever roteiros. Tudo bem que os roteiros são para filmes de, no máximo, 30 minutos, o que implica em praticamente fazer... um conto. Então há sim paralelos que podem ser traçados, mas tudo tem que ser visto na ótico de que é uma oficina para roteiristas.

Por um lado, é bem legal ver a conversa de mentes produzindo em conjunto diversas histórias, pensando em cenas, cortes, ângulos e uma história que seja plausível e concisa. Por outro lado, se você compra o livro para aprender a fazer contos, terá uma grande decepção. Porque em determinado ponto do livro você percebe que está praticamente apenas lendo a conversa de outras pessoas.

Outro exemplo. Enquanto King diz que não acha necessária e às vezes nem suporta descrições de figurino, preferindo deixar para imaginação do leitor, García Márquez já afirma que isso é necessário, claro, porque o visual é muito importante na tela do cinema, isso pode definir coisas. Outro contraste que se faz presente com King, é que García Márquez está fazendo um trabalho colaborativo com alunos da Oficina; escrever roteiros pode ser um trabalho de equipe, enquanto escrever romances é um trabalho absolutamente pessoal.

A seguir, vou reproduzir algumas das lições que reuni na leitura do livro, como um fichamento mesmo. 


#Revisões
  • Se uma cena não funciona, procure outra. Na maior parte das vezes, a outra é melhor.
  • É preciso aprender a jogar fora
    • Um bom escritor se conhece pelo que ele joga no lixo. As outras pessoas nunca vão saber, mas ele vai.
    • É preciso ter coragem pra fazer isso e ouvir opiniões, refletir sobre elas
    • Mesmo que todo mundo ache as coisas boas, o escritor deve ser capaz de colocá-las em dúvida
      • Eu lembro que na composição musical temos isso também. Às vezes temos uma ideia muito boa e queremos colocá-la na obra de qualquer jeito. Mas temos que ver se aquilo realmente se encaixa.
      • García Márquez diz que no começo isso dói mesmo, mas depois o escritor se acostuma. Ele alerta também ao perigo de querer guardar as coisas pra "usar depois" e acabar forçando aquilo na história
  • Conforme a história vai se ajustando, os defeitos vão ficando mais evidentes
    • As revisões devem servir pra deixar a história mais atraente e coerente
    • Não se pode alterar o essencial da história.

#Contando o conto
  • Crie a história. Os detalhes virão depois.
    • Aliás, meu xará reforça em diversos momentos a importância da estrutura. Com isso em mãos e bem definido, o autor pode escrever seguro. 
    • García Márquez diz que o gênero da história deve ser definido logo no começo. Não há nada pior do que uma comédia não-planejada, por exemplo.
    • Não dê título à história. Ele surgirá naturalmente.
  • Não há nada pior do que uma história curta que foi alongada. Se é curta, que seja, então.
  • Estabeleça as regras do jogo e siga-as.
    • A partir do momento que você estabelece as premissas e o leitor aceita, pronto. É o que King chama de "falar a verdade". Você se compromete com o que propôs.
      • Agora não vá tentar mudar as regras no meio do caminho, se comprometa.
      • Você pode fazer o que quiser, mas dentro da lógica que você mesmo impôs.
  • Aprenda a resumir. Meu xará diz que uma história só existe quando puder ser contada em uma página.
    • Diferente de King, García Márquez sugere que se faça uma síntese do roteiro ou um passo-a-passo do que acontece
      • Não sei se meu xará faz isso porque é um roteiro (que vai pras telas) ou se esse é o estilo dele mesmo. Eu particularmente ainda prefiro King. Tenho medo de que planejar demais deixe o texto pouco flexível e muito quadradinho.
      • Por outro lado, García Márquez tem um bom argumento, pois estamos falando de contos, não de romances. Logo, talvez seja preferível manter e estruturar uma boa linha de ação e depois ir complicando conforme se revisa.
    • O resumo pode ser: você quer contar exatamente o quê?
  • Comece a escrever com as coisas que conhece (tio King deu essa dica também!)
    • Aproveite suas experiências pessoais
    • Quando tiver esgotado isso, comece a explorar aquilo que não conhece diretamente
  • Fazer um arquivo com personagens que não usou, pra aproveitar em outro momento
    • Em alguma medida, todo personagem protagonista que criamos acaba sendo nós mesmos
  • Se você pode contar uma história de maneira simples, não tem por que complicar ela.
  • Meu xará também não gosta do recurso do flashback (que tio King também não curte).

#Além da escrita
  • Se você trabalhou bem no dia, descanse. Tenha domínio pra não se deixar levar.
    • García Márquez trabalhava de manhã, até duas ou três da tarde. Depois que terminava, não pensava mais nisso até o dia seguinte. Com isso conseguia descansar melhor.
    • Pode até haver quem consiga trabalhar o dia inteiro e não se canse. Mas meu xará pergunta: e vale a pena?
  • No cinema, muitas vezes o trabalho do roteirista é alterado pelo diretor, por questões alheias ao texto. E García Márquez disse que isso também acontece no mercado editorial.
    • Muitas vezes o diagramador de livros percebe que sobra uma linha para outra página, por exemplo. Então vai lá e mexe no espaçamento para economizar papel.
      • Mas isso altera a estrutura visual do texto. É uma economia de milhares de papeis para o editor e sua gráfica, mas pode significar perda na qualidade do texto.
      • É preciso respeitar as pulsações internas do texto.
#Por fim

No fundo, o livro não é didático. Penso que o título foi misleading pois acabei criando expectativa que não foi atingida. Não obstante, é possível ainda retirar algumas verdades. Gostei de saber que muito do que vi aqui já tinha aprendido com meu parça Steve. 

Por fim, Gabriel García Márquez diz que a verdadeira criação implica em riscos, em incertezas. Será que vai ficar bom? Será que vou conseguir? Será que a história ficou coesa? Todo esse grau de "será que?" é terrível, diz meu xará, mas ao mesmo tempo é necessária para fazer algo que valha a pena ser lido. Não precisamos ter medo da insegurança. Vamos escrever!

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